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Filipinas: fora da órbita EUA – Parte II

Rodrigo Duterte

No final do último Verão, o Presidente Rodrigo Duterte anuncia que os próximos exercícios
militares conjuntos entre Filipinas e Estados Unidos serão os últimos, apesar do tratado de defesa assinado em 1951 ainda continuar a ser valido. Válido sim, mas por quanto tempo?

Poucas semanas depois, Duterte voa para Pequim, onde assina vários acordos comerciais com o Presidente chinês, Xi Jinping, e anuncia a “separação” dos EUA e o realinhamento das Filipinas com China e Rússia:

Eu me realinho com o seu [o chinês, ndt] fluxo ideológico e talvez irei para a Rússia também para conversar com Putin e dizer-lhe que há três de nós contra o mundo: China, Filipinas e Rússia. É a única maneira.

Manila, Pequim e Moscovo contra o resto do mundo: não apenas o plano para a Ásia de Barack Obama fracassou, mas entra em colapso todo o andaime geopolítico que mantive a hegemonia dos Estados Unidos no Sudeste asiático durante mais de setenta anos.
O ano de 2016, após a saída do Reino Unido da União Europeia, está a revelar-se como um verdadeiro annus horribilis para o sistema Atlântico. Também porque há um outro risco: que a linha adotada por Manila possa ter um efeito de bola de neve e seja imitada por outros aliados-ocupados dos EUA, Países que assistem ao constante aumento do poder chinês e ao declínio de Washington.

Não acaso, é em Tóquio que Rodrigo Duterte faz o passo seguinte e esta é notícia de poucos dias atrás: em 26 de Outubro, o Presidente das Filipinas anuncia que os acordos militares assinados pelos predecessores serão considerados nulos e todas as tropas dos EUA deverão retirar-se das Filipinas dentro de dois anos. A declaração de Duterte é dirigida apenas para Washington ou também para os milhões de japoneses cansados ​​das bases militares norte-americanas?

E a Casa Branca? Por enquanto está paralisada por via das eleições presidenciais; além dos habituais massacres “islâmicos” e dalgumas operações da CIA, não há outras medidas. Será o sucessor de Barack Obama que terá de escolher se efectuar a retirada das Filipinas (o que provavelmente aconteceria no caso de Donald Trump) ou avançar e derrubar Duterte (mais provável com Hillary Clinton). Os riscos são principalmente geopolíticos mas não podemos esquecer aqueles económicos. E é mesmo aqui que encontramos outro problema levantado por Duterte: a guerra contra as drogas.

As razões da guerra contra o narcotráfico

ISIS nas Filipinas, foto obviamente SITE

A guerra contra o tráfico das drogas realizado com punho de ferro é, ao mesmo tempo, a origem da
enorme popularidade de Duterte entre os filipinos e causa das duras acusações lançadas contra o Presidente por parte de EUA, União Europeia e várias organizações não governamentais (ONG) anglo-americanas.

Os números falam de 2.500-3.000 mortos (numa população de mais de 100 milhões de habitantes) durante quatro meses de operações anti-droga: números que permitem que a Amnisty International, a ONG favorita de Londres e Washington, escreva: “Filipinas: os 100 dias de carnificina de Duterte”. Violação dos direitos humanos, impunidade das forças de segurança, esquadrões da morte, duras acusações contra alguns políticos, parlamentares e oficiais superiores do exército: são estes os conceitos-bases dos detratores do Presidente filipino.

E aqui vai uma curta nota. O sistema implementando pelas forças anglo-americanas em muitos Países em desenvolvimento (e não só) é mesmo este: para erradicar os cúmplices e os “maus hábitos” (a corrupção, por exemplo) importados por Washington, são necessárias medidas de amplo alcance e em alguns casos drásticas também, para eliminar os corruptos em todos os níveis, desde os que cultivam e confecionam as substâncias estupefacientes, até a rede de cumplicidade que permite o transporte e a exportação das drogas. Isso envolve autoridades locais (a polícia que não controla), autoridades nacionais (os militares que “fecham os olhos”) e os referentes políticos (os que tratam de “adequar” as escolhas políticas à comercialização das drogas).

Acção anti-droga nas Filipinas

Mas este mesmo programa de amplo alcance, este mesmo rigor, é depois explorado para descrever
quem deseja combater o narcotráfico como o artífice dum clima “infernal”, ocultando o facto de que ao longo de décadas foram os norte-americanos que criaram e mantiveram as condições ideais para que o mesmo narcotráfico prosperasse.

Isso não significa que a actuação de Duterte seja imaculada, é difícil neste contexto obter notícias imparciais e, infelizmente, sabemos que “há sempre sujidade em todas as limpezas” (citação de Stefano Benni), pelo que não é possível excluir a priori excessos por parte das forças presidenciais. Todavia é interessante realçar como o esquema introduzido por quem explora o narcotráfico seja depois utilizado para acusar quem deseja erradicar o mesmo sistema.

Mas voltemos ao caso-Filipinas: a intenção de desacreditar Duterte, de modo a puni-lo por causa da separação dos EUA, é evidente. Mas há mais do que isso. É preciso perguntar por qual razão a guerra contra o tráfico de droga foi lançada por um candidato anti-sistema, socialista e populista como Rodrigo Duterte; por qual razão os Marcos e os Aquinos, leais aliados dos EUA, têm deixado que as Filipinas se tornassem “narco-Estado”. Será que os EUA têm um qualquer interesse no tráfico das substâncias estupefacientes?

Esta última é, obviamente, uma pergunta retórica: não é preciso seguir as “teorias da conspiração” para obter a resposta, é suficiente abrir os livros de história: há um antigo vínculo entre o império anglo-americano e o tráfico das drogas.

A antiga amizade anglo-americana com as drogas

Consumidores de ópio na China

Tudo começa no século XIX, quando o império britânico consolida a sua presencia na Índia: surge o problema da penetração política e económica da China, hermeticamente fechada perante qualquer contacto com o “mundo bárbaro”. O que vender aos chineses que negam o acesso aos navios britânicos e desprezam qualquer produto ocidental?

A solução, desenvolvida pelas grandes famílias hebraicas da Índia (como os Sassoon), é simples: o ópio. A droga percorre a China, habitua ricos e plebeus, drena metais preciosos dos cofres do Império Celestial em benefício de Londres. Quando as autoridades, perante a decadência social produzida pelo ópio, declaram guerra contra as drogas, os britânicos responderam com canhoneiras (Guerras do Ópio: 1839-1842 e 1856–1860), capturam os portos chineses, se estabeleceram em Hong Kong, inundam o mercado de drogas e obrigam a dinastia Qing a rever a sua política comercial, obviamente em favor dos ocidentais.

O binómio anglo-americanos e drogas começou aí desde então nunca parou. Restringindo a análise apenas à Ásia, devemos lembrar que o exército nacionalista de Chiang Kai-shek, apoiado pelos EUA contra os comunistas de Mao Tse Tung, tirava o seu sustento do tráfico de drogas; podemos mencionar a Air America, a companhia área gerida pela CIA, que funcionava como parceiro activo no Triângulo Dourado do ópio (Birmânia, Laos, Tailândia e Vietnam) e que nos anos ’60 e ’70 acompanhava o contrabando dos narcóticos para conter o “expansionismo comunista”.

Campanha de Clinton para governador

Como curiosidade: a CIA não descuidava o mercado doméstico, sempre bem abastecido e nos anos ’80 um dos aeroportos favoritos para este tipo de negócio era o Mena Intermountain Regional Airport, no Estado do Arkansas. Quem era o governador do Estado na altura? Bill Clinton, o marido da candidata presidencial democrata Hillary Clinton.

Os ganhos do tráfico das drogas garante biliões para as elites nacionais e transnacionais e representa a maneira mais fácil de criar “fundos negros” por conta da CIA, MI6 ou Mossad, financiar assim as suas operações: golpes militares, assassinatos políticos, revoluções coloridas, terrorismo islâmico, sabotagens, etc. Mas há também uma outra finalidade, de carácter geopolítico, já perceptível na Guerra do Ópio: a vontade de desestabilizar e subjugar Países. O tráfico das drogas enfraquece as sociedades, subtrai vitalidade, penetra no aparelho de segurança, corrompe os políticos, permite fazer chantagem: as drogas desgastam um Estado, tornando-o mais fraco e mais facilmente controlado a partir do exterior.

Eis portanto explicada a razão pela qual o Presidente Rodrigo Duterte (que santo não é, fique claro), o qual lançou a cruzada contra as drogas e contra a deriva das Filipinas para a condição de “narco-Estado”, não interpreta apenas a soberania como o encerramento de bases militares estrangeiras, mas também como a erradicação do narcotráfico controlado pela oligarquia Atlântica.

Ipse dixit.

Relacionados: Filipinas: fora da órbita EUA – Parte I

Fontes: Inquirer, The New York Times, The Diplomat, Reuters (1 e 2), Rappler, The Guardian, Philstar, La Repubblica, The Washington Post, Wall Street Journal, Federico Dezzani, SITE, Amnesty Intenational