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Nudge: manual para Arquitectos da sociedade

“O Empurrãozinho” (Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth, and Happiness) é o título dum livro publicado há alguns anos (2008) e que tem dois autores distintos (embora desconhecidos para o grande público de língua portuguesa): Cass Sunstein e Richard Thaler.

O primeiro dos dois, de origem hebraica, foi um dos principais “conselheiros” de Barack Obama, escolhido para manipular a opinião pública americana e mundial. Nisso, Sustein é um verdadeiro artista, um especialista em truques da informação como distorcer a verdade, misturá-la com o falso, criar histórias destinadas a distrair o público ou levantar problemas inexistentes ou secundários.

Resumindo: o conselheiro ideal para qualquer líder político.

Richard Thaler, o segundo autor do livro, é também de origem hebraica mas opera em outra área: foi nada menos que o vencedor do Prémio Nobel de Economia de 2017.

Qual a finalidade do livro? Os autores querem explicar aos líderes políticos como “conseguir que as pessoas façam a coisa certa”. Mas “certa” para quem?. Ora bem: não para as pessoas. E o truque é elementar: torna-la simples.

Cass Sunstein (esq.) e Richard Thaler (dir.).

O problema não é novo: Edward Louis Bernays, sobrinho de Sigmund Freud, escreveu o livro Propaganda, que foi o primeiro manual de manipulação da era moderna, há precisamente 90 anos. Mas Nudge não é supérfluo: porque o assunto tem uma série de interessantes implicações.

Na verdade, o que acontece quando o desejo for que as pessoas façam a coisa “errada”? Como afirmado: a resposta é “torna-la simples”, isso é, fazer que a escolha errada seja a mais simples. Mas é uma solução incompleta. A segunda parte deve ser: “tornar difícil a coisa certa”.

Como conseguir isso? Fica explicado com o termo sludge, palavra que não é simples traduzir. Literalmente significa “lodo” e aqui indica o uso de uma linguagem deliberadamente confusa ou de procedimentos que encorajam o ouvinte a não fazer uma determinada coisa por medo de cometer um erro ou por uma confusão/complicação induzida. Um bom exemplo de sludge é forçar o eleitor a enfrentar demorados procedimentos burocráticos para votar.

Outro sistema pode ser fazer filtrar através dos media notícias falsas de eventos que nunca aconteceram, como a morte duma pessoa; ou forçando uma pessoa, ou um grupo social, a responder a acusações estranhas, não claramente formuladas. Exemplo: acusar os idosos de existir, pois com as reformas e os custos da saúde tornam o orçamento do Estado mais pesado; ou, se ainda estão em condições de trabalhar, deixar entender que isso retira empregos aos jovens. São acusações absurdas, que não podem ter uma resposta: mas deixa-las filtrar, acompanhadas por um raciocínio aparentemente lógico, cria um determinado efeito.

Efeito que pode ser obtido também ao envolver nomes importantes da política, do entretenimento, do desporto num debate para ampliar e expandir um assunto que, caso contrário, ficaria em segundo plano. O resultado é um dilúvio artificial de palavras e confrontos que, literalmente, enchem a comunicação social por semanas ou até meses. Este processo é chamado de “distração activa da massa”.

Há um terceiro sistema, que no jargão já ganhou o apelido de “exército de 50 cêntimos” (ou “exército dos trocos” ou ainda “armada de nada”): consiste em preencher as redes sociais com discussões sem sentido, ou mudar de assunto em ocasião de cada publicação, inventadar “fofocas”, insultar uma pessoa gratuitamente ou de coisas sem importância.

Este truque, como os outros listados no livro, é usado sobretudo em momentos politicamente e socialmente mais tensos. Desta forma, uma parte mais ou menos grande dos potenciais interessados é neutralizada. É algo que quem frequenta internet conhece bem: a inutilidade da informação alternativa é mantida também com este sistema.

Pensamentos automático e reflexivo

Todas estas técnicas (tal como outras) estão baseadas na análise do comportamento dos homens e, em particular, nos nossos dois sistemas de pensamento: o Pensamento Automático e o Pensamento Reflexivo.

O Pensamento Automático é rápido e instintivo, e não envolve a reflexão. O Pensamento Reflexivo, pelo contrário, envolve um pensamento crítico, uma análise da situação.

Um exemplo prático: quando a nossa mão fica acidentalmente em contacto com uma chama, não costumamos pensar “Será que isso vai doer? Este cheiro a queimado pode ser um mau sinal? Tirar a mão da chama poderia acarretar benefícios no curto e médio prazo?”. Pelo menos a maioria das pessoas não faz isso: limita-se a retirar a mão o mais depressa possível, “sem pensar” no assunto. Este é o Pensamento Automático.

Vice-versa, pôr voluntariamente a mão por cima da chama requer um Pensamento Reflexivo, pois a pessoa avalia a situação e só depois toma uma decisão: “Pôr a mão na chama poderia acarretar benefícios ou seria só sinal da minha estupidez? Por enquanto não vou pôr, amanhã voltarei a pensar no assunto, talvez depois do almoço”. Este é um Pensamento Reflexivo, no qual a decisão é fruto duma análise.

Portanto, o Pensamento Automático é instintivo e inconsciente, enquanto aquele Reflexivo é intencional e consciente.

As falhas

Ambos os sistemas de pensamento podem ter falhas, mas sobretudo o Pensamento Reflexivo: e é aqui
que entram em cena indivíduos como os dois autores de Nudge, porque são estas falhas que podem ser explorados para prever e condicionar as escolhas. Estas falhas são: Ancoragem, Heurística da Disponibilidade, Heurística da Representatividade, Status Quo Bias e Mentalidade do Rebanho.

Ancoragem: ocorre quando uma pessoa baseia-se em demasia numa determinada informação. Um exemplo: perguntamos a um habitante de Londres “Qual a população de Lisboa?”. Sabendo que Lisboa é uma cidade grande, mas certamente não tão grande quanto Londres, a pessoa poderia pegar na população de Londres (cerca de 9 milhões) e dividi-la, por exemplo, vezes 9 (até um milhão). Da mesma forma, um habitante de Lisboa poderia imaginar Londres como muito maior e multiplicar os habitantes da sua cidade 10 vezes para perfazer um número suficientemente elevado (na verdade não sei quantos habitantes tem Lisboa, deveria abrir Wikipedia e procurar, o que não me apetece. A resposta “alguns” parece-me suficiente).

Heurística da disponibilidade: ocorre quando as pessoas fazem previsões sobre a frequência de um evento com base num exemplo facilmente lembrado. Como exemplo, tentem responder à seguinte pergunta: há mais homicídios ou suicídios? A maioria das pessoas responderá “há mais homicídios”, porque estes costumam ser amplamente relatados pela comunicação social, portanto é mais provável lembrar-se deles. A heurística da disponibilidade pode ter efeitos negativos nos negócios e na política, já que as pessoas tendem a sobrestimar determinados riscos.

Heurística da representatividade: ocorre quando as pessoas julgam a probabilidade de uma hipótese, considerando quanto a hipótese for parecida com exemplos já disponíveis. Assumir que um menino alto fique bem numa equipa de basquetebol faz sentido? Na verdade, o menino até pode nem gostar do desporto.

Status Quo Bias: indica a preferência dos seres humanos pelo estado atual das coisas, pois quaisquer mudanças são percebidas como perdas.

Mentalidade do rebanho: as pessoas são fortemente influenciadas pelas acções dos outros. E aqui nem é preciso um exemplo.

O Paternalismo Libertário

Uma das chaves do livro Nudge é sem dúvida o assunto definido como Paternalismo Libertário, e aqui voltamos ao princípio do discurso. O Paternalismo Libertário é a união de dois conceitos políticos normalmente considerados como opostos: o liberalismo e o paternalismo.

Sunstein e Thaler afirmam:

O aspecto libertário das nossas estratégias é simplesmente insistir em que as pessoas devem ser livres para fazer o que querem e escolher acordos indesejados se isso for o que desejam.

O que, dito assim, até parece bonito. Mas falta o Paternalismo:

É legítimo que os arquitetos das escolhas tentem influenciar o comportamento das pessoas, para tornar as suas vidas mais longas, saudáveis ​​e melhores.

Pois. Mas isso reduz fortemente a liberdade tão glorificada na frase anterior.
A arquitetura das escolhas descreve a forma como as decisões são influenciadas pela apresentação das opções. É ao estabelecer a arquitetura das escolhas que as pessoas podem ser estimuladas “sem perder a liberdade de escolha” (afirmam os autores).

Um exemplo: colocar alimentos saudáveis numa cantina escolar ao nível dos olhos, colocando a comida menos saudável em áreas que são mais difíceis de alcançar. Aparentemente, os indivíduos não perdem a liberdade, mas a disposição dos alimentos tem o efeito de diminuir o consumo de comida menos saudável.

A finalidade dos “Arquitectos”

E aqui temos uma pergunta fundamental: pode ser considerada como “livre” uma escolha na qual
determinadas opções são apresentadas de forma “melhor”? Não, evidentemente esta não é uma “livre escolha”: pelo contrário, é uma escolha fortemente condicionada. Não acaso, a técnica aqui descrita é a mesma utilizada nos supermercados para “empurrar” a venda de determinados produtos em detrimento de outros.

Não é nada “legítimo” que “os arquitectos tentem influenciar o comportamento das pessoas” e as motivações apresentadas (“para tornar as suas vidas mais longas, saudáveis ​​e melhores”) não podem ser suficientes. Ou uma escolha é totalmente livre ou é um condicionamento, não pode haver escolhas “um pouco livres”. Como hipótese extrema: e se a maioria das pessoas quisesse uma alimentação não saudável? Quem poderia impedi-lo e com base em qual direito? Um “arquitecto” (isso é, um político, um responsável nacional) tem como mandado a representatividade da vontade popular, nunca a “correção” dos pensamentos dos cidadãos. O “arquitecto” tem o dever de apresentar as escolhas, de forma imparcial: mas a decisão final tem que caber ao cidadão, seja ela qual for. Esta é a base da Democracia. 

É aqui que Nudge se torna um manual de propaganda: é “normal” que os “arquitectos” operem segundo objectivos não explícitos, é “normal” que os cidadãos sejam “empurrados” para determinadas escolhas em detrimento de outras, tudo em nome dum hipotético interesse superior (estabelecido pelos mesmos “arquitectos”). Então torna-se justificada a utilização dos truques (o sludge, etc.) para condicionar a escolha dos eleitores. Afinal, estes não passam de animais com um comportamento previsível, basicamente incapazes de fazer as escolhas acertadas.

Portanto, tudo depende das reais intenções dos “arquitectos”. Estes operam em prol dos cidadãos ou perseguem uma outra finalidade? Cass Sunstein e Richard Thaler bem conhecem a verdadeira resposta. E nós também.

Nota:

Ipse dixit.

Fonte (além do livro): Wikipédia versão italiana