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Wikipédia inglesa: a história rescrita

Uma curiosidade: como é que as várias versões de Wikipedia descrevem a Guerra do Ópio?

A versão portuguesa, tal como aquelas italiana e espanhola também, dedicam páginas que enquadram os eventos do ponto de vista histórico, onde são explicadas as causas do conflito e é realçado o papel dos Ingleses no comércio ilegal do Ópio.

E a versão inglesa? Aqui vai a tradução total da página Opium Wars (Guerras do Ópio em inglês):

As Guerras do Ópio foram duas guerras que envolveram disputas anglo-chinesas sobre o comércio britânico na China e a soberania da China em meados do século 19º. As disputas incluiu a Primeira Guerra do Ópio (1839-1842) e a Segunda Guerra do Ópio (1856-1860). As guerras e os eventos entre as guerras enfraqueceram a dinastia Qing e forçaram a China ao comércio com o resto do mundo.

Primeira Guerra do Ópio

A Primeira Guerra do Ópio, entre 1839-1842, foi concluída pelo Tratado de Nanking em 1842. O tratado cedeu a ilha de Hong Kong ao Reino Unido em perpetuidade, e estabeleceu cinco portos de comércio em Xangai, Cantão, Ningpo, Fuchow, e Amoy. Outro tratado no ano seguinte deu o status de Nação mais favorecida ao Reino Unido e acrescentou vantagens à extraterritorialidade britânica. Em seguida, a França garantiu concessões nos mesmos termos que os britânicos, em tratados de 1843 e 1844.

Segunda Guerra do Ópio

Durante 1856-1860, as forças britânicas lutaram no sentido da legalização do comércio de ópio, para expandir o comércio de trabalhadores, para abrir toda a China aos comerciantes britânicos, e isentar as importações estrangeiras dos impostos sobre o trânsito internos. A França se juntou aos Britânico. A guerra também é conhecida como a “Guerra da Seta”, referindo-se ao nome dum navio (“Arrow”) onde começou do conflito. A Guerra da Seta resultou num segundo grupo de portos de comércio criados pelo tratado; mais de 80 portos foram estabelecidos na China, envolvendo muitas potências estrangeiras. Todos os comerciantes estrangeiros ganharam o direito de viajar dentro China.

Nada mais. Basicamente, o Leitor Inglês o Americano aprende que a causa das duas guerras foram”disputas anglo-chinesas sobre o comércio britânico na China e a soberania da China”. O termo “ópio” é citado uma só vez (doutro lado é necessário justificar a designação de guerra “do Ópio”), mas não sozinho: ao lado do comércio dos coolies (palavra que na altura indicava trabalhadores indianos ou chineses).Portanto: uma questão de livre mercado num País que hoje ficaria direitinho na lista dos Países que formam o Eixo do Mal.

É verdade que são presentes as ligações para as páginas dedicadas à Primeira Guerra do Ópio e outra à Segunda Guerra do Ópio, mas não é que a situações melhore de muito. A explicação fornecida para justificar a Primeira Guerra do Ópio é no mínimo risível:

A Primeira Guerra do Ópio (1839-1842), também conhecida como a Guerra do Ópio e a Guerra Anglo-Chinesa, foi travada entre o Reino Unido e a dinastia Qing por causa dos pontos de vista dos beligerantes sobre as relações diplomáticas, o comércio e a administração da justiça para os estrangeiros na China.

Ou seja: o Reino Unido queria civilizar um País retrogrado que não conhecia a diplomacia e nem sabia como administrar a justiça para os estrangeiros no seu território. Começamos bem.

Nos séculos 17º e 18º, a procura por produtos chineses (em particular seda, porcelana e chá) no mercado europeu criou um desequilíbrio comercial porque o mercado para bens ocidentais na China era praticamente inexistente; China era em grande parte auto-suficiente e os europeus não tinham permissão de acesso para o interior da China. a prata europeia fluía para a China […]. Por volta de 1817, os britânicos perceberam que poderiam reduzir o deficit comercial, bem como tornar a colónia indiana rentável negociando o ópio indiano.

Os coitados do Reino Unido estavam no limiar da pobreza por causa do comércio com a China e foram obrigados a introduzir o ópio naquele País simplesmente para compensar as perdas. Tinha-se tornado uma questão de mera sobrevivência. E também de ajudar os pobres indianos.

A Segunda Guerra do Ópio, de facto, pouco teve a ver com a droga, sendo a natural prossecução da primeira, na tentativa de obrigar a China a abrir-se completamente ao “livre mercado “ocidental: viu empenhados mais uma vez os Ingleses, desta vez coadjuvado pelas forças francesas.

Com a conclusão do segundo conflito, a Chian foi obrigada a pagar indemnizações ainda mais pesadas daquelas pagas após a primeira guerra, abrir outros portos, como vimos, isentar as potências estrangeiras dos impostos aduaneiros, aceitar não apenas a livre circulação de comerciantes mas de missionários também.

Única boa notícia: o Reino Unido deixou de importar ópio da Índia. A má notícia: agora era produzido pelo comerciantes estrangeiros directamente na província de Yunnan (vejam lá, outro pormenor esquecido na versão inglesa).

 

Ipse dixit.

Fontes: no texto.