O relacionamento entre sionismo e Arábia Saudita – Parte II

Se na primeira parte, além de factos históricos, tivemos duas teorias que é difícil demonstrar por falta de dados definitivos, esta segunda parte está baseada unicamente na História e demonstra como o relacionamento entre o sionismo e a casa de Saud, que controla a Arábia Saudita, é muito mais profundo de quanto seria possível supor.

No final de 2014, de acordo com a revista norte-americana Foreign Affairs, o Ministro saudita do petróleo, Ali al-Naimi, afirmou:

Sua Majestade o rei Abdullah sempre foi um modelo para as boas relações entre a Arábia Saudita e outros Estados, e o Estado judeu não é uma exceção.

Recentemente o sucessor de Abdullah, o Rei Salman, expressou preocupações semelhantes às de israel em relação ao crescente acordo entre os Estados Unidos e o Irão sobre o programa nuclear deste último. Isso levou os observadores a concluir que israel e o Reino da Arábia Saudita apresentam uma “frente unida” na oposição ao acordo nuclear. Não é a primeira vez que os sionistas e os sauditas se encontraram do mesmo lado da barricada perante um inimigo considerado comum.
No Yemen do Norte, na década de 1960, os sauditas estavam a financiar uma campanha militar mercenária liderada pelos britânicos contra os republicanos revolucionários que tinham ocupado o poder após um golpe. O militar egípcio Gamal Abdel-Nasser apoiou os republicanos, enquanto os britânicos pediram aos sauditas que financiassem e armassem os seguidores do Imam destituído. Ao mesmo tempo, os britânicos trataram com os israelitas para que fossem combatidos os insurgentes: os britânicos, de facto, levaram os sionistas e os sauditas a juntar-se em 1960 contra um inimigo comum.

No entanto, devemos voltar para a década de 1920 para apreciar plenamente as origens dessa aliança informal e indirecta entre a Arábia Saudita e a entidade sionista. A derrota do Império Otomano pelo imperialismo britânico na Primeira Guerra Mundial deixou três autoridades diferentes na Península Arábica: Hussain bin Ali Xarife de Hijaz (no oeste), Ibn Rashid de Hail (no norte) e o Emir Ibn Saud de Najd (no leste) com os seus fanáticos seguidores religiosos, os Wahhabitas.

A península arábica em 1916

Ibn Saud entrou em guerra no início de Janeiro de 1915 ao lado dos britânicos, mas foi derrotado rapidamente e o seu agente inglês, William Shakespeare (o explorador do XIX século), foi morto pelo aliado do Império Otomano, Ibn Rashid, na Batalha de Jarrab. Esta derrota dificultou muito a utilidade de Ibn Saud para o Império: na prática ficou militarmente paralisado durante um ano.

O Sharif contribuiu mais para a derrota do Império Otomano ao liderar a chamada “rebelião árabe” em Junho de 1916, que eliminou a presença turca da península da Arábia. O Sharif estava convencido de poder melhorar grandemente o seu poder porque os britânicos o levaram a acreditar, através da correspondência com Henry McMahon (o Alto Comissário britânico no Egipto), que com a derrota dos turcos seria criado um País árabe unificado de Gaza até o Golfo Pérsico. As cartas trocadas entre o Sharif Hussain e Henry McMahon são conhecidas como a correspondência Hussain-McMahon.

Hussain bin Ali Xarife de Hiyaz

É compreensível, portanto, que o Sharif, uma vez acabada a guerra, queria que os britânicos mantivessem as suas promessas (ou aquelas que ele tinha interpretado como tais) conforme expressado na correspondência. Os britânicos, por sua vez, queriam que o Sharif aceitasse a nova realidade, constituída por uma divisão do mundo árabe entre eles e os franceses (estabelecida com o acordo secreto Sykes-Picot de 1916) e com a aplicação da Declaração de Balfour que garantia “uma nação para o povo judeu” na Palestina através da colonização de judeus europeus. Esta era a nova realidade contida no relatório britânico, o Tratado Anglo-Hijaz, que o Sharif estava profundamente relutante em assinar.

Na verdade, o Sharif não tinha intenção de sacrificar a Palestina em prol dum novo Estado hebraico e ainda menos estava disposto a deixar que as novas fronteiras da Arábia fossem elaboradas pelos britânicos e pelos franceses. Lógico que os britânicos começassem a aponta-lo como um “obstrucionista”, um “aborrecimento” com uma atitude “demasiado firme”. Os britânicos fizeram saber que estavam dispostos a tomar medidas drásticas para obter a aprovação do Sharif, independentemente do serviço que este havia prestado durante a guerra.

Thomas Edward Lawrence

Após a Conferência do Cairo, em Março de 1921, quando o novo Ministro Colonial Winston Churchill encontrou todos os agentes britânicos no Médio Oriente, Thomas Edward Lawrence (o famoso Lawrence da Arábia) foi convidado a encontrar-se com o Sharif para suborná-lo e intimar que aceitasse o projecto colonial britânico na Palestina.

Inicialmente, Lawrence e o Império ofereceram 80 mil rupias, que todavia o Sharif rejeitou. Lawrence, então, ofereceu um pagamento anual de 100.000 Libras, que também o Sharif recusou. Fracassada a ideia do suborno, T.E. Lawrence passou a ameaçar directamente a existência do domínio do Sharif, aquele Reino de Hijaz nascido com a queda dos Otomanos. Lawrence visitou também outros líderes da Península Arábica e informou-lhes que, se não tivessem apoiado a linha britânica e se tivessem assinado alianças com o Sharif, o Império teria “libertado” Ibn Saud e o seu wahhabismo que, afinal, prometiam apoiar por completo as exigências de Londres.

Ao mesmo tempo, após a Conferência, Churchill viajou para Jerusalém e encontrou o filho do Sharif, Abdullah, que tornou-se governante (Emir) de um novo território chamado “Transjordania”. Churchill informou Abdullah que ele tinha o dever de persuadir o pai a aceitar o mandato da Palestina e assinar um tratado para esse propósito, caso contrário os britânicos teriam apoiado Ibn Saud contra o Reino de Hijaz.

Uma das raras imagens de Ibn Rashid

Enquanto isso, os britânicos estavam planear apoiar Ibn Saud para utiliza-lo contra o senhor de Hail, Ibn Rashid: este tinha rejeitado todas as propostas do Império Britânico e estava a expandir o seu território em direcção ao Iraque e também na zona onde deveria ter nascido o novo País hebraico (ano de 1920).

Os britânicos começaram a preocupar-se acerca duma possível aliança entre Ibn Rashid, que controlava a parte norte da península, e o Sharif que controlava a parte ocidental. Além disso, o Império queria que as rotas terrestres entre os portos palestinianos do Mar Mediterrâneo e do Golfo Pérsico ficassem sob o seu controle.

Na Conferência do Cairo, Churchill concordou com um oficial imperial, Sir Percy Cox, segundo o qual “Ibn Saud deveria ter a oportunidade de ocupar Hail”, isso é, o território de Ibn Rashid.  No final da década de 1920, os britânicos financiaram Ibn Saud com 10.000 Libras mensais em ouro, mais abundantes suprimentos de armas para um total de mais de 10.000 caçadeiras e instrutores militares. Finalmente, em Setembro de 1921, os britânicos desencadearam Ibn Saud contra Hail, que caiu oficialmente em Novembro do mesmo ano. Foi após essa vitória que os britânicos deram um novo título a Ibn Saud: já não “Emir de Najd” mas “Sultão de Najd e das suas dependências”. Acabava assim o Reino de Hail, formado em 1836 e dissolvido numa dependência de casa Saud.

Contrariamente ao que pensavam os ingleses, a queda de Hail não impressionou em demasia o Sherif e nem as intervenções do filho Abdullah conseguiram o resultado desejado. Mas a situação do Reino era delicada: desde 1919, os britânicos tinham diminuído gradualmente o subsídio do Sherif e no início da década de 1920 tinha sido completamente suspenso; ao mesmo tempo, continuavam a subsidiar Ibn Saud. Em Março de 1923, os britânicos informaram Ibn Saud que iriam suspender também o subsídio mensal dele, mas não sem antes estabelecer uma “concessão” anual de 50.000 Libras.

Ibn Saud

Em Março de 1924, um ano depois dos britânicos terem atribuído a anuidade a Ibn Saud, o Império anunciou ter encerrado todas as discussões com o Sharif Hussain: em poucas semanas, as forças de Ibn Saud e os seus seguidores wahhabistas começaram a preparar aquele que o Ministro das Relações Exteriores britânico, Lord Curzon, definiu como “chute final”.

Em Setembro de 1924, Ibn Saud invadiu a capital de verão de Sharif Hussain, Taif, matando mulheres, crianças e estudiosos islâmicos tradicionais nas mesquitas. Em Outubro de 1924 capturaram o lugar mais sagrado no Islão, a Meca. O Sharif Hussain foi forçado a abdicar e foi para o exílio, substituído como monarca pelo filho Ali, que fez de Jeddah a sua base governamental. Em Dezembro de 1925, Ibn Saud conseguiu ganhar o cerco de Jeddah e acabou desta forma com mais de 1.000 anos de governo atuado pelos descendentes directos do Profeta Muhammad.

Os britânicos reconheceram oficialmente Ibn Saud como o novo Rei de Hijaz em Fevereiro de 1926 junto com outras potências europeias. O novo Estado wahhabista unificado foi renomeado pelo Império em 1932 como o “Reino da Arábia Saudita” (Ibn Saud queria chama-lo Sauúdiya, mas os ingleses não deixaram).

Ao nível da propaganda, do ponto de vista dos Britânicos a acção wahhabista foi um sucesso por várias razões.

Primeiro, eles retrataram e argumentaram que a invasão de Hijaz por parte de Ibn Saud tinha sido motivada pelo fanatismo religioso e não por considerações geopolíticas do imperialismo britânico. Em segundo lugar, os britânicos retrataram os fanáticos wahhabistas de Ibn Saud como uma força benigna e incompreendida, que só queria levar o Islão de volta à sua forma mais pura (e ainda hoje os wahhabistas são os “rebeldes moderados” na cena do Médio Oriente). Em terceiro lugar, os historiadores britânicos retrataram Ibn Saud como uma força independente e não como um instrumento britânico: o recente estudo do professor Eugene Rogan sobre a história dos árabes afirma que Ibn Saud não teve interesse na luta contra o Império Otomano (o que é falso, pois Ibn Saud tinha entrado em guerra em 1915 contra os turcos) e que só estava interessado em promover “os seus próprios objetivos”.

O acordo Sykes-Picot de 1916

Muitos Países no mundo de hoje foram criados pelo Império britânico, mas o que torna distinto o caso da Arábia Saudita é o facto desta ter sido criada no âmbito do projecto sionista, ao ponto que as suas fronteiras no norte e no nordeste são o produto do Império para facilitar a criação de israel. A destruição de dois Reinos, os emirados árabes de Hail e Hijaz, foram provocados directamente para a implementação do projecto sionista no Médio Oriente. E foi sempre o projecto sionista que “promoveu” a casa de Saud à liderança da recém nascida Arábia Saudita.

Portanto, é muito claro como foi a gestão que o Império britânico fez a impor o sionismo na Palestina, algo que está inserido no DNA geográfico da Arábia Saudita contemporânea. E não deixa de ser irónico o facto de que os dois locais mais sagrados do Islão são agora governados pelo clã saudita e pelos ensinamentos wahhabistas só porque Londres decidiu criar um Estado hebraico.

Ao mesmo tempo, não é surpreendente que tanto israel como a Arábia Saudita estejam interessados ​​na intervenção militar ao lado dos “rebeldes moderados”, ou seja, dos jihadistas, na actual guerra na Síria: sionismo e wahhabismo têm objectivos comuns, apoiados pelos Estados Unidos, os sucessores dos britânicos na defesa dos interesses ocidentais no Médio Oriente.

Em abertura do artigo tinha sido apresentada uma pergunta: por qual razão a Arábia Saudita não apoia e ajuda de forma concreta a resistência palestiniana na luta contra israel? Os factos históricos, sobretudo aqueles apresentados nesta segunda parte e que podem ser verificados de forma simples e imediata, fornecem a resposta: israel e Arábia Saudita, longe de ser antagonistas, são na verdade as duas faces da mesma moeda.

Sionismo e wahhabismo são as degenerações religiosas e ideológicas que estão na base dum único projecto, que atirou o Médio Oriente para um caos que não parece ter fim. Baseados nos mesmos princípios, é inevitável que israel e Arábia Saudita desenvolvam no futuro uma aliança ainda mais estreita.

Ipse dixit.

Relacionado: O relacionamento entre sionismo e Arábia Saudita – Parte I

Fontes: ABNA24: Nu’man Abd al-Wahid – Cómo el Sionismo Ayudó a Crear el Reino de Arabia Saudita, Osservatorio Internazionale per i Diritti: Storia del wahhabismo. Da dove viene lo Stato Islamico?

12 Replies to “O relacionamento entre sionismo e Arábia Saudita – Parte II”

  1. Ou seja… os Ingleses so estão bem a fazer mal e a semear a atritos.

    Na Irlanda foi o que foi.
    Na America do Norte enquanto nao exterminaram os nativos nao descansaram.
    Na Australia enquanto nao exterminaram os nativos nao descansaram.
    Na China armaram la o esquema de torna-los dependentes de drogas e quando houve a tentativa de terminar isso responderam com 2 guerras.
    Estiveram na parte do globo que hoje é o Paquistao, India e Bangladesh e sao as tensoes e atritos que se veem.
    Estiveram pelas Arabias e sao as tensoes e atritos que se veem.
    Entraram para a Uniao Europeia mais para atrapalhar do que para contribuir.
    Conduzem do lado errado da estrada.
    Nao usam as medidas do sistema internacional.
    Escrevem push (soa a puxe) mas nao e para puxar, é para empurrar.
    Desde a uns naos andam a arranjar confusao com a Argentina.
    Porra. Ha alguem que consiga mandar aquela ilha ao fundo ? Agradecido.

    EXP001

  2. Querem entender o processo histórico? Voltem mais! Maomé pertencia a um clã tribal árabe que tinha uma característica única: mesclava ismaelitas e israelitas… o que acham?

    1. O problema não são os judeus, são grandes conglomerados principalmente no setor financeiro e outros anglo/americano/judeu. Que de à muito dominam as finanças globais, incluindo criar guerras, divisão, crashes etc… e lucrar com isso.
      A Goldman e muitas mais quem é o ceo?

      Aliás o mapa acima é para rir, o 2° dividiram a régua e esquadro, como nas Américas, na África e menos no resto da Ásia.

      O mordomo é sempre o culpado, na cabeça vitoriana de Agatha Cristina, os outros safar-se, como hoje.

      cumprimentos
      nuno

    2. "um projecto sionista no Médio Oriente" – Pois ó caro anónimo … A culpa não é dos Judeus, é do mordomo.

    3. Ou melhor, a culpa não é dos Judeus mas dos seus mordomos, Ingleses, Americanos etc…

  3. Olá EXP
    Bem relação às medidas não é bem assim:

    https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Sistema_métrico
    So os US (Myanmar*2015 já é metrico) e a ¿Libéria? ex-escravos dos US

    https://www.quora.com/Why-haven’t-the-United-States-Liberia-and-Myanmar-still-not-converted-to-metric-units

    Estiveram em quase todo o lado, e de muito lado foram corridos, atualmente só as offshore e a city & derivados…aqueles que tentam ou pensam criar confusão, desculpa maioria é boa gente.
    Lá porque alguns velhos idiotas ainda pensam que a Índia ainda é deles, o resto não tem culpa

    nuno

    1. Ola Nuno, boa noite.

      E pa, talvez a maioria seja, mas nao e nada a impressao que tenho.
      volta e meia em jogos de futebol internacionais la andam os hooligans a semear confusao e nao foram poucos os casos fora do pais deles.
      No Algarve é ve-los perdidos de bebados a fazer asneira.
      Houve o caso da menina que desapareceu a uns anos e o reboliço que foi.
      Talvez e refiro-me as pessoas comuns , seja o sistema anti-natural que la teem que os faz estravazar o que teem contido a minima oportunidade em que se sentem mais a vontade
      Se tiveres oportunidade ve este documentario.

      Toda a Verdade – Solteiras e loucas – SIC Noticias

      EXP001

    2. @EXP
      Colegas de trabalho/amigo/as
      Solteiras e loucas ;))
      Desculpa de serviço: era mais novo
      ps: as vezes que lá estive, ainda achei o pessoal mais maluco (fins de semana). Mas como existe pessoal que frequenta o blogue e que moram lá nos UK eles que falem.

      n

  4. O link para o artigo do Benjamin Freedman é de leitura obrigatória (na minha modesta opinião).

    Bandido

    1. É sim, obrigado Bandido.
      Vou meter outra vez:

      http://citadino.blogspot.pt/2015/03/um-judeu-explica-de-forma-clara-de-que.html

      Sem dúvida mas, …com o vídeo legendado Antony Sutton(fins dos anos 70?), a coisa ainda fica mais…"enfim já nem sei que diga"
      *primeira vez que o vejo mencionado em português.

      http://citadino.blogspot.pt/2018/02/quem-financiou-hitler-e-alemanha-nazi.html?m=1

      Alemanha nada de novo e a URSS segundo ele, mas com financiamentos enormes.
      Não sei até que ponto será tudo veridico ou não (tudo aquilo), em relação a Alemanha(sim, está documentado) e parte da URSS(hoje em dia grande parte já se sabe foi mesmo assim).

      Divergi do artigo de B. Freedman, mas existem ligações entre ambos.
      Criar inimigos, dividir ou inventar desculpas para vender guerras ou áreas de controlo (esferas de controlo), e obter lucro e poder, sempre o mesmo.

      O mais interessante do ponto de vista de Sutton é a criação do oposto dos EUA artificialmente na URSS, para não fazerem concorrência.
      Até podia ser, mas isso é ingenuidade, faziam o papel com crises pelo meio (algumas bem perigosas), mas algo não encaixa, parece que estavam destinados a concorrer, mas tanto uns como outros, evitavam-se. Parece que respondiam a algo por cima (um árbitro?).
      Tanto um como outro parece um jogo de aparências em que nada é o que parece.

      nuno

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