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Cadê BRICS? Comparação entre China e América do Sul

Até poucos anos atrás era normal ouvir falar de BRICS, um esperado futuro multipolar que teria mudado (para melhor) não apenas a economia mas também o quadro político global. China, Índia, Brasil, Sul África e Rússia formavam uma equipa com um horizonte de crescimento invulgar e amplas possibilidades de expansão.

Hoje os BRICS desapareceram. Ou melhor: alguns pedaços foram perdidos ao longo do caminho. O que aconteceu? Porque alguns Países vingaram e outros não? Neste comprido artigo vamos focar as atenções sobre dois protagonistas em particular: a China e a América do Sul.

Isso porque, se é verdade que o Brasil representava o ponto mais alto do desenvolvimento latino-americano, também não pode ser esquecido que outros Países da mesma região estavam a mostrar desempenhos não indiferentes. O facto de que não apenas Brasília mas também Caracas, Bogotá, Santiago do Chile, Montevideo e Buenos Aires pararam não é um mero acaso: a realidade brasileira tem também que ser observada na mais abrangente conjuntura regional.

Começamos com um quadro geral.

Índia, Rússia, África do Sul

China e Índia parece não terem problemas: as respectivas economias viajam com bons ritmos.

Se da China (que em 2017 tornou-se a primeira economia mundial) falaremos a seguir, as previsões
para 2018 indicam a Índia como a nova quinta realidade económica global, ultrapassando Reino Unido e França. Nos primeiros trimestres de 2017 o crescimento foi sempre acima de 5,7% (com picos de 6,3%). Se a Índia continuar com estes ritmos, em 2030 será a terceira economia mundial.

A Rússia está em recuperação. Mas ainda não brilha por causas de carácter económicos, políticos e estruturais. Moscovo continua com uma economia assente na produção de gás e petróleo, que representam 50% do orçamento de Estado. Para além de uma elevada exposição à volatilidade dos preços, as infraestruturas russas necessitam de avultados investimentos para continuarem a produzir de forma regular e competitiva. A Rússia necessita de expandir a sua indústria para sectores onde possui vantagens competitivas, tais como a indústria aeronáutica, a maquinaria pesada e as tecnologias de informação, tardando, muitas vezes por questões autocráticas, a diversificação da sua economia. Isso significa que a actualidade é positiva, o futuro dependerá da capacidade de regenerar-se.

Discurso diferente aquele da África do Sul. O País fechou o ano de 2017 em estagnação (apesar de, tecnicamente, ter havido crescimento: +1.3%) e escândalos de corrupção com uma mudança de liderança no partido no poder, que, após 23 anos, está a tentar não perder o apoio popular.

O escasso crescimento do PIB, o alto desemprego, as elevadas taxas de criminalidade (uma média diária de 52 mortes por violência) e uma administração percebida como corrupta, deixam um gosto amargo. E não é possível esquecer outros dados como o incremento da pobreza (+55% no ano passado) e a alta taxa de desemprego (27.7%).

Desde 2015 há um plano de investimentos e recuperação: os setores abrangidos são a energia, a
construção, os transportes, as telecomunicações, o turismo, a economia oceânica, a mineração, a agricultura e as industrias, sobretudo para atrair investimentos. Só na construção de novas estradas e para o melhoramento da rede rodoviária e ferroviárias o projecto prevê um financiamento de três mil 740 milhões de Dólares.

Mas a crise de carácter político, baseada na elevada desconfiança dos cidadãos face aos gestores públicos, e a consequente possível instabilidade do quadro político podem arruinar os planos de Joanesburgo (planos, diga-se, que já não brilham com aquele anémico +1,3% do Pib…). Uma situação que pode parecer absurda se tivermos em conta a riqueza natural da África do Sul: ouro, diamantes, carvão, manganês, cobre, níquel, platina, urânio, cromo, amianto, fluorita, vanádio, titânio, estanho e ferro, só para citar os principais produtos da mineração.

A China

As condições da China merecem uma atenção mais pormenorizada: estamos a falar, como já lembrado, da primeira economia mundial, dum País que tem construído ao longo das últimas décadas um espantoso desenvolvimento. Pequim arrisca tornar-se o umbigo do Mundo não apenas do ponto de vista económico (e se juntarmos o desempenho da Índia não é difícil perceber que o futuro está na Ásia).

A China mudou: de País fortemente dependente dos investimentos estrangeiros na indústria da exportação para uma economia com investimentos conjuntos públicos-privados para exportações de alto valor. O crescimento inicial da China baseava-se na mão-de-obra barata, nos baixos impostos e na escassa regulamentação acerca dos capitais multinacionais. O capital estrangeiro e os bilionários locais estimularam o crescimento com base nas altas taxas de lucro: à medida que a economia cresceu, a economia chinesa aumentou as suas habilidades tecnológicas e exigiu mais “conteúdo local” para os produtos.

No início do novo milénio, a China desenvolveu indústrias high-end, baseadas em patentes e habilidades locais de engenharia, canalizando uma alta percentagem de investimentos nas infra-estruturas civis, nos transportes e na educação. Os programas de aprendizado em massa criaram uma força de trabalho qualificada que aumenta a capacidade de produção. As maciças inscrições nas universidades da ciência, matemática, informática e engenharia fornecem agora um grande afluxo de inovadores de alta qualidade, muitos dos quais ganharam experiência nas tecnologias avançadas dos concorrentes estrangeiros.

A estratégia da China baseou-se em emprestar, aprender, actualizar e competir com as economias mais avançadas da Europa e dos Estados Unidos. No final da última década do século XX, a China estava pronta para “lançar-se” no exterior. O processo de acumulação proporcionava os recursos financeiros para adquirir empresas dinâmicas no exterior. A China já não se limitava aos investimentos em minerais e agricultura nos Países do Terceiro Mundo: a China procurava conquistar sectores da tecnologia de ponta em economias avançadas.

Na segunda década do século 21, os investidores chineses passaram para a Alemanha, o gigante industrial mais avançado da Europa. Nos primeiros seis meses de 2016, os investidores chineses adquiriram 37 empresas alemãs, contra 39 em 2015. Os investimentos totais da China na Alemanha em 2016 duplicaram: mais de 22 bilhões de Dólares. Em 2016, a China comprou a KOKA, a empresa de engenharia mais inovadora da Alemanha.

A estratégia da China é ter a superioridade no futuro da indústria digital. Pequim move-se rapidamente para a automação das indústrias, com planos para duplicar a densidade dos robôs em comparação com os Estados Unidos até 2020. Cientistas chineses e austríacos lançaram com sucesso o primeiro sistema de comunicação quântica de satélite, que é supostamente “à prova de hacking”, garantindo a segurança das comunicações da China.

Tudo isso é fruto duma cuidadosa planificação: não há “acasos” no milagre chinês. Aliás: nem há milagre, porque tudo segue uma percurso perfeitamente racional. 

Enquanto os investimentos globais da China continuam a dominar os mercados mundiais, os impérios anglo-americanos e alemão estão na defensiva: não podem competir economicamente com a China. , A elite económica ocidental confia cada vez mais nas especulações de curto prazo da Finança, dos imóveis e dos seguros, negligenciando a base industrial. Se os Estados Unidos investem quantias de dinheiro abismais na construção militar do poder (o que absorve os recursos públicos), a China orienta os seus recursos para as tecnologias inovadoras e avançadas.

Há casa vez mais Países que dependem do mercado chinês e não daquele dos Estados Unidos para sobreviver e crescer: Austrália, Nova Zelândia, Peru, Chile, Taiwan, Camboja, Coreia do Sul…

Washington gasta centenas de bilhões de Dólares em alianças militares com os regimes parasitas do Médio Oriente (Arábia Saudita, Israel…), Pequim aprofundou e expandiu os laços estratégicos com a Rússia, donde chegam petróleo, gás e tecnologia militar. Os Estados Unidos não conseguiram aprender com a estratégia económica da China: o mesmo fracasso pode explicar o fim dos regimes progressistas na América Latina?

A América Latina 

Após mais de uma década de crescimento e estabilidade, os regimes progressistas latino-americanos travaram. Por qual razão, como vimos, a China continuou a seguir o caminho da estabilidade e do crescimento, enquanto os parceiros latino-americanos sofreram derrotas?

Brasil, Argentina, Venezuela, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Equador, durante mais de uma década foram uma história de sucesso do centro-esquerda: as suas economias encontravam-se em fase de crescimento, as despesas sociais aumentavam, a pobreza e o desemprego diminuíam, o rendimento dos trabalhadores crescia. A seguir: aquelas mesmas economias entraram em crise, o descontentamento social cresceu e os regimes de centro-esquerda caíram.

É possível encontrar uma razão estrutural: ao contrário da China, os regimes latino-americanos de centro-esquerda não diversificaram as suas economias e permaneceram fortemente dependentes do boom das commodities (petróleo, minerais, produtos agrícolas) para o crescimento e a estabilidade.

As elites latino-americanas tomaram emprestados e dependiam dos investimentos estrangeiros e dos capitais financeiros, enquanto a China envolveu-se nos investimentos públicos na indústria, infra-estruturas, tecnologia e educação. Os progressistas latino-americanos juntaram-se ao capitalismo estrangeiro e aos especuladores locais na especulação imobiliária não produtiva, enquanto a China investiu em indústrias inovadoras no País e no exterior. Enquanto a China consolidava o seu domínio político, os progressistas latino-americanos “aliaram-se” com os opositores estratégicos nacionais e estrangeiros das multinacionais, para “compartilhar o poder”, quando de facto estes estavam prontos para expulsar os “esquerdos”.

Quando a economia baseada nas commodities colapsou, ruíram também os laços políticos com os membros da elite. Em contraste, as indústrias chinesas beneficiaram dos baixos preços globais das matérias-primas, enquanto a esquerda latino-americana sofreu. O caso do petróleo é sintomático: na América do Sul gritaram contra a conspiração americana-saudita quando o preço do barril colapsou. Isso enquanto a China ganhou (e muito) com esta baixa dos preços. Países como o Brasil ou a Venezuela dependiam fortemente das vendas do petróleo, não tinham utilizados os anos “bons” para diversificar as suas receitas.

Enquanto a América Latina importava máquinas e componentes do Ocidente, a
China comprava as empresas ocidentais para produzir máquinas e
tecnologia. 

Mas não é apenas um discurso de pura economia: diante da corrupção generalizada, a China lançou uma grande campanha de purga que atingiu mais de 200 mil funcionários. E alguns deles ficaram mal mesmo, pois o código penal chinês prevê a pena de morte também nos seguintes casos:

Na América Latina, a esquerda ignorou os funcionários corruptos, permitindo que a oposição explorasse os escândalos para retomar o poder.

O resultado é evidente: a China superou com sucesso a crise, derrotou os seus oponentes e passou a expandir o consumo local e a estabilizar o governo. O centro-esquerda latino-americano sofreu derrotas políticas no Brasil, na Argentina e no Paraguai; perdeu as eleições na Venezuela, na Bolívia e no Uruguai.

Ipse dixit.

Fontes: Jornal Económico, Sputnk, La Vanguardia, Prensa Latina, Global Research: China’s Pivot to World Markets, Washington’s Pivot to World War And the Debacle of the Latin American Left, Wikipedia (versão italiana)