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Ciência: amamentar é perigoso

Cinco minutos de tempo para deitar no lixo? Então vale a pena ler o artigo Unintended Consequences of Invoking the “Natural” in Breastfeeding Promotion (“Consequências não intencionais em invocar o “natural” na promoção da amamentação”), escrito por Jessica Martucci e Anne Barnhill e publicado na conceituada revista Pediatrics.

Vale a pena porque só assim podemos entender quais terríveis erros costumamos cometer. E não desde hoje: desde sempre. Tudo publicado na revista oficial da católica American Academy of Pediatrics, disponível desde Janeiro de 1948.

Vamos ler com atenção.

As organizações médicas e de saúde pública recomendam que as mães amamentem exclusivamente ao longo de 6 meses. Esta recomendação fica baseada nas provas dos benefícios para a saúde de mães e bebés, bem como dos benefícios para o desenvolvimento dos bebés.

Portanto: amamentar ao longo de seis meses oferece vantagens à mãe e aos bebés. Até aqui tudo bem.
Em frente.

Uma série de trabalhos recentes desafia a extensão desses benefícios e a crítica ética à promoção do aleitamento materno como estigmatizante também está a crescer. Com base nesses trabalhos críticos, estamos preocupados com a promoção do aleitamento materno que enaltece a amamentação como o modo “natural” de alimentar os bebés. Essa mensagem traz uma perspectiva poderosa de que as abordagens “naturais” para a saúde são melhores, uma visão examinada num recente relatório do Nuffield Council on Bioethics.

A promoção da amamentação como “natural” pode ser eticamente problemática e, coisa ainda mais preocupante, pode reforçar a crença de que abordagens “naturais” são presumivelmente mais saudáveis. Isso pode, em última análise, desafiar os objetivos da saúde pública em outros contextos, particularmente na vacinação infantil.

Portanto: é verdade que o amamentação é natural e, como vimos, traz benefícios. Todavia esta ideia de que “o natural é bom” é eticamente má. Porque depois as pessoas podem começar a perguntar: “mas uma vacina é algo natural?”. Uma pergunta incómoda, fruto da amamentação. Quem não amamenta nunca faz esta pergunta. Vice-versa, todas as mães que amamentam numa certa altura param e pensam: “Estou a amamentar? Oh meus Deus! E as vacinas?!?”. Este é um facto.

Segue uma análise da atitude das pessoas perante as vacinas. Vamos saltar para frente.

A ideia do “natural” evoca um senso de pureza, bondade e inofensividade. Enquanto isso, substâncias sintéticas, produtos e tecnologias produzidas em massa pela indústria são vistas como “não naturais” e muitas vezes despertam suspeita e desconfiança. Parte desse sistema de valores é a percepção de que o natural é mais seguro, mais saudável e menos arriscado. Esse abraço do “natural” em detrimento do “não natural” aparece numa variedade de questões científicas e médicas contemporâneas além da vacinação, incluindo a rejeição de alimentos geneticamente modificados, uma preferência por alimentos orgânicos em vez dos cultivados de forma convencional e a rejeição de tecnologias de reprodução assistida, bem como as preocupações sobre as toxinas ambientais e a fluoretação da água. Grande parte do interesse em medicamentos complementares e alternativos também depende de “ideias de técnicas naturais mais seguras, gentis e benignas”.

Pois é: esta ideia do natural é maliciosa, insinua-se no cerebrinho das pessoas que, sem motivação aparente, começam a suspeitar de tudo, até dos alimentos geneticamente modificados, das toxinas e do flúor. E ficam com a impressão de que o natural é melhor pelo facto de ser… natural. Tudo isso, lembramos, porque amamentam. Indivíduos que não amamentam nem percebem a diferença entre “natural” e “não natural”.

Em alguns casos, no entanto, essa visão de que “natural” é sinónimo de “melhor” pode funcionar contra problemas específicos de saúde pública. O recente relatório do Nuffield Council documenta essas ideias e sugere que, embora algumas pessoas possam entender “natural / não natural” como valor neutro, há outras perspectivas, por exemplo, o medo de que as inovações científicas estejam erradas porque afastam as coisas vivas da sua natureza fundamental e que a natureza oferece a melhor maneira de fazer as coisas.

Partindo da errada convicção de que “natural é bom”, as pessoas começam a ter medo de tudo, incluindo do progresso científico. Uma espécie de regresso à Idade das Trevas. A salvação? As pessoas que pensam “Natural? Não natural? Boh, sei lá eu, tanto sou abstémio”. Estas são prontas para enfrentar o futuro.

Essa última visão é clara e comunemente invocada na promoção da amamentação. Por exemplo, a campanha de promoção do aleitamento materno “É apenas natural” do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA é uma tentativa explícita de persuadir as mulheres a amamentarem enquadrando a amamentação como melhor do que a fórmula, porque é natural.

Além disso, a Academia Americana de Pediatria referiu-se ao leite materno como “o melhor e mais natural alimento para bebés”. Um cartaz de promoção do aleitamento materno produzido pelo Departamento de Saúde e Higiene Mental de New York descreve o aleitamento materno como “feito pela mãe”. […] A mensagem enviadas aos pais presumivelmente é que as substâncias produzidas nas fábricas são insalubres e devem ser evitadas, enquanto a opção natural é mais segura e melhor. A amamentação também tem sido referida como “natural” pela Organização Mundial de Saúde, pelo Departamento de Saúde Pública da Califórnia e pelo Departamento de Saúde de Vermont, para dar apenas alguns exemplos, e vários outros exemplos dessa abordagem foram documentados num relatório divulgado pelo Berkeley Media Studies Group em 2010.

Todas estas instituições que apelam à amamentação natural, todos estes erros… mero acaso ou conspiração? Porque numa certa altura temos que ser honestos: não pode ser só coincidência. Basta com esta coisa da “amamentação natural” ou do leite “feito pela mãe”: “natural” ou “não-natural”, qual a diferença? Não há, são todos igualmente bons, como demonstram as provas (que não apresentamos só por uma questão de espaço).

Faz sentido que a promoção do aleitamento materno faça apelo ao “natural”. O crescimento das taxas de amamentação ao longo das últimas quatro décadas está enraizado na história dos esforços organizados das mulheres durante as décadas de 1950 e 1960 para resgatar o valor de alimentar os bebés “naturalmente” perante o amplo apoio médico para a alimentação com fórmulas.

Estúpidas mulheres.

O acoplamento da natureza com a maternidade, no entanto, pode apoiar inadvertidamente argumentos biologicamente deterministas sobre os papéis dos homens e das mulheres na família (por exemplo, que as mulheres devem ser as principais cuidadoras de crianças). Referencia o “natural” na promoção da amamentação, então, pode inadvertidamente endossar um conjunto controverso de valores sobre a vida familiar e os papéis de género, o que seria eticamente inapropriado.

É isso que dá uma velha sociedade machista como a nossa, na qual são as mulheres que parem e que amamentam os filhos. As mulheres parem? Eu também quero. As mulheres amamentam com o seio? Eu também quero. E afinal: o que é este raio de “natural”?  

Invocar o “natural” também é impreciso porque falta uma definição clara. Por razões semelhantes, o recente relatório Nuffield afirma que as agências públicas, governos e organizações que contribuem para os debates públicos e políticos sobre ciência, tecnologia e medicina “devem evitar usar os termos natural, antinatural e natureza” a menos que tornem transparentes os “valores ou crenças” que estão por trás deles.

“Natural”, “antinatural”, “natureza”: nem há uma definição clara, é tudo muito confuso. E a Ciência não tem, eventualmente, que esclarecer o assunto, tem que ignora-lo. Porque é só uma questão de “valores ou crenças”, praticamente uma questão de fé.

Qualquer que seja a ética que apela ao natural na promoção da amamentação, isso levanta preocupações práticas. A opção “natural” não se alinha de forma consistente com as metas de saúde pública. Se fazer o que é “natural” é “melhor” no caso da amamentação, como podemos esperar que as mães ignorem essa visão de mundo poderosa e profundamente persuasiva ao fazer escolhas sobre a vacinação? Se a promoção da amamentação enquadra a opção “feito na fábrica” como arriscada ou insalubre, o que os pais devem concluir ao escolher entre as vacinas feitas na fábrica e aumentar a imunidade “naturalmente”? Devemos pensar duas vezes antes de referenciar o “natural” na promoção da amamentação, mesmo que isso motive as mulheres a amamentar.

Justo. A ideia de “natural” é como a peste: é “poderosa e profundamente persuasiva”, atropela os neurónios das massas, consegue convence-las de que um produto feito numa fábrica não é tão bom como aqueles produzidos por Mãe Natureza (que, lembramos, nem sabemos ao certo o que é).

Vimos no início como a amamentação traz vantagens às mulheres e aos bebés. Portanto seria possível pensar: “Bom, se tem benefícios, então vamos a isso”. Não, porque estes benefícios têm um custo: começa-se por amamentar, depois deixa-se de acreditar na Ciência, os filhos não são vacinados e a humanidade acaba.

Fica cientificamente demonstrado: amamentar é mau. As poucas vantagens que oferece não podem compensar o perigo que esta ideia do “natural” traz consigo. Comprem o leite industrial e não pensem nas vacinas. Já agora: comam OGM’s e bebam água com flúor. E sejam felizes, porque o futuro é risonho.

Ipse dixit.

Fonte: Pediatrics via APP