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Lula: vai ou não vai? (com final cheio de esperança!)

Falta pouco para saber qual a escolha do antigo Presidente.

Para descrever o processo já foram utilizados rios de tinta, não vale a pena insistir pois agora estamos no “depois”. E aqui as coisas ficam intrigantes.

Para já, a escolha de recusar o habeas corpus e viabilizar a prisão de Lula foi um erro, por duas razões:

1. o habeas corpus é uma instituição quase universalmente aceite, é sinónimo de civilidade e recusa-la pode ter significado só perante duas condições: 1. a falta de provas tangíveis que justifiquem a prisão 2. a presença de provas tão impressionantes que tornam o habeas corpus supérfluo.

O caso de Lula é muito particular: o juiz entendeu demonstrar uma culpa “moral” mais do que “legal”, o que implica uma grande fragilidade do implante acusatório. Porque não há uma “prova rainha”: o que há é uma série de indícios que apontam para um relacionamento “imoral” de Lula com empreiteiros do Estado.

Aqui abre-se outro capítulo, que tem de responder à pergunta: é lícito que um juiz utilize os seus poderes para implementar uma limpeza moral, algo que fica fora dos limites da lei? A resposta mais óbvia é “não”, pois um juiz é nomeado para respeitar e fazer respeitar as leis, não para criar novas.

Mas é uma resposta “de cómodo”, que não diz toda a verdade: quanto entre os Leitores queriam uma revolução no âmbito político (e até social em alguns casos)? E o que é uma revolução a não ser o ir além das regras, até atropela-las para instituir uma ordem diferente? Sejamos honestos: se o juiz fosse de Esquerda, se no lugar de Lula houvesse um Temer, as reacções seriam as mesmas? Respondam “sim” e poderão ver o vosso nariz crescer.
Seja como for, temos que voltar para a realidade, onde um juiz tem (teoricamente) que respeitar e fazer respeitar as leis dum Estado. Problema: para condenar uma pessoa é preciso que esta quebre as leis também, não apenas os limites morais. É aqui que podemos encontrar o ponto fraco da acusação. Ter recusado o habeas corpus mais pareceu uma maneira para não submeter a acusação à prova dos factos. O que, como é óbvio, reforça a posição da defesa.

Se o implante acusatório contra Lula estiver baseado em princípios morais (que são sempre questionáveis), mais valia ter falado claro: as pessoas podem apreciar e até entender uma explicação directa, mesmo que opinável, mas não podem perdoar uma fuga. E recusar o habeas corpus foi uma fuga da Justiça brasileira. 

2.  A má gestão do caso Lula arrisca criar um mártir. Mas não é com a criação de mártires que o Brasil pode encontrar o seu futuro.

Aliás, caso o antigo Presidente seja realmente fechado numa cela, as próximas eleições irão determinar uma forte resposta da Esquerda e aprofundar ainda mais a fratura no seio da sociedade civil. É normal que assim seja pois as coisas funcionam da mesma forma em todo o mundo.

Só que este é um percurso extremamente perigoso, que pode levar direitinho para uma situação descontrolada. E do caos pode sair tudo, não há limites.
É este o objectivo duma parte das forças políticas do Brasil? Nesta altura temos que deixar em aberto todas as possibilidades.

Muito dependerá da atitude de Lula nas próximas horas: entregar-se significaria dar um sinal (“as leis são leis e devem ser sempre respeitadas”), erguer-se como mártir do povo brasileiro e, possivelmente, criar as bases para o sucesso eleitoral do PT em Outubro. Não entregar-se seria um acto profundamente irresponsável que nesta altura transformaria o Brasil num País sem regras: algo do tipo “as leis são leis a não ser que eu decida o contrário”.

Mas não podemos ter dúvidas: é uma escolha difícil e, seja ela qual for, será repleta de consequências. Por aqui fica a tristeza por uma ocasião que está a esvaecer: o Brasil
teve a oportunidade para afastar uma classe política pesadamente
corrupta, arrisca ficar com algo pior. 

Nota pessoal: tentei seguir o debate do STF acerca do habeas corpus. Esperava uma coisa simples, como um juiz que se levanta, diz o seu nome e acrescenta “sou favorável, né” ou “galera, eu sou contra”. Não estava à espera duma espécie de Factor X, no qual cada juiz utiliza um tempo quase infinito para lembrar quais as suas convicções pessoais, os resultados obtidos ao longo da sua mirabolante carreira, disquisir acerca da origem do Universo e outras amenidades.

Pensando bem, se eu fosse Lula provavelmente teria dado entrada na esquadra mais próxima ao grito de “tudo desde que alguém pare aqueles gajos”.

Update nº1: às 00:21 do dia 7

Vai, não vai, afinal parece que vai, não, ficas com os metalúrgicos, mas vai depois da missa, sempre que as negociações funcionem.

“Negociações”? Mas quais negociações?
Lembro o que escreveu Sergio entre os comentários:

Em tempo:
Politico proprietário de um helicóptero ( pilotado pelo empregado ) pego lotado de cocaína.
Veridícto: sem indiciação.
Lula: Apartamento vazio registrado no cartório de registro de imóveis em nome de construtora.
Veridícto: Bandido

Podemos acrescentar:

Lula: condenado à prisão até às 17 horas de hoje.
Resultado: decide ele se, quando e como entregar-se.

Eu acho que vai entregar-se, possivelmente depois da missa e dum discurso de despedida para os seguidores.

Como já repetido: é uma escolha difícil. Mas o caminho é aquele que passa pela amargura (temporária) da cela, pois agora o ex-Presidente tem que pensar no bem supremo do País, nas próximas eleições e tem também que proteger a sua imagem (que, “em fuga” perderia drasticamente pontos). Depois, nas quatro paredes, com calma, será o momento para elaborar um plano de grande alcance para o futuro de todos. Porque, como diz Maria no comentário, esta história não acaba aqui hoje ou amanhã.

Agora vou dormir: estou velho, os meus olhos já não conseguem ver o ecrã, oiço os cabelos a cair: tic, tic,. tic… Ok, talvez exagerei um pouco: mas tenho sono!

Viva Lula! Viva Temer! Viva a cama!

Ipse dorme.

Update nº 2: a Missa

Bom dia!

Então parece que é desta: após Missa, Lula deverá entregar-se, numa atitude muito responsável. Por instantes cheguei a temer umas cedências perante tentações “revolucionárias”, mas é preciso reconhecer: Lula soube antepor os interesses do País aos seus. Uma escolha que honra o antigo Presidente, pois estas são as atitudes pedidas nas alturas mais delicadas.

Agora Lula terá que continuar a lutar e de certeza que será este o caminho: foi criado o “mártir”, capaz de compactar não apenas o PT mas um vasto leque de movimentos civis que encontram na figura do antigo Presidente preso um símbolo. Um grave erro por parte da elite brasileira: porque os políticos podem ser derrotados, os símbolos não.

E começam as contas eleitorais: com Lula na prisão, já circulam as primeiras previsões. Jair Bolsonaro ficaria perto de 26%, Marina Silva (ainda existe?) 15%, Ciro Gomes 10% e Geraldo Alckmin 9%. O grande Michel Temer, meu ídolo pessoal, só um 1%, o que é uma vergonha: revolução já.

Mas são contas inúteis: porque faltam quase seis meses até as eleições e porque entretanto o PT deverá capitalizar o “tesouro” acumulado com a prisão do antigo Presidente. Por enquanto podemos apreciar a directa televisiva, com o palco, Dilma, o padre e “o nosso querido irmão Lula”: o melhor cato-comunismo que os italianos como eu bem conhecem. Quem não gostar, pode sempre mudar de canal: na Record há Vai Dar Namoro & Dança Gatinho. O difícil é escolher.

Bom fim de semana para todos os Leitores.

Ipse weekend!

Update nº 3: a táctica

Lula ainda não se entregou. Acho que a táctica dele é ganhar tempo até morrer de velhice.

Mas tentamos ver a coisa de outra perspectiva: já viram a incrível oportunidade que a Justiça brasileira deu ao antigo Presidente? Uma cobertura mediática impressionante, horas de directo televisivo com discursos, lágrimas, bandeiras e slogans. Tudo de graça, gentilmente oferecido pelo Lava Jato & C.
O PT deveria inscrever gratuitamente Moro nas suas fileiras.

Última nota: quantos cidadãos têm a possibilidade de fazer esperar horas as ordens executivas judiciais? Quantos, mesmo acusados injustamente, podem discursar, convidar amigos, enviar mensagens directamente para as câmaras da televisão?

A Justiça é igual para todos, sem dúvida.

Ipse aborrecido.

Update Final: o jantar

Pessoal, por aqui a gente é terrivelmente rica (afinal somos os colonialistas) e vai comer fora. Lamento, mas Lula pode adiar uma ordem executiva, não o meu jantar. Já perdi boa parte de Dança Gatinho por causa dele, e que raio (a propósito: nunca pensaram em prender o Faro e aquela cambada de subdesenvolvidos?).

Se entretanto no Brasil eclodir a revolução, façam o favor de indicar isso nos comentários: prometo um post, mas só depois da sobremesa.

Viva Lula! Viva Temer! Viva Dilma! Viva Moro!

Ipse comida!

Superupdate Superfinal: Lula foi preso!

E por fim o antigo Presidente entregou-se. Não há mais nada a dizer: a verdadeira luta começa agora.
Luta de Lula para desmontar o implante acusatório. Luta do PT para capitalizar o mártir na cadeia. Sobretudo: luta do Brasil para sair do pântano. E será esta a parte mais difícil.

Diz Sérgio nos comentários:

Se Lula não tivesse feito uma aliança com as forças retrógradas ( PMDB, PP..) talvez hoje estaríamos bem pior.

Foi
um caminho arriscado e como mesmo vc disse: “quem vai aos porcos fica
enlameado”. O Ex-presidente Fernando Henrique fez um bom trabalho no seu
primeiro mandato, controlando a fantasma da inflação. No entanto, ao
tentar proteger e esconder a podridão de seus aliados, jogou no lixo o
seu segundo mandato.

O falecido e quase presidente Tancredo Neves ,
quando perguntado como ele iria administrar um país com tanta
desigualdade social e com as armas do regime militar ainda fumegando,
ele respondeu: “O aparelho tem que ser desmontado aos poucos”. Foi o que
o Lula tentou.

Sérgio tem razão e com certeza conhece a história do Brasil melhor do que eu.
Todavia por aqui também temos experiência de regimes passado: Salazar em Portugal, o Fascismo em Italia. Falo deste último porque é o mais antigo e aquele que conheço melhor.

Mussolini foi fuzilado há 73 anos: com ele acabou a época fascista em Italia. Seria lícito supor que o discurso “Fascismo” do ponto de vista político estivesse fechado. Mas não é isso que acontece: até nas últimas eleições (Março deste ano) o fantasma fascista foi agitado pelo maior partido da Esquerda, o Partido Democratico. O partido perdeu estrondosamente, mas não é isso que interessa: o que conta é que, mais de 70 anos depois, o Fascismo ainda é utilizado como arma política.

Isso para dizer que “desmontar o aparelho aos poucos” pode significar nunca acabar o trabalho: porque do outro lado há forças poderosas, com evidentes ligações exteriores; porque o Capitalismo (ou aquela coisa que ainda chamamos desta forma) e as relativas elites são como um câncer que nunca param até ter corroído o inteiro País; porque o risco é de passar a vida a ver o Brasil que balança dum lado para outro, com a continua perda e reconquista de direitos. Tudo isso enquanto “os cães ladram e a caravana passa” (como dizem em Portugal): cadê BRICS?

É verdade: trata-se duma situação maldita, para a qual é deveras complicado encontrar uma solução.

Como acabar? Com os parabéns, porque acho que hoje Lula deu um sinal forte: o bem do Brasil ultrapassa em importância as desgraças pessoais. Não ter-se entregue teria atirado o País para uma possível situação de caos descontrolado (ou controlado com meios extremos e talvez extra-constitucionais): se a prisão é discutível, pelo menos fora do debate ficou a legitimidade das instituições democráticas (que limpas não são). Não importa o que Lula disse com as palavras: entregar-se significou legitimar com os factos o actual poder judicial. E se muitas vezes fui (e ainda sou) crítico em relação ao antigo Presidente, hoje sou obrigado a admitir que, com o seu sentido de responsabilidade, talvez tenha assentado um tijolo na construção dum Brasil melhor.

Ipse preso!