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Da besta e da imprensa (parte 2)

Segundo artigo dedicado ao trágico Donald Trump com o fim de evidenciar (caso ainda fosse necessário…) quanto má é a imprensa de regime.

E falemos de taxas. O Presidente dos EUA apresentou a reforma fiscal há poucas semanas, no começo de Dezembro. Eis alguns títulos da imprensa:

Muito bem, então a síntese parece ser clara: Trump baixa os impostos para os amigos ricos. Classe média e pobre? Nada. Aliás, pior do que nada, porque o deficit aumenta e o deficit é pago por todos, justo?


1. Para começar: Trump efectivamente aumenta o deficit dos Estados Unidos. Mais ao pormenor: o deficit aumentará de 1.460 biliões de Dólares durante os próximos 10 anos. Então: qual o problema?

Numa economia soberana (não como na Zona Neuro) o deficit é a riqueza líquida de cidadãos e empresas. Sim, leram bem: “riqueza”. Vamos fazer um exemplo: o Estado gasta 120 moedas e impõe 100 moedas de taxas e impostos. Isso significa que o Deficit do Estado é de 20 moedas (120-100=20). Mas onde ficaram as 20 moedas? Nos bolsos de cidadãos e empresas. Isso significa que cidadãos e empresas estão mais ricos. Washington aumentará em 1.460 biliões o deficit? Isso significa que cidadãos e empresas dos EUA terão mais 1.460 biliões de Dólares para gastar: um enorme bónus.

Dúvida: mas se Trump corta os impostos só dos ricos, serão apenas estes a ficarem com as 20 moedas nos bolsos? Calma, vamos ver.

2. O imposto das empresas (Corporate Tax) nos EUA hoje é de 35% e vai cair para 21%. Perfeito, é oxigénio para as grandes empresas, é o ordenado para quem aí trabalha. O Estado terá em impostos menos dinheiro para gastar? Falso.

Os impostos, num Estado com economia soberana, não são usados ​​para pagar os gastos públicos: não é possível que isso aconteça por uma questão de pura matemática. Se o Estado é o monopolista do dinheiro, antes o Estado cria dinheiro, a seguir o Estado gasta e só depois o Estado pode taxar: não pode retirar dinheiro de cidadãos e empresas sem antes ter gasto. Portanto, é matematicamente impossível que os impostos proporcionem ao Estado dinheiro para gastar: o colossal corte do imposto corporativo não prejudica as despesas públicas, e só ajuda as empresas que, se tiverem cérebro, aproveitarão para investimentos.

3. A reforma de Trump reduz a taxa máxima para os americanos ricos: de 39,6% para 37%. Bom, terão mais dinheiro para gastar: os gastos significam mais vendas e mais vendas significam mais produção e mais produção significa mais economia e emprego.

4. A reforma de Trump elimina a Alternative Minimum Tax (AMT) para as empresas. Tanto para entender, até o Washington Post admite que esta taxa “desencorajou os empresários que queriam abrir novas fábricas, comprar máquinas e investir em pesquisa, porque realmente cancelou os incentivos fiscais relacionados”. Mais nada.

5. Depois: Trump faz um enorme desconto sobre os impostos de herança para os super-ricos.
Ok pessoal, vamos ser claros, pode ser? O objectivo duma sociedade normal não pode ser a constante punição dos ricos mas a eliminação da pobreza. Eu sei, muitos terão cólicas intestinais ao ler isso e o pensamento irá com uma lágrima até a imagem do Che com charuto e sorriso: mas não será tempo de crescer? Quem faz funcionar uma economia (numa sociedade doentia como a nossa, claro) não são os pobres, simplesmente porque estes não podem gastar: não é a riqueza que tem de ser eliminada, é a pobreza. E um Estado com economia soberana poderia fazê-lo, sem que para isso fosse preciso penalizar as classes mais favorecidas.

Basta com a história de “tirar aos ricos para dar aos pobres”: num Estado com economia soberana é possível gerir correctamente o dinheiro criado a partir do nada pelo Estado, com riscos mínimos de inflação (ver declarações dos dois ex-governadores da FED, Alan Greenspan e Ben Bernanke), eliminando a pobreza e, ao mesmo tempo, acabando também com o choque (criado e mantido de forma artificial) entre classes ricas e pobres. Numa sociedade como a nossa (portanto péssima, é bom lembra-lo) o lema tem que ser “quem tiver dinheiro, que gaste quanto mais possível”. Caso contrário, a economia não funciona e os primeiros que pagam a factura são os pobres.

6. As deduções fiscais para 2/3 das famílias duplicarão. Atenção: não as deduções para as famílias ricas, mas para todas as famílias.

7. Os americanos isentos de impostos aumentam de 44% para 47,5%: até 2025, a grande maioria dos cidadãos e das pequenas e médias empresas pagará menos impostos; depois, as classes médias manterão as deduções fiscais sobre os juros dos empréstimos estudantis, as deduções sobre as despesas médicas em excesso e os descontos fiscais para os novos licenciados. Uma alteração proposta pelo Senador Marco Rubio aumenta consideravelmente as deduções fiscais para as crianças de famílias de rendimento baixo e médio.

8. Mais: o imposto Alternative Minimum Tax sobre os agregados familiares será aplicado a muitos menos americanos, porque antes atingia famílias que ganhavam mais de 160.900 Dólares brutos, hoje, com Trump, apenas quem ganhar 1.000.000 de Dólares brutos.

9. O limite máximo de dedução por criança duplica de 1.000 para 2.000 Dólares.

10. As deduções sobre as despesas médicas introduzidas pelo antigo Presidente Obama continuam na íntegra. Mas a partir de hoje os mais ricos enfrentam um limite máximo de 10 mil Dólares no âmbito das deduções: e se antes era possível deduzir os juros sobre empréstimos imobiliários até o primeiro milhão de Dólares, com Trump o limite fica abaixo do milhão.

Resumindo: Trump (ou melhor: alguém do seu grupo de trabalho, pois ele sozinho estaria ainda a procurar a calculadora) fornece uma saca de plasma à anémica economia dos Estados Unidos. É uma boa reforma fiscal? Não, de todo, mas seria ingénuo esperar um programa “justo” vindo de Washington: estamos sempre a falar da Administração dos Estados Unidos, estamos a falar de multinacionais, de Wall Street, de lobby, de imperialismo e de tudo o resto. Mas tomara que o simpático Obama tivesse feito o mesmo em vez de salvar os grandes bancos com o bail-in (matando assim centenas de pequenos bancos).

E no fim retomamos a questão central: quantos órgãos de informação deram-se ao trabalho de explicar as coisas tais como é possível lê-las acima? Quantos, pelo contrário, limitaram-se a obedecer perante a raivosa palavra de ordem democrata, segundo a qual Trump ajuda os ricos e penaliza os pobres?

Ipse dixit.   

Fontes: no texto, Paolo Barnard