sector científico. Geralmente precisam de capitais e é aqui que
encontram o sector financeiro, sempre ocupado em descobrir as melhores
ocasiões de investimento. Afinal uma startup hoje pode ser um gigante de amanhã: é assim que nasceram Amazon ou Facebook.
Há também empresas cujo objetivo é actuar como um “acelerador de startups“: investe-se um (pequeno) capital inicial e convidam-se outros capitais de risco a participar na mesma aventura. A principal nesta categoria é Y Combinator, que desde 2005, quando nasceu, investiu em mais de mil startups, conseguindo atrair 65 mil milhões de Dólares de investimento. A mortalidade das startups é muito elevada, mas de vez em quando o investimento prova ser um golpe de sorte: Y Combinator participou no desenvolvimento de Airbnb, Dropbox e Weebly, tanto para fazer alguns nomes.
Mas em Março passado, Y Combinator apresentou uma startup baseada em algo diferente: na verdade, descrever o que a startup Nectome promete não é fácil.
Vamos ler o que dizem as páginas online da empresa:
A nossa
missão é preservar o seu cérebro o suficiente para manter intactas
todas as suas memórias: desde aquele grande capítulo do seu livro
favorito até a sensação de ar frio do Inverno, o assar uma torta de maçã
ou o jantar com os seus amigos e familiares.
Ok, dito assim parece a oferta dum álbum de fotografias. Mas não: Nectome quer mesmo preservar as memórias com uma espécie de backup do cérebro. Alguém viu a série de Netflix, Carbono Alterado (e se não viram, procurem porque bem merece)?
A ideia é a mesma: o fundador, Robert McIntyre, fez equipa com o crio-biólogo Greg Fahy para criar um sistema que embalsama o cérebro humano, mantendo intactas a nível sub-microscópico as conexões das sinapses com os neurónios.
Há empresas que prometem preservar os corpos com nitrogénio líquido, para que um dia, talvez, possam ser ressuscitados: é o caso da Alcor Extension Life Foundation, do Arizona, que guarda os corpos congelados de 150 clientes. Mas os especialistas sabem que nestes casos as sinapses são irreversivelmente degradadas: são como um disco rígido cuja memória é irrecuperável. A Nectome promete algo diferente: com a técnica baptizada de “Criopreservação estabilizada com aldeído” consegue salvar as conexões mais delicadas. Daí a ideia de que os “dados” da consciência e da personalidade são igualmente preservados, prontos para uma futura ressurreição.
Pequeno detalhe: se o Leitor estiver interessado e quiser submeter-se ao tratamento, é preciso que morra. Isso pode ser um pouco aborrecido, mas o cérebro deve estar vivo quando os componentes forem injetados através da carótida: e os componentes são 100% letais. No caso dum doente em fase terminal este não é um grande problema: na Califórnia, por exemplo, a Lei de Opção de Fim da Vida, que legaliza o suicídio assistido sob supervisão médica, está em vigor há dois anos.
Por enquanto a Nectome tem uma lista de espera de 25 clientes, que pagaram um depósito de 10 mil Dólares: que podem ser reembolsados caso a ideia mude (são as mesmas condições que a Tesla adopta para os clientes que esperam um novo carro).
Mas, como em todas as histórias, há um lado menos conseguido. A Netcome recebeu uma doação Federal de 960 mil Dólares: o National Institute of Mental Health (Instituto Nacional de Saúde Mental, NIMH) justificou a prenda com as “oportunidades comerciais da conservação nanométrica de cérebros inteiros”. E um dos dois fundadores, McIntyre, utilizou 300.000 desses Dólares para contratar o MIT (a universidade privada Massachusetts Institute of Technology) para obter ajuda no aperfeiçoamento dos métodos de recuperação de cérebros preservados. Aqui começa a polémica.
Sten Linnarson, do Instituto Karolinska da Suécia:
O MIT deu credibilidade a uma startup baseada numa suposição que é simplesmente falsa. A ideia de recuperar a memória dos tecidos cerebrais e recriar uma consciência ligando o cérebro ao computador é algo que, pura e simplesmente, não pode acontecer. Aumenta a possibilidade das pessoas matarem-se para guardar os seus cérebros. Nem consigo explicar até a que ponto isso é anti-ético.
Por causa disso, o MIT anunciou ter quebrado o contrato com a Nectome. Todavia, o Professor Edward Boyden, cujo nome é conhecido internacionalmente e que trabalha no MIT, continua a apoiar a startup:
Recuperar as memórias de tecidos mortos e outras informações relacionadas com a mente é uma pergunta muito interessante para a ciência de base.
Calha bem outra série: As Crónicas de Frankenstein, com Sean Bean. Série agradável, embora não seja uma obra-prima.
Muito bem: o que temos por aqui? Temos o Transumansimo, o movimento intelectual que quer
transformar a condição humana através do desenvolvimento de tecnologias para aumentar as capacidades intelectuais, físicas e psicológicas.
Quando o Transumanismo encontra a Grande Finança especulativa, os pesadelos podem sair do papel, até usufruir de dinheiro público (os 960 mil Dólares do NIMH) e criar ilusões para poucos. Assim, o corpo humano, ou partes dele, se torna commodity, um bem negociável pronto para ser vendido e gerar lucros.
Na base de tudo temos sempre o maior de todos os medos, o Medo da Morte e a consequente exaltação do “eu” qual bem mais precioso, que deve ser imortal. É mesmo esta tirania do “eu” que está a tornar todos iguais, todos controlados da mesma forma e prontos para ser explorados.
Pelo menos, isso era o que pensava o porco.
Ipse dixit.
Fontes: Blondet & Friends, Nectome