Argentina: um País como prenda (o FMI agradece)

A mensagem atira a Argentina de volta ao pesadelo de 2001. Agora é oficial: a segunda maior economia da América Latina está novamente em crise e procura a ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) para obter um “apoio financeiro”. O anúncio foi feito pelo Presidente Mauricio Macri numa curta mensagem, explicando que o contacto com o FMI foi necessário para continuar com “o único caminho que existe para sair da nossa situação”.

A situação é complicada, pois o Peso alcança os mínimos históricos e o preço do Dólar atingiu ontem um novo máximo em Buenos Aires: 23 Pesos em troca duma moeda dos Estados Unidos, um ano atrás eram suficientes 15 Pesos. Para conter o colapso, o Banco Central argentino elevou as taxas de juros três vezes desde o mês passado, uma subida de 40%; mas, apesar disso, o Peso continua a perder valor.

Macri: culpa dos outros

Explica Macri:

O ambiente global mudou por causa do aumento das taxas de juros e dos preços do petróleo, a Argentina continua entre os Países mais dependentes do financiamento externo.

É por esta razão que o Presidente falou com o Diretor do FMI, a simpática Christine Lagarde. E é por isso que o governo de Buenos Aires decidiu negociar uma linha de apoio financeiro com Washington. Explica o Ministro do Tesouro argentino, Nicolas Dujovne, que ainda não esclareceu nem a extensão da assistência do FMI e nem os limites financeiros e temporais da ajuda:

Quanto mais segurança pudermos criar nos mercados internacionais, melhor é.

O Ministro continua afirmando que o governo Macri promove uma “política de correção gradual” que está a começar a produzir resultados, mas também lembrou:

A Argentina está exposta à volatilidade do mercado. A mudança no contexto global, como o aumento das taxas nos EUA, levou a uma mudança no fluxo de capitais das economias emergentes para as centrais.

Os outros: culpa tua

Paradoxalemente é nos Estados Unidos que encontramos a primeira voz de desacordo: segundo o Presidente da Federal Reserve, Jerome Powell, “há boas razões para crer que a normalização da política monetária continuará a ser administrável” por parte das economias emergentes, sendo “exagerado” a papel que é dado à reserva dos EUA em Países como a Argentina.

Na frente interna, o bloco de deputados da aliança peronista-kirchnista Frente para la Victoria critica a decisão do Presidente de pedir 30.000 milhões de Dólares ao FMI. Num comunicado, a Frente afirma:

Exigimos do poder executivo que qualquer possível acordo com o FMI, antes da aprovação, seja amplamente discutido no Congresso Nacional. […] A decisão significa um sério revés: nos dois anos e meio de administração de Néstor Kirchner, a Argentina cancelou a dívida com o FMI, 13 anos depois, nos dois anos e meio no cargo, Mauricio Macri nós envia para o Fundo. Os acordos com o FMI foram sempre prejudiciais para o nosso povo. Significaram cortes salariais, pensões, privatizações, demissões no setor público e aumento da pobreza na Argentina, levando o País a crises económicas e sociais muito profundas.

A primeira vez que a Argentina recebeu dinheiro do FMI foi em 1957, após o golpe contra Juan Perón: os militares pediram 75 milhões de Dólares, a relação entre o País e o FMI culminou em Setembro de 2004, quando o Presidente Nestor Kirchner anunciou o reembolso da última prestação do empréstimo e a notícia foi comemorada como uma vitória da soberania nacional, o primeiro passo para a recuperação da grave crise de 2001.

O que está a acontecer parece um filme já visto e traz para a memória à crise da Dívida Pública que transformou os Títulos de Estado de Buenos Aires em papel sem valor. O risco é mais uma crise num País que, nos anos Cinquenta, era um entre os mais ricos do mundo, destino para a imigração dos Países europeus mais pobres. Mas o que está a acontecer não surpreende: a eleição de Mauricio Macri representava uma forte viragem na direção do neoliberalismo e agora é altura de recolher os frutos. Com o actual Presidente, a Argentina voltou ao ano de 2001 e o FMI agradece.

Em apenas dois anos, o homem que havia prometido na sua campanha a redução da inflação e o respeito dos números do emprego, conseguiu fazer crescer a Dívida Exterior em 35%, chegando assim ao total de 307.295 milhões de Dólares, o que representa 56% do Produto Interno Bruto. Culpa apenas do “ambiente global”, do “aumento das taxas de juros e dos preços do petróleo” como afirma Macri? A resposta chega dos Estados Unidos, onde várias agências de notação financeira, como Moody, alertaram acerca das grandes nuvens escuras que pairam sobre o futuro económico da Argentina, apontando também o dedo contra o responsável: a política escolhida pelo Presidente Macri. É nesta linha que encontramos o The Sunday Times, o Financial Times, Fitch e Forbes  (curiosamente, os mesmos que antes tinham aplaudido com entusiasmo a eleição do Presidente).

A prenda

Os resultados das políticas presidenciais estão todos neste dado: um trabalhador é demitido ou suspenso a cada 6 minutos. Em apenas dois anos, o número subiu até cerca de 300 mil pessoas, agora sem emprego, enquanto outros 150 mil podem ter o mesmo destino até o final de ano. Cerca de 10 mil empresas tiveram que fechar as portas: a abertura indiscriminada das fronteiras comerciais (Viva la Globalización!) deixou muitos empresários incapazes de competir com as importações.

Isso sem mencionar os mais pobres ou os reformados, que fazem saltos mortais para sobreviver com uma taxa anual de inflação que excede 30%.

Diante deste cenário turbulento, Macri escolhe a solução mais temida: chamar de volta o Fundo Monetário Internacional. Claro, haverá mais despedimentos, mais cortes, mais sofrimento e tudo isso ao longo de décadas: será hipotecado o futuro de inteiras gerações. Mas este é o mercado, é o “sistema que funciona”. Um País oferecido de bandeja: uma prenda que a simpática Lagarde aceitará com o rosto sério da ocasião e o coração aos pulos de felicidade. Para Macri e a simpática Christine: missão cumprida.

Ipse dixit.

Fontes: Il Fatto Quotidiano, Telesur

11 Replies to “Argentina: um País como prenda (o FMI agradece)”

  1. Depois de destruir a economia e estrutura laboral do país, saquear os dinheiros do Estado, e destruir as empresas e organismos públicos, o governo neoliberal liderado por Mauricio Macri pede a intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI).

    A táctica do costume, nada de novo.

  2. Caro Max.
    Pelo cantar dos carros de boi, somos o próximo da fila apesar (e por isso, sobretudo) do país ter reservas em torno de 300bi de dólares. Os golpistas – os 3 poderes + mídia venal – não podem abrir mão do poder sob pena de pararem todos nas prisões. Claro que contam com a 'intelligenza' americana, não só, como também da força. Famoso efeito Orloff: O Brasil é a Argentina, amanhã.
    efeito orloff: https://www.youtube.com/watch?v=FrPTMsX2pVg

    1. Disseste bem, temos 300 bi de dólares em reservas, inflação baixa, taxa de juros na ordem de 6.5%. Isso por si já seria um motivo de segurança a despeito do desemprego elevado e dos juros de mercado elevados também. Portanto, nosso problema não é econômico. Nosso problema é político. Nossa matriz econômica, mesmo tendo como base as comodites ainda tem uma certa diversificação, ao contrário da Argentina que se mantém basicamente agrícola. Logo, creio que esse ponto de retrocesso já foi superado pelo Brasil há alguns anos. O que falta é as pessoas acreditarem mais em sua capacidade produtiva, não há crise econômica no Brasil, dinheiro não é problema aqui. O nosso problema é político e de gestão !!!! Eduardo

    2. Alguém esperava algo diferente com os hermanos? Olá Max, Gilson Sampaio, e demais comentaristas portugueses e brasileiros: é bom darmo-nos conta que os ponteiros dos relógios na América latina trocaram o sentido. Se a Argentina voltou para 2001, nós aqui estamos em 1950, precisamente quando eu nasci: não tínhamos Petrobrás, nem Eletrobras, nem Anatel, nem força aérea e muito menos submarino atômico. Tínhamos alguma meia dúzia de universidades federais (grátis e para ricos), bem poucas filantrópicas católicas (pagas e também para ricos), mão de obra majoritariamente escrava, trabalhando de tamancos para comer, e precarização total do trabalho. Isso não quer dizer, na minha modesta opinião, baseada na vida vivida apenas Sampaio, que sejamos o próximo da lista.Me parece que aqui a aposta é outra (cada país latino americano tem as suas idiossincrasias, não é mesmo?). Creio que somos, nós brasileiros, o povo mais bestializado da América Latina em função da mentalidade escravocrata que nos domina a quase todos desde os primórdios, o que nos difere totalmente dos hermanos. Então aqui, medidas inconfessáveis podem ser tomadas sem nenhum problema. E há muitas ainda a serem tomadas dentro do desgoverno existente,e da desfiguração absoluta dos poderes "democráticos", grandes oportunidades para quem se estabelecer e ganhar dinheiro. O FMI pode ficar para depois.Posso estar enganada e as coisas acontecerem simultaneamente.

  3. Não há solução enquanto as populações não entenderem a lógica de poder que as envolve. Se não for um "Macri", será outro a exercer a mesma função, mesmo que aparentemente seja um "opositor". Seria necessário interferir na tal da "educação" e formar outro indivíduo, o que até hoje jamais aconteceu.

  4. Educação…que educação Chaplin? A escolarizada é que não é! Só que seja a escolarizada chinesa para o primeiro filho. Aí parece que pode funcionar.
    A Venezuela de Chaves tentou uma educação política popular, ou seja, participação efetiva quase forçada da população nas decisões políticas do cotidiano e parece que as coisas por lá funcionaram tão bem que o país tornou-se um problema de "segurança nacional" para o império, bem sabemos para o neoliberalismo. Mas ali sim, em território venezuelano, podemos dizer: a luta continua…
    Já no Brazil, as efêmeras tentativas localizadas de educação através do exercício da democracia direta, como em Porto Alegre, na gestão do prefeito Olívio Dutra, não tiveram força de continuidade, a não ser o Forum Mundial outro mundo é possível.Educação como desenvolvimento cultural é bonito de ver entre povos não bestializados pela escravatura, a não ser pequenas iniciativas auto didatas.Sinceramente, chaplin, aprecio teus raciocínios, e gostaria de saber, na tua opinião, por onde pode se infiltrar a tal educação que gostaríamos que os povos massacrados alcançassem

    1. Olá Maria! Pertinente questão. A história em nenhum momento sinaliza algo diferente. O mundo, exceto pequenas minorias, era analfabeto até pouco tempo. Costumo dizer que: "perto do zero, tudo parece bom…", e isso vale para a realidade que circunda a formação do indivíduo. Quem chegou "mais longe" foram certas minorias orientais, e nada mais. Confunde-se cientificismo com formação pessoal. E não se trata de otimismo ou pessimismo, outro diversionismo perverso. Não vejo nada além de um "belo" pendulo em movimento… Não acredito em armas que não sejam mentais. Portanto, a ruptura seria de cunho educacional. O problema é que as forças são extremamente desiguais, de um lado, a propaganda que funciona como uma espada acima da cabeça do "moderno" e o controle do comércio do capital que escolhe a quem financiar, de outro, formiguinhas transitando nas areias do Saara… Abraço.

    2. "A crise da educação brasileira não é uma crise; é um projeto" – Darcy Ribeiro. Essa frase lapidar explica muito, mas não explica tudo. Gentes em formação intelectual resistir ao pensamento único via mídia hegemônica alinhada com o capital não é tarefa fácil. Vale lembrar que o Mito da Caverna foi escrito há milênios, por Platão.

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