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Processo Lula: as reacções na Europa do Sul

Diz Sergio:

Max e demais comentaristas: desculpem-me por fugir do tema, mas será que
vc, Max, poderia nos dar informações de como foi a repercussão da
condenação do ex-presidente Lula , aí na Europa. Sabemos o que a midia
brasileira escreveu sobre a repercussão no exterior, agora a verdade,
está mais do seu alcance do que do nosso.

Claro que sim. O problema é que não há muito.
Comecei a procurar não notícias mas opiniões, comentários, debates etc. acerca do caso Lula. E encontrei pouco.

A maioria dos diários portugueses, espanhóis ou italianos relata a notícia da condenação de forma acrítica, limitando-se aos factos. Mais é possível encontrar em blogues ou sites, todavia as opiniões dependem da cor partidária de quem escreve: o blog de Il Manifesto, diário comunista italiano, fala de Lula como duma espécie de santo e mártir (“O apelo-farsa provoca problemas no Brasil que conta com Lula” é o título: o resto do artigo é pago), mas isso é exactamente o que um leitor de Il Manifesto quer ler. Na prática, são as mesmas coisas que podem ser lidas no Brasil, sem novidade nenhuma.

No diário português Público (um dos mais lidos do País) eis que aparece uma opinião de Manuel Carvalho, professor de economia:

Lula dificilmente não saberia que o seu partido e o seu Governo estavam embrulhados numa tenebrosa operação de corrupção. O caso do Mensalão tinha provado que o PT, eleito com base na promessa de uma revolução ética, se tinha contaminado com o ar espúrio de um sistema eleitoral e de uma elite política habituada aos subornos e à troca de votos por dinheiro público.

Para quem o viu como o poder regenerador de um regime e de um país minados pela gula oligárquica e pela cleptocracia dos poderosos, Lula foi uma terrível desilusão. Mas daqui a uma acusação e a uma condenação judicial vai ainda uma longa distância.

Este trecho é sintomático da superficialidade com que o assunto é tratado: parece que Lula foi arrastado até o Tribunal por culpa dalguns corruptos no PT, nem uma palavra acerca do apartamento em Guarujá, o que está na base da condenação.

Pérola final: Lula não pode ser condenado, porque foram os juízes que “ajudaram a destruir a dignidade da democracia brasileira”. Ehhhhhh não, não acho que foram os juízes: suspeito que foram os corruptos.

No Diário de Notícias eis o comentário de Leonídio Paulo Ferreira (não perguntem quem é), cujo título é “Lula ou nada?”:

O cenário para o grande país lusófono surge assim complicado, e sempre condicionado pelo destino de Lula, que divide os brasileiros ao meio, uns a quererem-no atrás das grades, outros de novo sentado na presidência. E o seu Partido dos Trabalhadores, que está na berlinda por se ter tornado, com a passagem da oposição ao poder, um partido com os mesmos defeitos dos outros, arrisca em insistir em Lula a todo o preço, mesmo sabendo que este pode ser preso e ver a elegibilidade suspensa. É que nesse caso compensar a derrota judicial com uma vitória eleitoral seria difícil, ainda que designar um candidato alternativo seja possível até setembro.

Sempre no mesmo diário, outra opinião, desta vez de Ferreira Fernandes (título: “À boleia de Lula“):

Lula foi condenado a prisão e Temer está
no palácio presidencial… Isto é, pelo menos, meio estranho. Mas eu
tenho, talvez, uma solução. Já lá vou.
Lula
da Silva veio em camião de pobre, em pau-de-arara de Guaranhuns, no
Nordeste, à metrópole São Paulo, para fábrica. Cresceu sem unhas
tratadas e, torneiro mecânico, perdeu o dedo mindinho numa prensa, em
trabalho de madrugada, três da manhã e só com médico a tratá-lo às sete.
Num país de grã-finas, não era o género de genro desejado. Também no
Brasil há preconceito social forte, ser operário e fazer-se eleger
presidente é estar a pedi-las. Mas eu tenho, quiçá, uma solução. Já lá
vou. […]
Porém, eu tenho uma solução, talvez não suficiente para o
livrar da prisão mas que o livraria moralmente deste desfecho infeliz:
não roubar. Tivesse isso, não roubar, acontecido, a esquerda, aquilo que
Lula disse defender toda a vida, mesmo com esta derrota teria saído de
cabeça erguida. E não sai. Resta-lhe como consolação o facto de Temer,
esse, estar no palácio presidencial. Diz muito da direita brasileira,
mas para a esquerda é só consolação.

Vamos concluir o desfile dos diários portugueses (os que mais espaço deram ao caso Lula) com o diário “i”, nas páginas do qual escreve o Director, Vítor Rainho (“Como é possível acreditar na inocência de Lula?“):

[…] O mais extraordinário desta história é que Lula foi condenado duas
vezes e, mesmo assim, não falta quem acredite na sua inocência. Sendo um
país onde a corrupção é tanta como a beleza do Rio de Janeiro, é certo
que muitos daqueles que estão agora no poder também cometeram,
supostamente, atos que deveriam levá-los à prisão. Mas essa é outra
história que os tribunais estão a resolver e aguarda-se pela implicação
ou não do atual presidente, Michel Temer. São muitas as suspeitas, mas
ainda não foi levado à barra dos tribunais.

Lula da Silva, ironicamente, acaba por ser condenado por um dos
crimes, supostamente, menos graves. […] Certo é que a condenação de Lula deixa o país a ferro e fogo e os
seus admiradores não querem imaginar que o homem que prometeu tirar o
país da miséria possa ter sido corrompido.

Também neste caso: comentário superficial. Apesar de eu concordar acerca da culpa de Lula, a equação “muitos no poder são corruptos então Lula é corrupto” é realmente básica e em nada tenta aprofundar a questão que, pelo contrário, é bem mais grave.
Em Espanha, amplo mas simples artigo de El Mundo, que frisa a polarização da sociedade brasileira. O mesmo se passa com o curto artigo de ABC, que realça como o caso do apartamento de Guarujá seja apenas um dos vários problemas judiciais que Lula enfrenta.
Telegráficos os diários da Suíça Il Giornale del Popolo e Il Corriere del Ticino. Mais extenso o artigo da Tribune de Genéve que fala em “grave revés sofrido por Lula no tribunal num julgamento que manteve o Brasil em suspenso e que dividiu o país”:

Um
tribunal de apelação do sul em Porto Alegre confirmou na quarta-feira
que era culpado de suborno passivo e lavagem de dinheiro por aceitar um
triplex de uma empresa de construção civil. […] Lula continua
ultra-favorito nas eleições presidenciais de outubro e um terço dos
brasileiros estará pronto para votar quem reivindica a sua inocência e
afirma ser vítima de um “pacto diabólico” destinado a bloquear o caminho
para um terceiro mandato.

Mas Lula está sob ameaça de outros
seis procedimentos, na maioria das vezes por corrupção. Na verdade, o
juiz de Brasília que ordenou que ele fosse privado do seu passaporte não
é competente no caso do triplex do apelo de quarta-feira.

A
agência oficial Agencia Brasil disse que este juiz estava a agiro à luz
de outro procedimento, as acusações de influência e de lavagem de
dinheiro contra Lula sobre a compra pelo exército brasileiro de
aviões-caça Gripen aos seucos da Saab. Lula é acusado de ter recebido
subornos pelo acordo de 5 bilhões de Dólares que foi assinado sob a
presidência de Dilma Rousseff.

Um salto até Italia. Il Corriere della Sera limita-se a relatar a notícia, sem mais. Mas há uma breve análise acerca de toda a América do Sul: Antes repúblicas de bananas, hoje reinos do justicialismo:

Os juízes brasileiros que condenaram Lula declararam frequentemente que foi a nossas Mãos Limpas dos anos 90 a inspirara-los. Com o julgamento do ex-presidente e a dura sentença de 11 anos, a operação viu a sua apoteose. Comparável, se quisermos, ao maxi-julgamento Enimont de 1993 que colocou uma lápide na nossa Primeira República. No Brasil, o sistema antigo ainda está em vida, enquanto a urgência parece outra: fazer condenações, abrir as portas da prisão para os poderosos, como resposta ao desejo de justiça da opinião pública. O mesmo em outros países do continente: as prisões estão lotadas de personagens que há dez anos as crónicas contavam de uma maneira bem diferente. E muitos estão à espera de entrar.

Segue uma lista dos casos mais mediáticos: Antonio Palocci, José Dirceu, o ex-governador de Rio Sergio Cabral, o ex-Presidente da Câmara Eduardo Cunha. No Peru os quatro ex-Presidentes. O caso Odebrecht na Colômbia. As investigações na Argentina acerca do Sistema K, isso é, o casal Kirchner.

Nada mais que a simples notícia no principal diário de Esquerda em Italia, La Repubblica. Isso é espantoso, pois estava à espera de encontrar a imagem de Lula crucificado ou algo assim. Será para os próximos dias.

Muito bom um artigo de Il Foglio (diário anómalo mas de bom sucesso, que minimiza a crónica para aprofundar as notícias): O que acontece agora no Brasil, onde avança a nova Tangentopoli. O artigo explica o que se passa agora que a pena foi aumentada, quais as perspectivas. Nada que não possa ser encontrado em qualquer bom diário do Brasil.
O que pode ser retido nos poucos artigos italiano é o facto do processo contra Lula ser assimilado à operação Mani Pulite (“Mãos Limpas” ou “Tangentopoli”), ao qual, de facto, os juízes brasileiros afirmam inspirar-se. Isso é bastante significativo, pois Mani Pulite foi algo complexo que, nas intenções, queria limpar da corrupção a classe política italiana, sem distinções partidárias. Mani Pulite não foi só isso, foi algo bem mais complexo e não tão inocente: mas, no imaginário colectivo, ainda hoje representa isso.
Diria que a sensação predominante seja esta: enquanto no Brasil o processo contra Lula é vivido como um ataque da Direita ao PT, na tentativa de afastar o ex-Presidente da corrida presidencial, na Europa do Sul os diários apresentam uma operação da magistratura contra a corrupção no geral. E é mesmo esta a minha pessoal opinião. Se estiver correcto, os Brasileiros perdidos no meio da luta “PT contra o resto do mundo” estão a correr um risco: aquilo de assistir à queda do sistema que vingou até hoje sem reflectir naquilo que pode acontecer depois. É um perigo pela simples razão de que alguém estará já a pensar nisso e a preparar a realidade que virá também. A luta “PT contra o resto do mundo” é sem dúvida fascinante, tem o condão de entreter toda a Nação brasileira, encher as páginas dos jornais: mas há vida além de Lula, Dilma e da Direita.
Isso é aquilo que encontrei nos principais diários da Europa do Sul até hoje. Obviamente, qualquer contribuições dos Leitores será mais que bem vinda. Único pedido: evitem postar ligações para blog de opinião, pois devem ser milhares e, como já referido, demasiadas vezes o comentário é determinado pela cor partidária e não pelos factos.
Obrigado!
Ipse dixit.
Fontes: no texto.