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O processo de Nuremberga

Nota prévia: o seguinte artigo (amplamente baseado num trabalho de Paul Craig Roberts, economista, jornalista e ex secretário assistente do Tesouro durante a Administração Reagan) de forma nenhuma pode ser interpretado como uma defesa das hierarquias nazistas ou dos actos delas. O foco é aqui centrado no conceito de “Justiça” e na historiografia que condiciona as consciências apesar das muitas décadas passadas desde os eventos.

O simulacro de processo que teve lugar em Nuremberga (20 de Novembro de 1945 – 1 de Outubro de 1946) contra um grupo de certa forma arbitrário composto por 21 nazistas sobreviventes foi um espectáculo orquestrado pelo juiz da Corte Suprema dos Estados Unidos, Robert Jackson, que era o principal procurador.

Em 1940 Jackson era Procurador Geral dos Estados Unidos. Numa comunicação aos promotores federais, advertiu contra a ideia de “escolher um homem e depois colocar os investigadores ao trabalho, para culpa-lo”. É nesta área, em que o promotor escolhe uma pessoa que não é agradável ou que quer colocar em dificuldade e só depois procurar um crime, que existe o maior risco de abuso de poder durante uma investigação judicial. É aqui que a aplicação da lei se torna um assunto pessoal, é aqui que o verdadeiro crime se torna o simples facto de ser impopular dentro do grupo dominante ou de poder, ou ainda exprimir posições políticas desagradáveis ou ser uma pessoa indesejável.

O juiz Robert Jackson

É preciso lembrar esta posição do juiz Jackson porque, durante o seu trabalho como promotor no julgamento de Nuremberga, ele violou todos os princípios legais que antes tinha defendido. Para ser claros, em Nuremberga Jackson estava a perseguir os nazistas, mas este era apenas um meio para chegar ao fim: estabelecer o princípio jurídico internacional de que iniciar uma guerra era um crime.

Podemos concordar com este princípio? Em linha geral a resposta é “sim”. Pode haver raríssimas excepções, mas na esmagadora maioria dos casos iniciar uma guerra é um acto criminoso cujos responsáveis têm de ser perseguidos.

Pormenores…

Pequeno pormenor: em Nuremberga os arguidos foram julgados com base numa lei promulgada após a ocorrência dos acontecimentos, que não existia no momento das ações pelas quais foram condenados. É um princípio, este da retroactividade, condenado desde os tempos da Revolução Francesa.

Mas no processo houve mais do que isso:

Nuremberga: um dos enforcamentos

Logo após o fim da guerra, o Presidente Franklin D. Roosevelt, o General Eisenhower e Winston
Churchill pensavam que os nazistas sobreviventes deveriam ter sido baleados sem julgamento. Roosevelt riu ao falar de como “liquidar” 50 mil oficiais do exército alemão.

Eisenhower disse a Lord Halifax que os líderes nazistas deveriam ser fuzilados como se estivessem na tentativa de fugir: um eufemismo para não utilizar a palavra “assassinato”.

Os russos falaram sobre castrar os homens alemães e violar as mulheres alemãs para aniquilar a raça alemã. O secretário do Tesouro dos EUA, Henry Morgenthau, queria reduzir a Alemanha a uma sociedade agrícola e enviar os alemães robustos para África, como escravos, para trabalhar em grandes projectos de infraestruturas.

Estas posições não são divulgadas na historiografia oficial e podemos entender a razão: ninguém fica bem na fotografia. Também o juiz Jackson viu nessas intenções um crime de classe entre os líderes aliados. Mas viu mais: a oportunidade de criar um princípio legal que criminalizaria a guerra e, assim, eliminaria a catástrofe dos conflitos da história futura. O objectivo de Jackson era certamente admirável (e utópico): mas isso requeria que os princípios legais americanos fossem contornados para condenar alguém em nome dum princípio que teria nascido apenas com o fim do processo.

Jackson teve a sua oportunidade porque Joseph Stalin (mesmo ele!) vetou uma execução sem julgamento. Melhor um falso julgamento para provar a culpa, disse Stalin, que tornar estes nazistas uns mártires.

Os arguidos escolhidos 

Como foi compilada a lista das pessoas que depois foram levadas a julgamento? Os arguidos foram escolhidos entre os indivíduos que os Aliados já tinham na prisão. Bastante prático mas também um pouco limitado. Muito simples.

Hermann Göring em Nuremberga

Na prisão havia o Marechal do Reich Hermann Göring, que comandava a Força Aérea alemã.
Quaisquer que sejam as acusações válidas contra Göring (e de certeza que há), foi “esquecido” um pormenor: com Göring no comando, a aviação alemã foi usada principalmente contra as formações inimigas no campo de batalha e não, como as forças aéreas americanas e britânicas, para bombardeios maciços contra os habitantes de cidades civis como Dresden, Tóquio, Hiroshima e Nagasaki.

O julgamento de Nuremberga é paradoxal porque o princípio que Jackson pretendia implementar deveria ter sido válido para todos os Países e não apenas no caso da Alemanha. A lei ex post-facto (promulgada após os acontecimentos) em virtude da qual os alemães foram condenados à morte classificava como igualmente criminosos os bombardeios maciços das cidades alemãs e japonesas pela força aérea americana e britânica.

Na prisão havia também o Ministro das Relações Exteriores, Ribbentrop; os Marechais Keitel e Jodl, os Almirantes Raeder e Dönitz. E na prisão havia um banqueiro alemão, Hjalmar Schacht: acham que foi condenado? Acham mesmo que um banqueiro foi condenado? Não acham: foi absolvido após a intervenção do Banco da Inglaterra.

Na prisão havia um jornalista, Julius Streicher, e havia Rudolf Hess que estava numa prisão britânica desde 1941, quando tinha voado para a Inglaterra numa missão de paz para acabar com a guerra (e, como agradecimento, foi detido até a sua morte, em 1987). Havia também um industrial, da família Krupp, que não foi processado (já tinha sinais de demência senil).

Göring, Ribbentrop, Keitel, Jodl e Streicher e outros sete foram condenados a pena de morte. Todos eles pediram uma execução militar por fuzilamento, mas por mesquinharia o Tribunal quis vê-los enforcados.

Alfred Jodl em Nuremberga

Houve um tempo na lei anglo-americana durante o qual as irregularidades do julgamento de ex post-facto e dos termos extrajudiciais pelos quais os acusados foram julgados, em Nuremberga teriam resultado na rejeição dos juízes e na libertação do acusado.

Mesmo ao abrigo desta lei menos dois dos condenados teriam merecido ser libertados: é o caso do Marechal Jodl que, em 28 de Fevereiro de 1953, foi absolvido póstumo por um tribunal alemão que o
considerou inocente de acordo com o direito internacional. Já durante o processo, os juízes franceses declararam que a
condenação de Jodl era infundada e constituía um erro de justiça.

Não está claro por qual razão o Almirante Dönitz foi condenado a 10 anos de prisão. O principal juiz americano da Corte disse: “É, na minha opinião, uma ofensa ao nosso conceito de justiça punir um homem que fez exatamente o que nós fizemos também. Os alemães fizeram uma guerra no mar muito mais limpa do que a nossa”.

Esquecimentos

O julgamento de Nuremberga cheira a encobrimento. Os arguidos ​​foram acusados ​​pela invasão alemã da Noruega. O que não foi citado é que os ingleses estavam prestes a invadir a Noruega, e os alemães, mais eficientes, tinham descoberto o plano deles e conseguiram invadir primeiro.

Os acusados ​​foram considerados culpados de usar o trabalho de escravos. Paradoxal se pensarmos nas práticas do sistema soviético (os gulags). Além disso, enquanto o julgamento estava a decorrer, os soviéticos reuniram os alemães em forças para serem escravos e trabalhar para reconstruir a economia russa devastada pela guerra.

Uma das fossas comuns na Floresta Katyn

Os acusados ​​foram considerados culpados de execuções em massa apesar dos russos, que faziam parte da a acusação, terem morto 21.857 cidadãos polacos no massacre de Katyn Forest (para o qual ninguém alguma vez foi responsabilizado).

Os acusados ​​foram declarados culpados de agressão contra a Polónia, mas Ribbentrop não pôde mencionar em sua defesa o Pacto Molotov-Ribbentrop que dividiu a Polónia entre a Alemanha e a União Soviética: sem aquele pacto, a Alemanha não poderia ter invadido a Polónia (pois o Reich precisava na altura do exército na frente ocidental, dada a previsível resposta militar francesa e inglesa). Os soviéticos também invadiram o País, mas em Nuremberga eram os juízes, sentados ao lado dos aliados ocidentais.

A maior hipocrisia foi a acusação, contra a Alemanha, de ter começado uma guerra de agressão, enquanto os factos indicam que a Segunda Guerra Mundial começou quando os britânicos e os franceses declararam guerra à Alemanha.

“Nuremberga”

Todos estes factos estão relatados no livro “Nuremberga” de David Irving. O livro de Irving é, obviamente, politicamente incorreto. Irving não é um historiador imparcial: sem dúvida é antissemita e tem o
vício de frisar alguns aspectos positivos em Adolf Hitler (sim, houve
alguns, embora muito poucos). Isso significa atrair as críticas de todo o
mundo académico ocidental, onde a liberdade de expressão trava ao falar
de “nazismo” ou “fascismo”.

No entanto, no seu “Nuremberga” fez um trabalho pormenorizado. Na introdução são listadas as volumosas fontes nas quais o trabalho está baseado: os documentos oficiais de Robert Jackson e o histórico verbal, os documentos e os diários privados de Francis Biddle, os diários do coronel Andrus, do almirante Reder, de Rudolf Hess, os interrogatórios de prisioneiros, as conversas com os advogados da defesa, procuradores e cartas de prisioneiros para as famílias. Isto e muito mais foi disponibilizado a Irving em microfilmes. Ele comparou as cópias das fitas originais de gravação do processo com as transcrições em papel e as transcrições publicadas, para garantir que as palavras ditas e as publicadas fossem as mesmas.

O que Irving faz no seu livro é relatar a história contada nos documentos. Esta história é diferente da propaganda patriótica escrita pelos historiadores de regime. E o resultado foi a “demonização” do mesmo Irving.

Os sionistas (não podiam faltar) rotularam Irving de negacionista do Holocausto e foi considerado culpado disso por um tribunal austríaco: passou 14 meses na prisão antes que a sentença fosse cancelada por um tribunal superior.

Em “Nuremberga”, Irving suprime várias lendas da propaganda em torno da história do Holocausto e relata observações de pessoal autorizado, segundo o qual muitas das mortes nos campos de concentração foram causadas por tifo e desnutrição, especialmente nos últimos dias da guerra, quando a comida e as medicinas desapareceram da Alemanha. Em nenhum capítulo do livro nega que um grande número de judeus realmente morreu. Mas morrer de tifo não provoca tanta comoção como ser asfixiado com gás, portanto 14 meses numa prisão são o mínimo que pode acontecer.

O que realmente interessa aqui é a figura de Robert Jackson. Ele tinha uma razão nobre (proscrever a guerra) mas na tentativa de obter esse resultado estabeleceu um perigoso precedente. Um precedente útil aos procuradores americanos que transformam a lei numa arma para perseguir as suas causas, já não contra o nazismo mas contra crime organizado, abuso infantil, tráfico de drogas, terrorismo, novos crimes contra a Humanidade.

Conclusão

Resumindo: é muito complicado julgar agora as ações de tanto tempo atrás, mas os factos são factos.

A situação era incrível aos olhos de hoje, uma guerra devastadora na qual foram utilizadas, dum lado e do outro, técnicas infames e monstruosas. Os vencedores tinham que satisfazer a opinião pública fornecendo bodes expiatórios (não inocentes, que fique claro) com penas exemplares. E a mesma opinião pública tinha que ser distraída, evitando que surgissem perguntas incómodas: quem tinha criado anos antes o germe daquela guerra? Realmente tudo não tinha passado dum pesadelo nascido na mente enlouquecida dum pintor falhado austríaco?

Um mal foi efectivamente travado, mas os custos foram terrivelmente altos: em boa medida a conta ainda está a ser paga. O nazismo tornou-se num modelo que ao longo das décadas funcionou como justificação das atrocidades contínuas cometidas pelo Capitalismo, tudo em nome da Liberdade e da Democracia. Ainda hoje os espectros de nazismo, fascismo ou até comunismo são agitados contra o assim chamado “populismo”, enquanto as elites bancárias e financeiras estão a recriar aquele corporativismo que os regimes ditatoriais tinham introduzido.

Nuremberga foi um espetáculo em estilo tipicamente americano, onde quem era ainda mais culpado nunca foi julgado. O juiz Robert Jackson destaca-se como homem que decidiu explorar a condição para implementar um conceito nobre: infelizmente, ao fazer isso atropelou os princípios da Justiça e criou um perigoso antecedente (ver processo contra Saddam Hussein).

O processo feito aos vencedores pelos vencedores não pode ser imparcial,
apesar de ser disfarçado de justiça. 
Duvido que ter enforcado, embora fossem desprezíveis,
aqueles que
eram líderes do povo alemão
nunca desanimaria aqueles que quisessem
fazer uma guerra agressiva.
Em torno deste julgamento paira o espírito de vingança
e a vingança raramente é justiça.
Neste
processo, o objetivo é obviamente político e governamental.
Ao
vestir a política com as formas do procedimento legal,
podemos
desacreditar o conceito de justiça por muitos anos.
Senador dos EUA Robert Taft 

Ipse dixit.

Fonte: Paul Craig Roberts – Tyranny at Nuremberg, Il Giornale, The Atlantic