O moderno comércio de carne humana



No gráfico abaixo é possível observar a rota do navio Aquarius no passado dia 21 de Março, tendo este partido das costas da Líbia e tendo mais tarde chegado ao porto de Catania (Sicilia, Italia) após uma paragem na ilha de Malta:

Mais em detalhe, eis o percurso com dias e horários:

Naqueles dois dias, o navio Aquarius recolheu 946 pessoas de Bangladesh, Nigéria, Costa do Marfin, Guiné e de outros Países, todos indivíduos rigorosamente sem vistos para poder entrar na Europa, e desembarcou-as na Sicilia, onde entraram num campo para refugiados.

O navio Aquarius pertence à SOS Mediterranee, uma ONG alemã com uma vontade irresistível de deportar pessoas dum continente para outro. É um daqueles navios que depois aparecem na televisão com a legenda “Salvos no meio do Mediterrâneo”. Não é no meio do mar que estes imigrantes clandestinos são recolhidos, mas a poucos quilómetros das costas líbias e comprova-lo é simples.

Com a ajuda de Marine Traffic, site especializado no traçamento de navios com relativas rotas, eis as posições de outros navios negreiros que pertencem a OGNs (posições de hoje, 25.03.2017 às 13 horas):

 

Todos os navios se encontram numa área bem definida, poucos quilómetros ao largo das costas da Líbia: tão próximas que é possível vê-las a partir das praias. No caso da Sea Wathch 2, os clandestinos nem a fadiga de molhar-se têm que fazer, dado que o navio já se encontra no porto.

E estes são apenas alguns dos navios interessados (no total são cerca de 15). Portanto, estamos perante um enorme serviço de deportação, milhares de clandestinos que diariamente são recolhidos na África e transportados nos centros de acolhimento europeus (nomeadamente italianos).

Mas quem são estas ONGs? Em nome de quem operam?

O navio Aquarius pertence à ONG SOS Mediterranee (ONG alemã), a qual opera em colaboração com a Cospe, associação “humanitária” (uma ONLUS) italiana. O site de SOS Mediterranee é bem pouca coisa e nem especifica donde provenham os seus fundos. Eis, pelo contrário, a proveniência dos fundos da Cospe para o ano de 2015 (o último disponível):

Portanto, 88% de dinheiro público que financia esta ONG (mais 15% de privados: o total perfaz 103% nesta estranha matemática humanitária…). E, em grande medida (52%), é a União Europeia que paga o tráfego de carne humana, aquela mesma União Europeia que depois fala de “emergência imigrantes”. Obviamente não falta a ONU e outras organizações internacionais.

Outras organizações empenhadas no negócio são: MOAS, Jugend Rettet, Stichting Bootvluchting, Médicos sem Fronteiras, Save the Children, Proactiva Open Arms, Sea-Watch.org, Sea-Eye, Life Boat.

Além de Médicos Sem Fronteiras (um pequeno império financiado também pelos governos de muitos Países ocidentais – EUA in primis-, ONU, etc.;) e Save The Children (fundos de Ikea, Johnson & Johnson, Procter&Gamble mais governos – 57% –  e corporações – 13%), não é claro quem são os financiadores das restantes organizações e visitar as respectivas páginas internet não adianta pois os orçamentos ou não são publicados ou reúnem as doações sob um vago “privados” ou “outros”.

O procurador de Catania, Carmelo Zuccaro, abriu recentemente um processo de investigação:

Queremos saber sobre a evolução do fenómeno e a razão pela qual há a proliferação desses navios e como podem lidar com custos tão elevados sem ter um retorno em termos de lucro económico.

O que emergiu é que o País europeu que dá origem à maior parte dessas ONGs é a Alemanha, que hospeda cinco dessas organizações com um total de seis navios (incluindo dois de Sos Mediterranee). Mas tudo, como salienta Zuccaro, tem custos mensais ou diários elevados. O navio Aquarius de Sos Mediterranee, por exemplo, tem um custo de 11.000 Euros por dia. Os navios do MOAS, de Christopher e Regina Catrambone (ONG com sede em Malta), são o Phoenix com bandeira do Belize e o Topaz com bandeira das ilhas Marshall: custam 400.000 Euros mensais.

Continua Zuccaro:

Cria suspeitas também o dado dos Países que concedem as bandeiras. Devemos fazer a pergunta de onde está o dinheiro para suportar tais custos elevados, quais são as fontes de financiamento. Será a tarefa da próxima fase da investigação. Vamos continuar a verificação das ONGs que trazem os migrantes para o nosso distrito.

Seis milhões de deportados

Taco Dankers é um activista da Gefira; esta também é uma ONG mas deu-se um objectivo diferente: controlar o que fazem as outras ONGs, nomeadamente aquelas empenhadas no comércio dos migrantes. Por isso, reconstruiu os movimentos em 12 de Outubro de 2016 do navio Golfo Azzurro, com bandeira panamense mas operado pela ONG holandesa Boat Refugee.

De acordo com os dados, o navio partiu de manhã cedo em direção da Líbia, várias horas antes de ser lançado um SOS por parte dos barcos dos migrantes. Só perto das 19 horas o centro de coordenação marítima de Roma sinalizou ao Golfo Azzurro e a outros três navios “humanitários” que havia um SOS dum barco carregado com migrantes. Perto das 21 horas começou a operação de resgate de 113 pessoas, com 17 desaparecidos. 12 horas no meio do mar à espera dum SOS?

Fonte: Gefira

Há outro facto estranho: pouco antes das 21 horas, um rebocador italiano (o Mergez) partiu de Mellitah, na Líbia, e dirigiu-se para o ponto a 8.5 milhas náuticas ao largo da costa da Líbia onde logo teria começado o resgate. Mas chegado a uma distância de 6 milhas da costa inverteu o caminho e voltou para Mellitah: impossível que não tenha visto o barco em perigo. Assim Gefira avança uma hipótese: o barco italiano atirou para o mar alguma “carga” humana e o Golfo Azzurro sabia que isso iria acontecer?

Mais factos: no dia seguinte, os diários deram a notícia do resgate “no Estreito da Sicília”, o que sugere um ponto bem mais a Norte do que aconteceu (ainda em águas territoriais líbias). O Golfo Azzurro também poderia ter transportado os imigrantes para o porto mais próximo, Zarzis na Tunísia, 65 milhas a Oeste: claro, não teria sido um desembarque agradável para aqueles que pagaram milhares de Euros para chegar em território europeu, mas a Golfo Azzurro deveria ser um navio de socorro, não um ferryboat.

Gefira continua as análises e os resultados mostram como o comércio de carne humana tenha crescido 57% nos primeiros meses de 2017 quando comparado com o homólogo período do ano anterior.

Dimitris Avramopouloem

Mas tudo isso não tem que surpreender: como revelou o comissário europeu Dimitris Avramopouloem em Genebra no princípio deste mês (07 de Março de 2017), o objectivo é criar pontos de embarque nas praias africanas para receber 6 milhões de pessoas nos próximos anos: isso para compensar o encolhimento da população europeia.

E um recente documento publicado pelo diário alemão Die Welt revelou uma cláusula do acordo estipulado entre a Chancelera Alemã Angela Merkel, o Primeiro Ministro holandês Mark Rutte e o Presidente turco Erdoğan acerca dos refugiados sírios: a transferência anual de 150.000 – 300.000 destes refugiados para a Europa.

Seis milhões de refugiados não seriam um problema para o Velho Continente: nem chegariam a 10% da população total. O que é preciso realçar são outros aspectos.

Estamos perante duma ampla operação de deportação: diariamente, milhares de desgraçados arriscam a vida para alcançar as costas europeias, após ter pago milhares de Euros para uma autêntica máfia dos transportes. E muitos morrem durante a viagem. Não é este um crime contra a humanidade?

Os números

Portanto, há um plano, financiado pela União Europeia, que tenta proporcionar mão de obra barata para as grandes empresas do mercado continental. E este plano não se preocupa com os custos em termos de vidas humanas.

Segundo os dados fornecidos pela ONU, desde 2014 foram mais de 10.000 os migrantes mortos afogados na tentativa de atravessar o Mediterrâneo. Como afirmou em Junho do ano passado o porta-voz das Nações Unidas, Adrian Edwards, de acordo com o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR), em 2014 as vítimas tinham sido 3.500, em 2015 subiram para 3.771 e nos primeiros cinco meses de 2016 já eram 2.814.

Elevado o número dos menores envolvidos nestas viagens arriscadas: no total, como indicado pela Organização Internacional de Genebra para as Migrações (OIM), desde o começo de 2016 desembarcaram (só em Itália) 7.600 menores, mais 3.000 do que em 2015. Destes, mais de 7.000 chegaram sem família. Crianças e rapazes principalmente de Egipto, Gâmbia, Costa do Marfim e Guiné.

A frota

Para concluir, eis a lista dos navios utilizados pelas ONGs e permanentemente ao largo das costas líbias:

  • Phoenix: é um dos dois navios da MOAS. Registado no Belize (América do Sul), opera regularmente por conta da ONG maltesa.
  • Topaz Responder: embarcação de resposta de emergência de 51 metros, que hospeda dois botes salva-vidas de resgate de alta velocidade. O navio é administrado em conjunto com a Médicos Sem Fronteiras. Este é um dos três navios que podem transportar centenas de pessoas duma só vez. O navio está registrado nas Ilhas Marshall.
  • Iuventa: está registado sob a bandeira dos Países Baixos e pertence à ONG alemã Jugend Rettet.
  • Golfo Azzurro: é utilizado pela Holandesa Boat Refugee Foundation e opera sob a bandeira de Panamá.
  • Dignity 1: é registrado sob a bandeira do Panamá. Opera por conta de Médicos Sem Fronteiras.
  • Bourbon Argos: um navio de Médicos sem Fronteiras. Registado sob a bandeira do Luxemburgo.
  • Aquarius: um dos muitos navios geridos por Médicos Sem Fronteiras. É registrado sob a bandeira de Gibraltar.
  • Vos Hestia: navio de busca e salvamento da ONG Save The Children.
  • Astral: é da organização Proactiva Open Arms. Segundo o site da Gefira se encontra nas águas líbias mas desaparece com base regular dos sites de rastreamento AIS (Automatic Identification System, sistema
    de monitorização utilizado em navios).
  • Sea Watch 1: é propriedade duma organização com sede em Berlim, a Sea Watch. Trabalha em estreita colaboração com a Watch The Med, uma rede transnacional que luta contra o regime fronteiriço europeu e exige uma passagem livre e segura para a Europa.
  • Sea Watch 2: como antes.
  • Audur: registado sob a bandeira dos Países Baixos. Não se sabe a quem pertença.
  • Sea Eye: é propriedade da Sea Eye, ONG fundada por Michael Buschheuer (Regensburg, Alemanha) e um grupo de familiares e amigos.
  • Speedy: é um lancha pertencente a Sea Eye. O navio é actualmente confiscado pelo governo líbio.
  • Minden: propriedade da organização alemã LifeBoat. O navio está registado sob a bandeira da Alemanha.

Nota:
O presente artigo foi enviado à atenção dos seguintes diários:

Portugal – Diário de Notícias, Público, Correio da Manhã, Jornal i
Brasil – O Globo, Folha de S. Paulo, Correio do Brasil, Estadão,
Angola – Jornal de Angola, Jornal Angolense, Semanário Angolense
Guiné Bissau – Nô Pintcha
Moçambique – Notícias, O País, Diário de Moçambique, Folha 8
Cabo Verde – Nação, Expresso das Ilhas

Ipse dixit.

Fontes: Maurizio Blondet, Gefira (1 e 2), Il Giornale (1 e 2), Tribune de Genéve, Cospe – Orçamento Social 2015, Aurora, Media Calabria (1 e 2), Die Welt, Rai News.

9 Replies to “O moderno comércio de carne humana”

  1. E tu esperas, Max, que seja divulgado pelos jornais? Pois…
    Ótimas informações. Apenas queria acrescentar um palpite. Essas crianças sozinhas que chegam às costas europeias se destinam a outro tipo de comércio, o tráfico de órgãos humanos. Talvez alguns adolescentes sejam aproveitados (as) para a prostituição. Os adultos, sim, mão de obra escrava. Não sei se idosos (as) chegam. Afinal para nada servem…

  2. Ondas migratórias provocadas artificialmente sempre estiveram vinculadas ao exercício de dominação e poder. São populações fragilizadas que acabam se submetendo a toda espécie de mando, seja de traficantes, companhias privadas organizadas ou do próprio Estado envolvido. Sujeição que ao longo do tempo transforma-se em status de "normalidade" no que virão a serem determinadas "tradições". Exemplos não faltam…

  3. O artigo é importante mas, independentemente, da organização do tráfico existe o enorme problema das causas que levam esses milhões de pessoas a arriscar a vida para fugirem das suas casas. Esse é o principal problema.

    1. No caso africano as causas foram as Descolonizaçoes exemplares que a Esquerda promoveu 🙁
      Agora ninguém quer lá viver e eu não os posso condenar.
      Mas note que os FINANCIAMENTOS para as operações no mediterrâneo NÃO são para os ajudar a emigrar, são sim para implementar o plano Kalergi 🙁

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