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Progressistas belicistas

O que podemos ver na América do Norte e na Europa Ocidental? Muitas coisas. Uma delas é a falsa militância social, controlada e financiada pelo poder. Esta manipulação tem um papel importante, pois evita a formação dum verdadeiro movimento de massa contra a guerra e a injustiça social.

O movimento anti-guerra está morto. A guerra imposta à Síria é descrita como “guerra civil”. A guerra no Yemen também é descrita como uma guerra civil. Enquanto a Arábia Saudita continua a bombardear, o papel insidioso dos Estados Unidos é banalizado ou simplesmente ignorado. Dado que os Estados Unidos não estão diretamente envolvidos, não há a necessidade de lançar uma campanha contra aquela guerra.

A guerra e o neoliberalismo já não estão no centro da militância na sociedade civil. Financiado por organizações caritativas corporativas, através de uma rede de organizações não governamentais, o ativismo social está fragmentado. Não existe um movimento anti-globalização e anti-guerra integrado. A crise económica não é percebida como ligada às guerras dos Estados Unidos. A dissidência é compartimentada. Os movimentos de protesto “focados em questões específicas” (por exemplo, ambiente, direitos da mulher, LGBT) são encorajados e generosamente financiados, em detrimento de um movimento de massa homogéneo contra o Capitalismo global.

Os eventos organizados por ONGs e generosamente financiados por fundações de empresas têm o tácito propósito de criar divisões na sociedade ocidental para manter a ordem social e a agenda militar existentes. “Divisões” que têm o resultado de desperdiçar as forças e tornar inúteis os esforços: o protesto não é unívoco, não tem um tema central, mas é fragmentado em centenas de pequenos quanto inócuos “riachos de raiva”.

Síria

Noam Chomsky

O papel dos chamados intelectuais “progressistas” que falam a favor dos militares dos EUA e dos
programas da Nato deve ser realçado. Não há nada de novo em tudo isso, mas vale a pena parar para reflectir.

Segmentos do movimento anti-guerra que se opuseram à invasão do Iraque em 2003 suportam agora tacitamente os ataques aéreos de Obama e de Trump contra o “regime de Assad” na Síria, que alegadamente “massacrou o seu próprio povo”, matando-o com ataques químicos premeditados.

Segundo Trump, “Assad tirou a vida de homens, mulheres e crianças indefesos”. Trump não brilha pela inteligência e nem pelo conhecimento, é sabido. Mas os intelectuais deveriam, ao menos, conhecer os factos. Não será precisa inteligência mas pode haver um intelectual sem conhecimento?

Numa entrevista com Democracy Now, no passado 5 de Abril de 2017 (dois dias antes dos ataques de Trump contra a Síria), Noam Chomsky declarou que era a favor duma “mudança de regime”, sugerindo que a “eliminação” de Bashar negociada conduzisse a uma solução pacífica.
Segundo Chomsky: “O regime de Assad é imoral, realiza atos horríveis e também os russos”. Acusações sem qualquer prova, construídas a partir do nada: as vítimas do imperialismo são acusadas dos crimes do imperialismo.

Ainda Chomsky:

Não podemos dizer-lhes  “Vêem, nós vamos matar-vos, melhor negociar.”. Não funciona. Mas um processo no qual Bashar al-Assad seja eliminado através de negociações pode levar a algum tipo de acordo.

Nada mal a ideia: afinal o que pede Avran Noam Chomsky (“Avran”, “Noam”? Mas que nomes são? Ah, sim, são hebraicos…) é apenas entregar a vitória aos EUA com uma negociação. Não ficamos surpreendidos ao descobrir que um dos amigos íntimos de Chomsky é John Deutch, chefe da CIA em 1995, conselheiro com Henry Kissinger e Donald Rumsfeld do Presidente Reagan. E hebreu.

Na Grã-Bretanha, Tariq Ali, descrito pelos media britânicos como o chefe do movimento pacifista esquerdista do Reino Unido na guerra do Vietnam, pediu que o Presidente Bashar al-Assad seja afastado. O discurso aos microfones de RT (12.02.2012) dele é surpreendentemente parecido com aqueles ouvidos em Washington:

Assad deve ser derrubado, e os sírios fazem o possível para isso. (…) O facto é que a grande maioria dos sírios quer que a família de Assad saia e é este o conceito que devemos entender e que Assad deve entender. (…) O que é necessário na Síria é um governo secular nacional para preparar uma nova constituição. (…) Se o clã Assad se recusar a renunciar ao controle sobre o País, cedo ou tarde ocorrerá algo desastroso. O futuro está decidido e não existe para eles.

Tariq Ali

Uma palavrinha acerca dos Estados Unidos, dos aliados e da Nato, activamente envolvidos no
recrutamento, treino e armamento dum exército de mercenários terroristas? Nada?

Sob o disfarce do chamado movimento anti-guerra progressista, o simpático Ali legitima a intervenção militar ocidental com o lema da “guerra contra o terror”.

Pergunta: quantas guerras há em curso no mundo? Contra quantas delas é activa a “militância social”? Porque um Chomsky fala acerca da Síria e nada diz acerca da guerra civil centro-africana, da guerra civil no sul do Sudan, da guerra civil na Somália? Porque o site de Stop The War (liderado por Tariq Ali) não fala destes conflitos? Não são suficientemente “guerras” ou o facto de não haver intervenção directa do Ocidente retira interesse?

Segundo o autor inglês William Bowles, estudioso do imperialismo, Tariq Ali é um dos muitos intelectuais esquerdistas do imperialismo que distorceram a militância contra a guerra na América do Norte e na Europa:

Isso realça a contradição de ser um chamado socialista e ter o privilégio de fazer parte da elite intelectual do império, sendo muito bem pago por dizer à Síria o que deveria e não deveria fazer. Não vejo nenhuma distinção entre a arrogância de Ali e a arrogância ocidental, que exige exatamente o mesmo: que Assad deve sair.

O Capitalismo global financia o anti-capitalismo. Essa relação é tão absurda quanto contraditória. Não pode haver um movimento anti-guerra significativo quando a dissidência é generosamente financiada pelas corporações que têm como interesse o objetivo dos protestos.

Como McGeorge Bundy, ex-presidente da Ford Foundation (1966-1979), disse uma vez:

Tudo o que a Fundação Ford tem feito deve ser visto como um esforço para tornar o mundo seguro para o Capitalismo.

Qual movimento?

Hoje, os “progressistas” financiados por grandes fundações, com a aprovação dos meios institucionais, impedem a formação de um movimento popular significativo contra a guerra.

Um movimento pacifista coerente também deveria opor-se a qualquer forma de cooptação, sabendo que uma parte significativa da opinião “progressista” tacitamente apoia a política externa dos EUA, incluindo as “intervenções humanitárias” defendidas pela ONU e pela Nato. Um movimento anti-guerra financiado por fundações empresariais é um problema e não a solução. Um movimento pacifista coerente não pode ser financiado pelos belicistas.

O que é necessário é criar uma rede ampla que procure erradicar os modelos de decisões relacionados à guerra. Esta rede deveria ser estabelecida em toda a sociedade, cidades e aldeias, nos locais de trabalho e nas paróquias. Os sindicatos, as associações de agricultores, as associações profissionais e empresariais, as associações de estudantes, as associações de veteranos e os grupos religiosos seriam convidados a aderir à estrutura pacifista. Este movimento também deveria estender-se às forças armadas, de fundamental importância para quebrar a ideia entre os militares da legitimidade da guerra.

A primeira tarefa seria neutralizar a propaganda de guerra com uma campanha efetiva contra a desinformação dos media. Os media institucionais, responsáveis pela desinformação, seriam os principais alvos. Ao mesmo tempo, esse esforço exigiria a criação de um processo para sensibilizar os cidadãos sobre a natureza da guerra e a crise económica global, porque economia e guerra vão sempre de mão dada. Seria preciso espalhar a mensagem através de meios alternativos na Internet.

A criação deste tipo de movimento, que prejudicaria seriamente a legitimidade das estruturas do poder político, não é uma tarefa fácil. Exigiria solidariedade, unidade e compromisso, o falar com uma só voz. Dito com outras palavras: um movimento assim seria destinado a falhar e com uma certa pressa até.

Ipse dixit.

Fontes: Libcom, Investigating Imperialism, Mondialisation, Democracy Now, RT, Stop de War