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Thomas Sankara, 30 anos depois

“O imperialismo é um sistema de exploração

que ocorre não apenas na forma brutal
por parte de quem vem conquistar o território com armas.
O imperialismo geralmente ocorre de maneiras mais subtis.
Um empréstimo, ajuda alimentar, chantagem.
Estamos a lutar contra este sistema que permite
que um punhado de homens governem toda a espécie”
Thomas Sankara

Era a tarde de 15 de Outubro de 1987, quando Thomas Sankara, durante quatro anos ao comando da antiga colónia francesa Alto Volta (que renomeou Burkina Faso, “casa dos homens de valor”), foi assassinado.

Quem era Thomas Sankara? Quem foram os assassinos?
O desejo de esclarecer o assassinato de Sankara ainda é forte e enraizado, especialmente entre os jovens africanos, portanto é útil traçar a vida do ex-Presidente.

Nascido em 1949, era filho de Marguerite e Sambo Joseph Sankara (um soldado que tinha servido o exército francês durante a Segunda Guerra Mundial), ambos cristãos. Depois dos estudos, embarca numa carreira militar e, em 1976, é designado para o centro de Po, onde começa o seu caminho político. Além de formar forças armadas, na verdade Sankara também se preocupa em dar aos soldados uma cultura cívica, usando-os, por exemplo, em serviços públicos, como cavar poços e lidar com reflorestamento. Amado pelos seus homens, a popularidade do oficial com a boina vermelha começa a espalhar-se entre a população.

Após o golpe de 1980 e 1982, Sankara torna-se Primeiro-Ministro no governo de Ouédrago, que pouco depois, diante da sua crescente reputação, o faz prender. No entanto, obtém o efeito oposto ao esperado: a população decide rebelar-se e, em 1983, Thomas Sankara torna-se Presidente.

O País que herda é sufocado por uma situação económica desastrosa. A resposta do novo chefe de Estado, que pretende demonstrar que até o País mais pobre da África consegue vingar sem a ajuda internacional, é decidida: uma série de reformas radicais entram em vigor, incluindo a implementação do Conselho Nacional da Revolução e dos Comitês de Defesa da Revolução (que têm a tarefa de ampliar o poder de decisão entre grandes sectores da população), uma reforma agrária que resulta em um aumento notável da produção de cereais e algodão, uma reorganização da indústria visando a produção das necessidades básicas e a redução das despesas desnecessárias.

Isso para não mencionar o trabalho pedagógico para sensibilizar os cidadãos sobre questões ambientais, o reflorestamento generalizado com função anti-desertificação, a batalha pela alfabetização, a campanha de vacinação para as crianças (que reduziu a taxa de mortalidade) e o compromisso a favor dos direitos das mulheres, algumas das quais também são chamadas a fazer parte do poder executivo.

Em quatro anos, a presidência de Sankara consegue:

Não é fácil definir com exactidão qual a verdadeira orientação política de Sankara, um cristão que
liderou um País muçulmano e animista.

De Esquerda, sem dúvida, mas longe da ortodoxia de Moscovo (da qual se afastou). Talvez a melhor comparação pode ser feita com Che Guevara: um revolucionário pouco propenso à política, mais perto da acção, perto do povo. Sem dúvida, uma pessoa que perseguiu uma utopia (a socialista) e que, como Che Guevara, pagou com a vida a sua escolha.

Não um santo, de certeza: Sankara proibiu os sindicatos, os partidos políticos anteriores, eliminou “parasitas” e “contrarevolucionários”, sofrendo portanto dos típicos tiques dos revolucionários de Esquerda. E isso não é simpático. Mas deu o exemplo, escolhendo o mesmo ordenado dum trabalhador comum, vendendo as Mercedes e conduzindo um carro utilitário, cortando todas as despesas supérfluas da política, lutando sempre de forma decidida contra a corrupção, investindo em prol de todo o País e, sobretudo, sem vender sonhos (apesar de ser ele mesmo um utopista) mas sim vontade de mudar.  

Quanto à política externa, Sankara não tem excelentes relações nem com a União Soviética nem com os Estados Unidos. E nem mesmo com a França, da qual o Burkina Faso era uma colónia.

Para o Presidente, no entanto, o principal inimigo da África é a dívida pública. No seu último discurso, na Assembleia da Organização para a Unidade Africana, e que muitos consideram o motivo da sua morte, Sankara convidou todos os Estados do continente a recusarem o pagamento da dívida “para evitar que sejam assassinados individualmente. Se o Burkina Faso o fazer sozinho, não irei estar presente na próxima conferência”.
Ainda:

Esses financiadores foram-nos recomendados. Eles apresentaram dossier e operações financeiras atractivas. Nós ficámos com uma dívida por 50, 60 anos e mais. Ou seja, fomos levados a comprometer o nosso povo para os próximos 50 anos e mais. A dívida, na sua forma actual, controlada e dominada pelo imperialismo, é uma reconquista da África sabiamente organizada, de modo que o seu crescimento e desenvolvimento obedeçam às regras que nada têm a ver connosco. Para que cada um de nós se torne um escravo financeiro, um escravo total daqueles que tiveram a oportunidade, a inteligência, a astúcia de investir com a obrigação de reembolso.

Blaise Compaore

É claro como um político que fale de tal forma tenha uma esperança de vida bastante limitada. De
facto, apenas dois meses depois Sankara é assassinado.

De acordo com as investigações, o (suposto) responsável da morte é Blaise Compaore, amigo e camarada de armas do Presidente, que ocupa o seu lugar e o mantém durante os sucessivos 27 anos. Anos em que até falar sobre Sankara (cujo assassinato, em 1987, tinha sido arquivado como “morte natural”) foi um tabu.

Mas existe outra versão, segundo a qual o Presidente foi atingido por balas de metralhadora numa emboscada, assassinado por um grupo de
homens armados perto da sede do Conselho Nacional da Revolução, na
capital Ouagadougou. Doze outros oficiais e membros do seu governo teriam sido mortos com ele

Nos últimos anos, no entanto, as coisas mudaram: em 2014, uma revolução da rua (na qual frequentemente houve frases dos discursos de Sankara) pôs fim à ditadura de Compaore (que fugiu para a Costa do Marfim) e começou no País uma fase de transição democrática.

Quanto ao destino de Sankara, um inquérito oficial sobre a sua morte foi acitvado em 2015: o corpo do ex-Presidente foi exumado e a autópsia realizada mostrou que o pai do Burkina Faso tinha sido crivado por balas, o que apoia a hipótese duma emboscada. Com base nas descobertas da investigação, dois mandados de captura foram emitidos por Blaise Compaore e o irmão deste, Francois.

Blaise Compaore e George Bush…

Menos de dois meses depois, o Presidente francês Emmanuel Macron, num discurso diante dos
estudantes da Universidade de Ouagadougou, declarou que tinha tomado a decisão “em resposta às exigências da justiça, de que todos os documentos produzidos pelas administrações francesas durante o regime de Sankara e depois do assassinato, cobertos pelo segredo de Estado, fossem desclassificados”.

Esta passagem poderia ser decisiva para escrever o capítulo final da história do capitão Sankara porque significa comprometer-se a fazer luz não apenas acerca do episódio do assassinato em si, mas também acerca das responsabilidades internas quanto exteriores. Isso é: quem premiu o gatilho, quem apoiou Compaore, quem foram os seus cúmplices internacionais.

“Os inimigos dum povo são aqueles que o mantêm na ignorância”
“O espírito é sufocado, por assim dizer, pela ignorância.
Mas assim que a ignorância é destruída,
o espírito brilha, como o sol sem nuvens”
Thomas Sankara

Obrigado a JF pela sugestão, aqui vai o vídeo legendado em Português:

Ipse dixit.

Fontes: Il Giornale d’Italia, Movimento 5 Stelle, Green Report, La Presse