Coreia: o encontro histórico

Momento histórico hoje: Kim Jong-un é o primeiro líder da Coreia do Norte a atravessar a fronteira com o Sul. Caloroso aperto de mão, sorrisos, festa grande. Até que enfim, uma boa notícia de vez em quando. De mãos dadas com o Presidente Jae-in, os dois líderes cruzaram a fronteira para tocar o Norte, depois cruzaram a fronteira outra vez para entrar no Sul. Alguém teve que trava-los porque os dois poderiam ter continuado o dia todo.

“Agora uma nova história começa.” foram as primeiras palavras de Kim sentado à mesa oval da sala do encontro: “Temos de corresponder às expectativas” para não repetir um passado “em que não conseguimos pôr em prática os acordos”.

Porque esta não é a primeira cimeira coreana: já houve duas em Pyongyang, em 2000 e 2007. Na última, o falecido líder norte-coreano Kim Jong-il, pai de Kim Jong-un, tinha assinado uma declaração de paz com o então líder do Sul, Roh Moo-hyun. O documento exigia conversações internacionais para substituir a trégua por uma paz definitiva e encerrar assim o conflito iniciado em 1950 e tecnicamente nunca acabado.

Porque desta vez as coisas poderiam ser melhores? Por um par de razões.

Em primeiro lugar, a China não quer problemas logo atrás das suas fronteiras. E a Coreia do Norte fica aí ao lado. Uma atitude mais provocatória de Pyongyang poderia ser utilizada para Washington desencadear um conflito mesmo no quintal de Pequim. Dado que a China tem um peso específico particularmente elevado na Coreia do Norte, lógico imaginar pressões para encontrar uma solução pacífica.

Nem os Estados Unidos querem empenhar-se numa guerra no Pacífico por enquanto: já têm problemas suficientes no Médio Oriente, com a Síria de Assad dum lado (mas o verdadeiro objectivo é sempre o Irão), os “rebeldes moderados”, o Líbano, a Turquia e os aliados regionais do outro. Apesar das declarações de Trump no recente passado, um pouco de calma na Coreia é bem vista em Washington (e tranquiliza momentaneamente Tóquio também).

Depois há o líder da Coreia do Norte: na semana passada, Kim tinha anunciado que o seu País não precisava mais de mais testes nucleares ou lançamentos de mísseis. Também garantiu que Pyongyang não usará armas nucleares se não houver ameaças contra o Norte. Na prática, antes Kim demonstrou que a Coreia “pode”, agora, com as negociações, desfruta uma cómoda saída para acalmar o clima e propor-se como sério interlocutor e até “pacificador”.

O resultado é que o Presidente americano, Donald Trump, aplaudiu as novidades, garantindo tratar-se dum “grande progresso”. As conversações entre as duas Coreias lançam as bases para a próxima reunião entre Kim e Trump, em Junho: aí será enfrentada a questão da sanções, cuja revoga constitui o objectivo final de Kim.

De manhã, Kim, em uniforme preta estilo-Mao e um sorriso contagiante, chegou à linha de demarcação militar. Do outro lado, em terno escuro e idêntico sorriso, estava o Presidente Moon, que convidou o “nortenho” para o grande passo. Kim atravessou a fronteira, depois os dois voltaram para o Norte: fotografias e, sempre de mãos dadas, de volta para o Sul.

A manhã foi a altura dos símbolos e tudo correu bem: florezinhas doadas por crianças, saudação da guarda de honra, mesa oval para entrevista e colóquios.

À tarde, conversa privada de meia hora e assinatura do acordo: além dos compromissos sobre o nuclear, Seul e Pyongyang concordam em interromper imediatamente todos os actos hostis, como a difusão da propaganda através da fronteira, querem prosseguir com os programas de reunificação das famílias separadas pela guerra e com a construção dum corredor rodoviário e ferroviário entre Seul e a cidade norte-coreana de Sinuiju.

Finalmente, o que mais interessa aos Leitores de Informação Incorrecta: o jantar oficial, acompanhado pelas esposas. Para satisfazer a curiosidade, eis o menu:

  • salada fria de polvo pescado em Tongyeong
  • rostli de batatas (o prato é tipicamente alemão, mas enfim…)
  • ravioli de pepino de mar da ilha de Gageodo
  • peixe San Pedro pescado na costa de Busan
  • arroz de Gimhae Bongha com vegetais selváticos colhidos na zona desmilitarizada
  • peixe gato grelhado
  • munbaesul (o licor milenário típico da península)
  • licor de arroz e pétalas de rododendro 

Com um menu assim a paz é segura.
Eu teria acrescentado uma fatia de pizza. E uma fatia de tiramisu. Mais um café. Mas tudo bem, como primeiro encontro pode ser.

Ipse dixit.

7 Replies to “Coreia: o encontro histórico”

  1. Se a humanidade não fosse zumbificada os jantares dos "líderes" não seriam assim.
    Mas, enfim, para que a paz seja sacramentada entre as duas Coréias acho que tem de haver mais alguma razão importante.

  2. ROTFL
    A construir muros ou criar confusão com o próximo alvo Irã (a pedido de Israel, Arábia Saudita, indústria de armamento interna). Ou guerras económicas/ diplomáticas com a China, Paquistão, Rússia e até em parte Índia aliados de dita nação?
    Será via Twitter?
    Vai ser o greatest, biggest, tallest and most awesome Nobel

    Afinal está a ser posto em prática o resultado do encontro de Vladivostok.
    Ganham todos menos os habituais e ainda bem. Afinal, ver para crer o Kim não será tão doido como o twitterboy e os falcões e banqueiros(goldman) que o rodeiam.

    nuno

  3. Coreia do Norte vai fechar base nuclear em maio, diz governo de Seul

    'Não sou o tipo de pessoa que dispara armas nucleares', disse o líder norte-coreano durante o encontro de sexta-feira, segundo a presidência da Coreia do Sul.

    https://g1.globo.com/mundo/noticia/coreia-do-norte-vai-fechar-base-nuclear-em-maio-diz-governo-de-seul.ghtml

    Coreia do Norte realizará “desmantelamento público” da sua base nuclear

    Kim propôs a Moon na cúpula que o fechamento de Punggye-ri (nordeste do país) aconteça publicamente

    https://exame.abril.com.br/mundo/coreia-do-norte-realizara-desmantelamento-publico-da-sua-base-nuclear/

    Coreia do Norte anuncia encerramento de centro nuclear em Maio e em público

    Kim Jong-un fez saber que quer jornalistas e observadores internacionais para o processo ser feito "de modo transparente". Cimeira histórica com Trump pode realizar-se dentro de "três ou quatro semanas".

    https://www.publico.pt/2018/04/29/mundo/noticia/coreia-do-norte-quer-encerrar-centro-nuclear-perante-jornalistas-e-observadores-1815720

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