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A Terra plana

Eu vôo muito. 
Quero dizer, muito mesmo. 
Ninguém voa mais do que eu. 
Olha, tenho um jato. Possuo um 757, o melhor!
 E se o mundo fosse esférico,
acredita em mim, eu o saberia!
Donald Trump

Nos últimos tempos o número de pessoas convencidas de que a Terra seja plana está a aumentar. Por esta razão tinha começado a escrever um artigo, este:

Parece incrível, mas está a aumentar o número de pessoas convencidas de que a Terra seja plana. Não é uma brincadeira: existe uma teoria bastante pormenorizada até, centenas de páginas internet, fóruns e vídeo, tudo para demonstrar que a Terra não é esférica, que a Nasa mente, que tudo não passa dum engano.

E continuava, antes apresentando a teoria, depois listando as provas. Tinha inserido até um par de vídeos e faltava só explicar as razões pelas quais a Terra é esférica.

Mas neste ponto parei e comecei a pensar. Se eu fosse um Leitor do blog, perante um artigo assim ficaria ofendido: que dizer, alguém chega ao pé de mim no Ano do Senhor de 2018 para explicar-me por qual razão a Terra não é plana? Mas este gajo acha que nasci na Idade Média ou quê?!?.

Por isso apaguei tudo: ganhou o respeito que tenho para os Leitores.
Muito melhor uma simples pergunta: porque?

Quando um grupo cada vez maior de pessoas decide abandonar uma das poucas certezas que temos para voltar atrás de 500 anos, acho lícito perguntar qual a razão que possa estar na base dessa escolha. Porque? Qual o sentido? E porque mesmo agora?

Mas antes: eis em resumo a teoria da Terra plana, sem comentários (seriam supérfluos).

A teoria

A Terra é plana, óbvio.
Todas as imagens das missões espaciais são falsas, a Terra um discoide plano. Como uma pizza, mas sem recheio, só massa.

O Polo Norte fica no centro do disco enquanto o Polo Sul não existe: o que há nas margens do disco é uma barreira de gelo fortemente militarizada. É militarizada para evitar que os curiosos possam espreitar além do gelo. De facto, é possível que a Terra fique no meio dum plano gelado infinito: mas, de vez em quando, haveria outras oásis, com outros discos habitáveis. É daí que chegam os extraterrestres. Mas umas pessoas malvadas (Illuminati, Maçonaria, etc.) não querem que o povo saiba.

Toda a Terra fica debaixo duma enorme cúpula, o Domo. Esta pode ser feita de matéria sólida transparente ou pode ser apenas uma zona fortemente electromagnética, ainda não se sabe ao certo. O que é certo é que Sol e Lua ficam debaixo do Domo, a uma altura de 3.000 milhas. Ambos têm um diâmetro de 50 quilómetros e são fontes de luz (também a Lua, que não reflecte a luz do Los).

Sol e Lua seguem um percurso circular sobre o disco da Terra (mas sempre abaixo da cúpula): o Sol segue também um movimento em espiral que cria as estações do ano. Obviamente, também Sol e Lua são discos planos, não esferas. 

O que há além do Domo? Também este ponto não está totalmente esclarecido. Segundo alguns, estrelas e planetas não passam de luzes agarradas ao Domo; segundo outros, são objectos verdadeiros que se mexem além da cúpula. Mas isso afinal não interessa, pois o Homem nunca poderá pôr o nariz além do Domo: as Faixas de Van Allen matariam tudo e todos.

A gravidade não existe: o que há é a densidade do ar.

Para acabar: segundo uma minoria o disco da Terra repousa por cima das costas dum enorme animal (um elefante, uma tartaruga). 

Contextualizar

Estes os pontos principais. E seria extremamente simples gozar com estas ideias que desafiam a
inteligência duma criança de três anos. Mais interessantes, como já lembrado, são as perguntas: “porque?” e “porque agora?”.

Talvez o ponto seja o último: “agora”. É preciso contextualizar no momento histórico actual em que, graças ao imediatismo e à heterogeneidade da internet, estão a espalhar-se uma série de revisões culturais com implicações impressionantes.

A demolição de algumas das pedras fundamentais políticas e económicas da sociedade moderna, o revisionismo histórico mais radical, à re-leitura dos antigos textos sagrados: paralelamente à lenta normalidade das noções que concordam com os comuns princípios ortodoxos, viaja um fluxo muito mais rápido, feito de conceitos sem precedentes e às vezes plausíveis, bombas culturais espalhadas pela chamada informação “independente” e “alternativa”.

Uma verdadeira “contracultura” que não poderia existir sem o apoio do poder. Pode parecer estranho dito por quem escreve num blog que trata também do “alternativo”: mas temos de admitir que certos acontecimentos não teriam a mesma eco sem uma ajuda quase-institucional. O poder sabe que existe internet, conhece as teorias que circulam, deixa que tudo isso aconteça: sabemos quem fica atrás de Google, sabemos que fica atrás de Facebook.

Psyop?

Informação Incorrecta defende a Terra Cúbica

Psyop é um neologismo inglês para indicar operações psicológicas.

Do Departamento da Defesa dos Estados Unidos:

Uso planeado de propaganda ou outras acções psicológicas com o objectivo primário de influenciar as opiniões, emoções, atitudes e comportamento de grupos estrangeiros hostis, de forma a alcançar os objectivos da nação. 

Portanto, nos EUA falam de “grupos estrangeiros hostis”. Bem mais abrangente e completa a definição dada pelo Exército Brasileiro:

Procedimentos técnicos especializados, operacionalizados de forma sistemática, para apoiar a conquista de objetivos políticos e/ou militares, desenvolvidos antes, durante e após o emprego da Força, visando a motivar públicos-alvo amigos, neutros e hostis a atingir comportamentos desejáveis.

Não apenas “inimigos” mas também “público-alvo amigo”. E nós, todos nós, somos o público-alvo amigo. Pelo que, as Psyops são operações nas quais um grupo de cidadãos é submetido a uma série de acções para testar assim as suas reacções e poder atingir “comportamentos desejáveis”.

A teoria da Terra plana é uma Psyop? Pode ser.
As bases da teoria são duas: uma religiosa, outra “filosófica”, ambas bastante próximas.

Num vídeo da RIT TV, o terraplanista Jotha Martins explica:

Eu descobri a Terra plana num simples questionamento entre Ciência e escritura sagrada. Eu queria saber quem realmente estava a falar a verdade. Se era o Criador ou era a Ciência dos homens. Então fui buscar nas Escrituras qualquer embasamento científico para a situação do modelo eliocéntrico do sistema duma Terra-bola […] 

Portanto voltamos à Idade Média: a Bíblia não é apenas um livro de fé, é também um livro científico e fala mais alto do que qualquer evidência científica. A religião é a única detentora da verdade, o resto ficará sempre num segundo plano.

A segunda base, como afirmado, é “filosófica”: acredito no que vejo.
Corolário: se não vejo, não acredito.

Consequências: catastróficas. Porque nesta óptica os relâmpagos só podem ser sinais de Deus, as doenças são apenas “azar”, a electricidade que chega nas nossas casas é pura magia.

Que tipo de Psyop pode ser esta? Pode ser a continuação da demolição dos valores da nossa sociedade e, ao mesmo tempo, um teste configurado com o objectivo de avaliar o nível de “reprogrammabilidade” dos conceitos mais enraizados no imaginário comum. Testar os limites que as pessoas estão dispostas a ultrapassar, fechando no sótão a razão para abraçar algo que parecia ter sido definitivamente enterrado nas areias do tempo (pois a teoria da Terra plana tem milhares de anos).

O resultado é desconfortante: o Homem sai derrotado num Universo em que só Deus conhece a verdade e brinca com os Homens, deixando que estes atinjam um conhecimento errado. Nada pode ser feito para melhorar o futuro, tudo está já escrito. Única solução: o total abandono à vontade divina e, consequentemente, às instituições mais elevadas “que sabem” pois espalham a palavra do Senhor. O ser humano sozinho não pode alcançar nada de verdadeiro ou útil, precisa dum “guia” superior.

Esta, obviamente, é apenas uma das leituras possíveis. Mas se nada disso fosse uma Psyop? Se o movimento da Terra plana fosse autêntico, espontâneo?
É só esperar que não, pois seria ainda mais deprimente…

As provas!

Para quem tiver paciência (é precisa muita, acreditem…) eis o já citado programa transmitido pela RIT TV: mais de 60 minutos de festival da ignorância, rigorosamente em português do Brasil.

Aqui vai algo mais curto mas nem por isso menos importante, sendo um dos vídeos mais conhecidos no ambiente terraplanista: é um foguete que embate contra o domo, a cúpula que cobre a Terra plana. Confira!



Galera, vocês viram: o foguete embateu na cúpula, show de bola!
E, como já sabemos, contra factos não há palavras…

Ipse dixit.

Fonte: para aderir em massa a esta maravilhosa teoria, nada melhor de que ir à fonte: Flat Earth Society, em inglês. Mas com Google é simples encontrar as sociedade locais, tanto em Portugal quanto no Brasil.