Duas cartas para Theresa (e uma simulação anti-gás)

O governo dos EUA expulsa 60 diplomatas russos e 18 Países europeus, incluindo 15 da União Europeia, fazem o mesmo, num concentrado de falsidades raramente
observado.

A situação é muito séria? Mais ou menos. É um pouco séria,
mas nada de grave.

“Um pouco” porque é claro que expulsar diplomatas não
é simpático. Mas também é evidente que tanto os EUA quanto os Países
europeus sabem perfeitamente que a responsabilidade do caso Skripal não é
da Rússia.

Pequena galeria do “não é mas gostaria que fosse”:

Donald Tusk: “É altamente provável que a Federação Russa seja responsável por este ataque e não há outra explicação possível”.
Jean-Yves Le Drian, Ministro dos Negócios Estrangeiros de Paris: “… assumido que não há outra explicação plausível que a responsabilidade da Federação Russa”.
Theresa May: “Nenhum outro País tem a capacidade, a intenção ou a razão para tal agressão”.
Heiko Maas, Ministro das Relações Exteriores da Alemanha: “Os factos e as evidências sugerem que a Rússia está por trás dessa agressão”.

“Altamente provável”, “Assumido que”, “Os factos sugerem”. Não há provas. Não há mesmo. E o Ocidente sabe disso.

Almirante Carlo Jean, ex militar Nato, hoje docente de Geopolítica na Universidade Guglielmo Marconi de Roma:

Não há provas de que o Kremlin ou uma organização estatal de Moscovo seja responsável, ainda deve ser encontrado quem inseriu o gás de nervos na mala da filha de Skripal. No entanto, é muito provável que o tentado assassinato do ex-espião tenha ocorrido pelas mãos de algum ex-membro dos serviços secretos russos.

Entre as “provas” que culpam a Rússia:

O governo russo teve uma reação bastante incomum, comentando até com ironia o que aconteceu.

Tomamos nota: a ironia é uma meia confissão.
Assinalável um curto exercício literário do conhecido filósofo e jornalista francês Bernard Henry-Lévy, cujo título é Quelques heures dans la tête de Vladimir Poutine (“Algumas horas na cabeça de Vladimir Putin”). Retrata o Presidente russo que reflecte sobre o caso do veneno e que não imaginava a reacção dos ocidentais:

Não mexeram um dedo quando exterminei 100 mil tchetchenos. Apenas protestaram quando livrei-me de alguns milhares de excitados no Donbass. E nem sequer falo sobre as crianças sírias que tiveram que ser gaseadas, com o amigo Assad, e eles nem uma lágrima.

Chapéu. E parabéns pela sensibilidade: a ideia de explorar as mortes das crianças (vítimas de quem?) é de mestre. Doutro lado, se uma pessoa faz “Lévy” de apelido…

Querida Theresa

O General Dominique Delawarde

Mas já que estamos a falar de literatura, vamos ver algo mais interessante, pode ser?

O General Dominique Delawarde pertenceu ao maior nível da espionagem militar francesa, foi chefe da Situation-Renseignement-Guerre électronique (guerra electrónica) do Estado-Maior para o planeamento operacional. E decidiu escrever duas cartas imaginárias, ambas supostamente enviadas por Vladimir Putin a Theresa May.

Na primeira há uma passagem em que Putin diz:

Mas ia esquecer Bibi, o vosso prudente cúmplice que soube, ele, actuar nos bastidores e deixar para outros a tarefa de dizer excessivas desproporções. Digam-lhe que não vou esquecer, e que lhe guardo um lugar muito especial nos meus pensamentos.

“Bibi” é , obviamente, Netanyahu, o líder israelita que não aderiu à onda de expulsões dos diplomatas russos e nem seguiu o mantra de “É altamente provável…”.

Na segunda carta, Putin fala com Theresa May acerca da:

…fantasiosa suposição de que o seu governo tenha caído no poder duma personagem mais forte do que você, porque controla uma parte importante do pessoal político britânico, bem como dos media e dos meios financeiros no reino de Sua Majestade. Este homem seria capaz de pedir serviços que vão no sentido dos interesses que ele defende, e que você não pode recusar.

Uma investigação dos meus serviços em curso há vários meses destaca a presença de um homem, em processo de identificação, que encontrou você na frente duma porta escura que é, à primeira vista, duma casa fechada. […] Actualmente é estabelecido que a vossa cumplicidade com o homem é “altamente provável”: esse mesmo homem teria sido visto, alguns momentos depois, no escritório do seu Ministro das Relações Exteriores em estado avançado de hilaridade. Também a cumplicidade deles, portanto, é “altamente provável”. […]

O rosto desse indivíduo misterioso lembra-me alguém que conheci em várias ocasiões. Os meus serviços dizem, além disso, que o homem que eu conheci e o que está na foto a rir-se com o vosso Ministro das Relações Exteriores poderia ser a mesma pessoa e poderia estar envolvido em três casos de corrupção no País dele [Netanyahu está sob investigação em israel por corrupção].

O seu bilhete de identidade teria sido encontrado sob uma folha morta pelos investigadores da Scotland Yard nas imediatas proximidades do lugar onde o infeliz Skripal e sua filha foram encontrados [refere-se à fake news segundo a qual o passaporte de Putin foi encontrado no lugar do ataque, ndt]. Mas os vossos investigadores parecem desconfortáveis ​​em divulgar esse detalhe porque o personagem disporia de proteções poderosas no vosso País e os jornalistas, estranhamente, não querem divulgar essa informação que consideram inapropriada e não relacionada à investigação.

Quanto ao vosso Ministro da Defesa, ele abandonou-se a declarações acaloradas numa recepção parlamentar anual reservada aos deputados conservadores, realizada em Londres. Falou disso um jornal que você deveria conhecer bem. O artigo do qual anexo o link mostra um conluio “altamente provável” entre 50 deputados britânicos ansiosos por garantir a reeleição, liderados pelo vosso Ministro da Defesa, e uma lobby que defende os interesses dum Estado estrangeiro. Se fizesse verificar os factos acima, você poderia encerrar rapidamente a investigação sobre o caso Skripal e não dar seguimento para evitar salpicos.

O link referido no texto é este que relata o discurso do Ministro da Defesa britânico Gavin Williamson na reunião anual dos Conservative Friends of Israel (“Conservadores Amigos de israel”), do passado dia 1 de Fevereiro, onde o Ministro elogiou exageradamente israel qual “farol de esperança, País liberal, livre e emocionante”, frisando o “maravilhoso florescimento da Democracia” e condenando em termos inequívocos “o ódio irracional” do qual o inocente Estado judeu é vítima.

O sentido destas duas “cartas” é evidente e nem precisa de ser comentado. Poderia ser um puro exercício estilístico dum blogueiro antissemita. Mas não, é obra dum general executivo sénior dos serviços. Uma forma “simpática” de enviar uma clara mensagem.

Simulações!

Ah, ia esquecendo: como sabemos, o atentado contra o ex-espião Skripal foi perpetrado em Salisbury no passado dia 8 de Março. E não é que no dia 6 tinha iniciado na Inglaterra a maior simulação desde o final da Segunda Guerra Mundial com gás nervoso? Sim, mas a Inglaterra é grande: tinha iniciado onde? Agora tentem não rir: foi em Salisbury. Estamos entendido? Acho que sim.

Enquanto isso, nenhum dos Países que expulsaram os diplomatas apresentaram as condolências à Rússia pelo horrível incêndio (suspeita-se de origem dolosa) no centro comercial em Kemerovo, na Sibéria: 64 mortos, incluindo 41 crianças.

Ipse dixit.

Fontes: Formiche, La Régle do Jeu, The Times of Israel, Réseau International, Daily Mail, Royal Navy, Liberticida

2 Replies to “Duas cartas para Theresa (e uma simulação anti-gás)”

  1. Pois olha Max: aqui no Brasil, não surpreende porque a análise jurídica evoluiu muito. Aqui é assim: se tem prova, não vem ao caso.Se não tem, aí sim reside o perigo;fala-se da possibilidade, então existe a probabilidade, então gesta-se a convicção no âmbito jurídico, o que justifica a penalidade. Tem muita coisa para lá de avançada neste país, como o hábito dos juízes consultarem a mídia, coisa de uma democracia avançada, pois a mídia nada mais é do que a opinião pública. Vai lá que a Teresa consultou a BBC ou acompanha essa jurisprudência da qual o Brasil vem sendo um baluarte nos últimos anos

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