Karl Marx e Friedrich Nietzsche

Em aparência, os dois principais expoentes da filosofia política do 1800, Karl Marx e Friedrich
Nietzsche, eram diametralmente opostos um ao outro. Enquanto Marx procurava “a razão”, Nietzsche favorecia “a paixão”.

O primeiro acreditava no coletivo, o segundo no indivíduo. Marx foi o campeão das massas e dos oprimidos, enquanto Nietzsche odiava “o rebanho” e acreditava que o nível mais baixo da escala social deveria ser mantido sob controle. Marx era pela igualdade, Nietzsche pela hierarquia.

No entanto, os dois tinham muitas coisas em comum. Ambos eram alemães (Marx de origem hebraica por parte do pai, Nietzsche filho duma família luterana de remotas origens polacas) e ambos viveram em exílio na Inglaterra, na Suíça e na Itália. Ambos tinham problemas de dinheiro e de saúde, e ambos eram portadores de cicatrizes, consequências de duelos. Ambos eram indivíduos polémicos, pungentes, e nunca acabaram o que acreditavam serem as suas obras-primas: O Capital e A vontade de poder.

Amplamente ignorados na vida, alcançaram a fama após a morte. O amigo mais fiel de Nietzsche, o compositor Peter Gast, disse no funeral, em 28 de Agosto de 1900: “Santificado seja o vosso nome para todas as gerações futuras”. Da mesma forma, Friedrich Engels declarou no funeral de Marx, em 17 de Março de 1883: “O seu nome durará séculos”.

Mas o que verdadeiramente une Marx e Nietzsche é a tragédia: não da vida deles, mas da utilização que foi feita dos seus pensamentos, fruto das obras de discípulos muito menos inteligentes. Hoje citamos Marx e o pensamento vai para o “Comunismo” da União Soviética; citamos Nietzsche e as ideias correm para o Nazismo do Terceiro Reich. No mês em que se comemora o 200º aniversário do nascimento de Marx, vale a pena reconsiderar este último aspecto: a distância entre os homens e os seus seguidores.

Marx não era marxista

O que hoje é feito passar por “marxismo” é na realidade a caricatura das ideias marxistas: foi o próprio Marx que disse: “Tudo o que sei é que não sou marxista”. Porque
Marx nunca usou o termo “falsa consciência” e não tinha a obsessão da
“luta de classes” ou do “coletivo”: Marx acreditava no desenvolvimento
do indivíduo. A sua filosofia comunista era apoiada pela crença de que
somente em tal sociedade os indivíduos poderiam alcançar a liberdade e a
auto-realização.

Ele e Engels escreveram, no livro de 1846 The German Ideology, que “somente na comunidade os indivíduos têm os meios para cultivar os seus dons em todas as direções. Portanto, a liberdade pessoal é possível apenas na comunidade”. Reparamos: “liberdade pessoal”, era este o fim último de Marx, não o “coletivo”.

Ainda mais importante, Marx não era “anticapitalista” na forma como o termo é usado hoje por certos ativistas políticos dignos do McDonald’s: Marx acreditava que o capitalismo produzia progresso e prosperidade indescritíveis. No Manifesto do Partido Comunista (1848), ele e Engels escreveram que o capitalismo tinha mostrado “tudo o que a atividade humana pode criar”, e que tinha também “realizado maravilhas que superam as pirâmides egípcias, os aquedutos romanos e as catedrais góticas. Possibilitou expedições que ofuscam todas as do passado e as próprias cruzadas”.

O que Marx tinha entendido é que o tempo do capitalismo estava prestes a expirar e que era imperativo que a sociedade passasse para o próximo nível, o comunismo. Mas Marx nunca deu indicações para a realização duma sociedade comunista: o que Marx deu foi um excepcional instrumento de análises, não o manual do pequeno revolucionário.

A maioria dos académicos marxistas conhece muito bem a diferença entre o que Marx disse e o que foi feito sob a bandeira do marxismo. Totalitarismo, campos de trabalho, deportações e limpeza étnica nada têm a ver com os escritos e a filosofia de Karl Marx: ele ficaria chocado pelos crimes cometidos em seu nome. Nada daquilo que foi (e ainda mais é hoje) apresentado como “comunismo” (como a União Soviética) reflecte o que Marx pensou ou escreveu.

Nietzsche odiava os antissemitas  

Assim como Marx ficaria horrorizado com o Estalinismo, da mesma forma Nietzsche teria ficado horrorizado pelo nazismo.

Nietzsche, acima de tudo, detestava os anti-semitas nos quais via a personificação dos espíritos malignos do ressentimento e da inveja. O anti-semitismo era o sentimento das pessoas fracas e inferiores, para as quais “alguém deve ser culpado pelo facto de eu não estar a sentir-me bem”.

Em Humano, Demasiado Humano (1878), Nietzsche escreveu sobre o quanto as pessoas odiavam os judeus por causa “da sua energia e da sua inteligência superior, a excelência do seu espírito e a sua força de vontade, acumulados de geração em geração na escola dos seus sofrimentos”; e ainda, que o sucesso deste povo superior “provoca inveja e ódio tornando os judeus os bodes expiatórios para todas as calamidades possíveis, públicas e privadas”. Ele chegou mesmo a apoiar os judeus contra os seus compatriotas cristãos: “Que bênção a presença de um judeu entre os alemães! Olhem para o tédio, o cabelo loiro, os olhos azuis e a falta de inteligência no rosto, na linguagem e na atitude dos alemães. Vejam os seus hábitos preguiçosos e a necessidade de descanso que eles têm”.

Nietzsche odiava, além dos seus compatriotas, também o militarismo alemão. Este foi o tema de um dos seus ensaios de 1876, Considerações Extemporâneas, no qual previu corretamente que a vitória da Alemanha na guerra contra a França teria levado ao aumento do militarismo no seu País, e também o declínio cultural. Como é possível ler no livro do inglês Abraham Wolf, A Filosofia de Nietzsche (1915), “a teutomania estava muito longe do coração e da alma de Nietzsche. Era apenas o chauvinismo prussiano envolto em pele de Nietzsche”.

Quando Nietzsche utilizava a palavra Kampf, não significava a luta armada e muito menos a guerra, mas a luta pessoal para subir acima da opinião opressiva dos outros, para tornar-se uma versão melhor de si mesmos. Nietzsche era um individualista que teria sido rejeitado pelos comícios dos nazistas porque estes encarnavam exatamente a “mentalidade da manada”, o comportamento coletivo imprudente que deplorava.

Culpados?

Tudo quanto dito ate aqui é extremamente superficial perante o desenvolvimento dos conceitos em volta dos quais trabalharam Marx e Nietzsche ao longo das suas vidas. Mas este é só o ponto de partida e, mesmo sem aprofundar o discurso, há uma pergunta que pode ser feita: podemos absolver Marx e Nietzsche dos crimes que foram cometidos à sombra dos nomes deles?

Embora nenhum dos dois apoiasse a guerra ou invocasse os campos de concentração, pode-se argumentar que eram irresponsáveis e ingénuos.

Nietzsche usava uma linguagem marcial, os seus escritos são embutidos de metáforas militares e de retóricas batalhas de sobrevivência. Fala de “mestres” e da sua constante batalha contra os “degenerados”, os “escravos” e os “fracos”. Puro néctar para racistas, eugenistas e fascistas adoradores do poder. Mas muitas destas passagens podem ser encontradas numa obra póstuma, A vontade de poder, baseada em considerações e pensamentos inacabados dos quais o mesmo Nietzsche não estava feliz (e que foram amplamente editados pela irmã, curadora da publicação). Este livro foi uma verdadeira tragédia e, não acaso, tornou-se um dos mais lidos entre os fascistas nos anos ’20 e ’30.

Também Marx não pode escapar à crítica. Como Edmund Burke tinha dito sobre a Revolução Francesa, quando uma nova sociedade for baseada na ilusão de que a natureza humana é essencialmente benévola e que, perante a oportunidade, as pessoas vão cooperar e ser altruístas, então serão as piores pessoas que tomarão o poder. Analogamente, Marx sofria do falso mito de que a liberdade e a igualdade podem ir em frente em conjunto, quando na verdade estão de frente e em competição: quanto mais tivermos uma, menos poderá ser conseguida a outra. Numa sociedade livre, na qual as pessoas são deixadas em paz, algumas se afirmarão e consequentemente ficarão mais ricas do que outras. Por outro lado, a única maneira de impedir que isto aconteça e manter assim a igualdade, é que o Estado force a redistribuir as riquezas, o que limita a liberdade.

Irresponsáveis e / ou ingénuos, talvez sim. Mas culpar Marx por causa dos crimes do Comunismo e Nietzsche por aqueles do Nazismo é um erro grave, uma caricatura da realidade. Em vez disso, devemos culpar os seus seguidores, os discípulos. Se Marx e Nietzsche podem ser culpados de algo, a única falha que pode ser apontada é de não ter levado em conta o facto de que antes deles muitos mestres já tinham sido deliberadamente reinterpretados.

A moral? Simples: não sejam discípulos. O próprio Nietzsche tinha afirmado:

Não tenho utilidade para os discípulos. Que todos sejam o verdadeiro seguidor de si mesmo.

Ipse dixit.

Fonte: Spiked

14 Replies to “Karl Marx e Friedrich Nietzsche”

  1. Karl Marx (Mordechai Levy): "Só sei uma coisa – Não sou Marxista"

    O marxismo é um movimento Judeu para incitar os chamados "oprimidos" a rebelar-se contra os chamados "opressores", a fim de destruir obstáculos à dominação judaica , que é o verdadeiro propósito de tudo.

    O marxismo foi usado na Rússia, a fim de derrubar o czar e da classe dominante para dar lugar aos chefes judaicos. Foi um sucesso impressionante, embora mais tarde, sob Stalin o poder dos judeus tornou-se um pouco limitado.

    1. A Revolução Judaica/Bolchevique foi realmente uma forma de retirar o poder ás elites Russas e colocá-lo em mãos Judias.

      A Revolução Bolchevique já é chamada por muitos na própria Rússia como revolução Judia.

      Palavras do próprio Putin:

  2. "George Orwell baseou seu romance "Animal Farm" na União Soviética de Stalin, que ele detestava. Ele tinha começado, como tantos outros tolos, em acreditar que o socialismo e o comunismo foram praticamente a mesma coisa.
    Ele ficou cruelmente desiludido quando veio a perceber que o comunismo era uma conspiração judaica para cooptar socialismo, isto é, que era, de fato, o capitalismo judaico pela porta dos fundos.
    Primeiro nacionalizou-se tudo, com efeito confiscou-se a propriedade do goyim para transformá-lo em propriedade do Estado; então começou a "privatização" de tudo, deixando passar a propriedade para as mãos de corporações judaicas privadas. O comunismo foi simplesmente um dispositivo astucioso para a transferência de propriedade dos não-judeus para os judeus. Observe como isso aconteceu na época de Boris Yeltsin, quando grande parte da propriedade estatal da União Soviética caiu nas mãos ladronas de uns poucos oligarcas judeus.

    Entendam isto: se a nacionalização é o roubo da propriedade privada, a privatização é o roubo da propriedade estatal pertencente, em teoria, a todos."

    1. Não sei se o fim era esse, mas acredito que se aproveitaram a queda do regime para alcançar muita coisa. Diga-se os judeus ou os tais oligarcas…

      Defender a igualdade pode ser muito injusto.. Prefiro defender a equidade. Hehe

    2. Na verdade as duas obras literárias escritas por George Orwell, "Animal Farm" e "1984", apesar de serem de extrema qualidade e uma denúncia do tipo de sociedade que o poder financeiro e clerical pretende impor, é igualmente propaganda contra a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) que na época colocava em causa o modelo económico e social controlado pela oligarquia.

      George Orwell nunca conheceu em concreto a realidade da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) no período da governação de Estaline, tendo inclusive trabalhado activamente com os serviços secretos do regime da Inglaterra e denunciado vários cidadãos ingleses, dos quais se suspeitava terem ligação com o comunismo ou movimentos democráticos.

      Porém, o totalitarismo político e social que é retratado de forma magistral por George Orwell nos dois livros, tem todos os componentes que foram executados pelo nacional-socialismo e o fascismo nessas vertentes, e que também foram mais tarde aplicados na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) após a morte de Estaline, com o início da governação do país por Nikita Khrushchev até Gorbachov.

  3. AO LONGO DA HISTÓRIA, RELEITURAS/ENSAIOS DE IDEIAS/INVENÇÕES QUE PODERIAM IMPACTAR O PODER ESTABELECIDO, FORAM COOPTADAS DE N MANEIRAS, PELOS SEGMENTOS DOMINANTES, TORNANDO-SE SEUS INSTRUMENTOS DE PODER OU JOGADAS NO LIXO. AGORA CONCEITUAR UM HOMEM LIVRE É MUITO MAIS COMPLEXO, PQ ENVOLVE, DIRETA OU INDIRETAMENTE, QUESTÕES INDIVIDUAIS E COLETIVAS.
    AGORA, ESSA DE CONSIDERAR UM “POVO” SER INTELECTUALMENTE SUPERIOR A OUTRO É COISA DE EUGENISTA. POIS TODA E QUALQUER DIFERENÇA RESIDE ENTRE INDIVÍDUOS E NÃO ENTRE POVOS. PQ SE FOR ASSIM Nietzsche SERIA PARTIDÁRIO DA MESMA LÓGICA DE HITLER, MAS PRIVILEGIANDO JUDEUS E NÃO ARIANOS.

    1. Caro Chaplin.
      Escrever um texto com todas as letras em maiúsculas é considerado agressivo.
      Parece que estas a gritar aos demais.
      Não há necessidade disso aqui.

      Charlie Chaplin

  4. Igualdade (no sentido de capacitações inatas) é fantasia. O que nos resta é termos um mediador (no caso as governanças) que viabilize um mínimo de paridade.
    Liberdade, poderíamos começar a defini-la como algo possível apenas na relação entre o homem e a natureza, onde qualquer interferência outra, a comprometerá. O que a civilização ofereceu, inicialmente através da sistematização da religião, foram doutrinas que estabeleceram uma existência convencionada nos padrões favoráveis aos dominantes.

  5. Isto foi um aproveitamento e uma péssima leitura tanto de um como outro, e não esquecer que no séc XIX e parte do séc XX as mentalidades eram muito diferentes de hoje. Faz lembrar o uso da religião para dividir e conquistar. Realmente reescrever a história sempre foi algo útil para atingir determinados fins.

    Estamos constantemente a ser levados por ideologias, quer se queira quer não, alguma coisa entra(individualimo ou colectivismo**).

    Vi aí escrito e concordo:
    "Entendam isto: se a nacionalização é o roubo da propriedade privada, a privatização é o roubo da propriedade estatal pertencente, em teoria, a todos." 

    O comunismo está morto e enterrado, agora o capitalismo pode funcionar misturado com o socialismo/ou social democracia pura: Digo é repito: escandinavos e partes da Europa, Canadá, Nova Zelândia e outros…
    O problema é a falta de regulação que está a sair de países soberanos para corporações,setor bancário dominado nao por um ou bancos centrais mas grandes conglomerados cada vez mais.
    É como se fosse algo natural, não é e até vai contra o que disse adam Smith e pior até Friedman(Chicago boys) era contra isto.

    "Que todos sejam o verdadeiro seguidor de si mesmo."
    Pensem pelas próprias cabeças e coerentes.

    nuno

    1. Como regular tais processos que envolvem o grande capital se as agências existentes são administradas por eles mesmos…a raposa cuidando do galinheiro…

    2. Chaplin,
      melhor ainda as agências de rating
      as 3 principais pertencem a banca privada de investimentos (goldman, black., jp Morgan etc). Assim como a Federal Reserve (caso único?!) não se sabe quem são concretamente os proprietários que cobram juros para imprimir moeda.
      O problema é e sempre foi político que está subjugado ao capital e esse sim dita a política (menos nos lugares que referi acima mas também). Daí posso ser um infame esquerdista moderado mas não um hipócrita que ao ter noção mínima das coisas acha tudo muito natural.
      Nada disso é. E quem assusta mais nem são eles, são os que julgam ser e quem directa ou indirectamente prega os seus desígnios.

      nuno

    3. Exato. Costumo dizer que essas 3 agências de classificação de risco podem quebrar qualquer país em 48 horas…e isso chama-se? PROPAGANDA!

  6. As mesmas palavras, as teorias…podem ser interpretadas de mil maneiras diferentes, em função do que pensa, do que quer, ou do que precisa quem as interpreta. Imagine-se então seis grandes volumes, com linguagem hermética na maior parte do seu conteúdo, escrito parcialmente por quem é reconhecido como O autor, no caso Marx (boa parte no caso do Capital foi escrito por Engels e/ou por este último interpretado a partir de esboços e rascunhos do "chefe"). Imagine-se uma outra época, outra geopolítica, outros interesses de quem escreve, e principalmente escrevendo para responder aos desafetos acadêmicos e políticos, e para se impor num determinado cenário. Creio que não dá para ser marxista ou nenhum ista…quando muito reconhecer algumas observações aproveitáveis.
    O que me intriga, no intrincado jogo de poder da vida humana, é como e porque determinados autores ganham predominância universal, outros morrem inexplicavelmente, outros caem no ostracismo, outros jamais são reconhecidos ou conhecidos, e com coisas igualmente interessantes por eles escritas. Quais grandes interesses movem uma escrita para o topo?

Obrigado por participar na discussão!

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