Democracia: o sistema de Schumpeter

O que é a Democracia moderna?

A definição dum dicionário online (Dicio):

Governo em que o povo exerce a soberania.

Outro (Priberam):

Governo em que o povo exerce a soberania, directa ou indirectamente.

Vamos ouvir também o antigo Presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln:

Um governo do povo, a partir do povo e pelo povo.

Sim, tudo muito útil, mas procuram algo um pouco mais completo. O constitucionalista Gustavo Zagrebelsky, por exemplo:

A democracia é o contínuo trabalho de destruição das oligarquias que governam o País, com a precisa consciência de que a uma oligarquia destruída seguirá imediatamente a formação de outra, composta por aqueles que destruíram a primeira.

Excelente definição, muito mais próxima da realidade. Mas Zagrebelsky é um jurista: o que pensa um economista, alguém que trata dum sector que demasiadas vezes tem uma influência determinante na condução das políticas nas modernas democracias? Falamos de Joseph Schumpeter.

O sistema

Joseph Alois Schumpeter (1883 – 1950) foi um economista e cientista político austríaco.

É considerado um dos mais importantes da primeira metade do século XX, e foi um dos primeiros a considerar as inovações tecnológicas como motor do desenvolvimento capitalista. Marcou profundamente a história da reflexão política com a sua teoria democrática, a qual redefiniu o sentido de democracia. As ideias dele acerca do assunto passaram a ser a base das diversas concepções posteriores.

É um mito puro a doutrina clássica da democracia, segundo a qual o método democrático é o conjunto de medidas institucionais para chegar a decisões políticas, que realizam o bem comum permitindo que os cidadãos decidam através da eleição de indivíduos que se juntam para expressar sua vontade.

Schumpeter, portanto, pega na história do “povo que exerce a soberania” e atira tudo para o lixo. É uma visão muito realista: aqui não estamos numa polis (cidade-Estado) da Antiga Grécia, o berço da Democracia no sentido clássico; os séculos passaram e a Democracia evoluiu para algo diferente.

A democracia não significa, nem pode significar, que as pessoas realmente governam em qualquer um dos sentidos normais dos termos “pessoas” e “governo”. Democracia apenas significa que as pessoas têm a oportunidade de aceitar ou rejeitar os homens que terão que governá-las.

A democracia é, portanto, um “método político”, ou seja, um dispositivo institucional para chegar a decisões políticas, para atribuir a certos indivíduos o poder de decidir sobre todos os problemas. Um poder que deriva do facto de ter obtido o voto do povo, que gosta de delegar.

Aparentemente, a ideia de “sistema político” não está em conflito com o conceito de Democracia. Aliás, a Democracia é um sistema político. Mas há aqui uma diferença: segundo Schumpeter, na moderna Democracia não se parte das decisões dos cidadãos para influenciar o sistema. É exactamente o contrário: é o sistema que limita as decisões dos cidadãos. De acordo com o economista, ao povo compete votar para depois desaparecer, para que o poder assim eleito possa desenvolver o seu papel. Estamos bem longe das ideias de participação e de representação que constituíram o conceito fundamental da teoria democrática.

Na realidade, o povo não levanta nem decide qualquer problema, mas os problemas dos quais dependem o destino do povo normalmente são levantados e decididos por conta ele. Os eleitores não só não definem as questões fundamentais das políticas, mas também a escolha dos candidatos é limitada pelo número de pessoas que lhes são propostas pelos partidos.

Estes, mesmo que diferem em alguns detalhes, têm plataformas semelhantes, porque são máquinas para ganhar as eleições, e foi necessário construir essas máquinas porque os cidadãos comuns não conseguem coordenar as suas actividades políticas.

Portanto, o povo é um sujeito incapaz de qualquer actividade política que ultrapasse o simples ato eleitoral. Nas palavras de Schumpeter é evidente como a formação duma elite política seja algo absolutamente necessário para garantir o correcto funcionamento duma qualquer governação. E não é apenas um conceito implícito:

Partidos e políticos são simplesmente a resposta à incapacidade da massa eleitoral de agir por sua própria iniciativa e representam a tentativa de regular a concorrência política que é exactamente semelhante às práticas das associações entre comerciantes ou industriais que visam regular a concorrência económica. A psicotécnica da direcção do partido e a publicidade partidária, os slogans e as marchas, não são elementos acessórios, mas são essenciais na vida política.

Então, o que é Democracia? Segundo Schumpeter é, em primeiro lugar, um método. Um procedimento através o qual os cidadãos podem escolher, com base na oferta apresentada, os governos a cada 4 ou 5 anos. A cada eleição, se satisfeitos com o trabalho dos representantes, continuarão a votar neles, caso contrário poderão mudar e votar em favor de outros. Mas tudo sempre no âmbito duma oferta limitada e num clima pesadamente influenciado pela propaganda das máquinas partidárias.

Reabilitando Schumpeter

Mais duas linhas para reabilitar a figura do pobre Schumepter, porque admitimos: apresentado desta
forma não parece particularmente simpático, não é?

No entanto o estudioso austríaco deve ser visto mais como um “fotografo”, isso é, alguém que conseguiu capturar uma imagem fiel daquela que é a realidade, porque a moderna Democracia é exactamente como descrita por ele.

Aliás, Schumpeter teve uma interessante intuição em campo económico: segundo ele, o Capitalismo é destinado a morrer e será precisamente o seu sucesso que tornará inevitável o seu declínio. Com o seu típico processo de “destruição criativa” (fases de transformação sob o impulso das inovações), a economia burguesa substituirá os velhos métodos de produção e pensamento, promovendo o desenvolvimento; mas assim também destruirá os valores típicos do antigo regime, um importante suporte para a estabilidade.

Acima de tudo, enquanto na grande empresa capitalista o papel do empreendedor é criativo e direccionado à inovação, no futuro será cada vez mais substituído pela mentalidade burocrática e pela imobilidade dos gerentes.

O fim? Segundo Schumpeter uma forma de Socialismo, não fruto duma revolução violenta, como profetizado pelos marxistas, mas com um processo gradual: um Socialismo compatível com a Democracia, no qual haverá a concorrência corporativista mas regulada pelo Estado.

Perda dos valores, queda do Capitalismo, corporações… afinal não era tão obtuso este Schumpeter, não é?

 

Ipse dixit.

3 Replies to “Democracia: o sistema de Schumpeter”

  1. O principal aqui, não é a projeção do que será do capitalismo, mas sua percepção de uma das engrenagens do sistema mundo.

  2. Ainda bem que existe Schumpeters neste mundo para dizer o que é a democracia real.
    Quanto ao futuro, me parece que ele sonhou bonito…mas estamos no planeta terra onde o bicho homem é feroz…

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