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O futuro: menos cultura, menos certezas, menos família

Stefania Giannini

O caso: um Ministro responde às perguntas dum jornalista sobre assuntos quais trabalho, família e escola; a entrevista é publicada na internet, logo é apagada; intervém o Ministério para justificar.
Obviamente algo correu mal.

O que podemos fazer? Simples: recuperar a entrevista e tentar entender. E após a leitura percebe-se a reacção do Ministério, percebe-se o facto do The Huffington Post ter apagado o conteúdo.

Para boa sorte, o diário para o qual trabalha o entrevistador, o suíço Il Corriere del Ticino, não faz marcha atrás e republica tudo de forma integral. Então pouco interessa a nacionalidade do entrevistado (o Ministro italiano Stefania Giannini), porque aqui temos uma bonita visão daquele que será (provavelmente) o futuro da nossa sociedade, independentemente das latitudes.

Eis alguns trechos da conversa recolhida pelo jornalista Luke Steinmann:

Ministro: A Itália paga um sistema de ensino excessivamente teórico, ligado às nossas raízes clássicas. Saber não significa necessariamente saber fazer. Para treinar pessoas altamente qualificadas, como o mercado exige, é necessário dar a impressão duma educação mais prática, libertando-a das limitações que podem resultar duma imposição clássica e muito teórica.

Jornalista: A formação italiana, no entanto, é quase sempre a razão pela qual os estudantes italianos se destacam no exterior perante os seus pares estrangeiros. Eu mesmo já experimentei este privilégio em primeira pessoa e tenho certeza que qualquer um que se tenha encontrado nesta situação pode concordar.

Ministro: Certamente não devemos negar as raízes clássicas do sistema italiano, todavia é necessário manter o ritmo dos tempos e preencher a lacuna que nos separa dos países competitivos. O mercado exige a formação de pessoas flexíveis e a abordagem muito teórica do sistema italiano é susceptível de ser um obstáculo.

Interessante troca de opiniões. A escola consegue fornecer alunos preparados, com resultados superiores à média; todavia, o mercado exige indivíduos mais “flexíveis” (e a seguir vamos ver em que consiste esta “flexibilidade”), portanto a escola (e não o mercado) tem que mudar: menos teoria e mais prática. Porque a teoria arrisca ser um “obstáculo”.

Jornalista: Para falar de flexibilidade, este conceito em Itália é considerado equivalente ao de insegurança. É possível, portanto, afirmar que a flexibilidade não é sinónimo de precariado?

Ministro: Sim. A flexibilidade deve significar dinamismo e mobilidade do trabalho e das pessoas, mesmo que isso esteja infelizmente associado ao precariado. Com as reformas queremos introduzir uma flexibilidade virtuosa tanto social quanto profissional.

Jornalista: Um modelo deste tipo é, por exemplo, aquele americano, cuja economia está baseada na flexibilidade, portanto naquele que é chamado de precariado, embora muitas vezes seja pago muito melhor do que em Itália. O economista-chefe do Partido Democrático, Filippo Taddei, disse que o modelo final para o qual a Itália pode aspirar é o americana. Compartilha essas posições?

Ministro: Sim, desde que seja lembrado como nenhum modelo é exatamente replicável e que a Itália tem as suas particularidades que devem ser mantidas. Mesmo assim é necessário proceder no sentido de tornar o mercado mais flexível. A rigidez do século XX deve ser abatida. As pessoas devem ser capazes de se mover e mover-se de acordo com qualquer exigência do trabalho ou humana.

Trabalho duradouro? Já foi. O mercado precisa de indivíduos que saltitem consoante as exigências do
mesmo mercado.

Não são os homens que mandam, é o mercado: não é o mundo do trabalho que deve ser adaptado às condições da vida humana, é extactamente o contrário. Algo que fica bem claro a seguir:

Jornalista: Sempre Taddei disse que devemos “taxar o que ainda é imóvel e promover o que é móvel”. Num tal sistema, para os indivíduos é certamente mais difícil ter certeza. Pensamos sobretudo nas mulheres, que por razões biológicas precisam talvez de mais garantias no curto e médio prazo do que os homens, mesmo ter o tempo para decidir com calma se ter filhos. Concorda?

Ministro: Sim, concordo. Eu mesma, logo após ter tido o meu primeiro filho, deixeis geograficamente a minha casa para ir trabalhar, deixando o pai com a tarefa de lidar com a criança diariamente. O meu era um comportamento atípico para a época, mas terá que tornar-se normal no futuro, porque também as mulheres devem ser capazes de se mover. É certo que aquele das mulheres é um dos maiores desafios do novo sistema.

Pelo que: mulheres, desejam ter um filho? Sim, pode ser, mas com uma certa rapidez, porque o mercado está a chamar. E a família?

Jornalista: Um novo elemento será definitivamente representado também pela família. Num sistema flexível como aquele descrito, dificilmente haverá espaço para uma família tal como conhecida até agora, dificilmente será entendida como uma forma de estabilidade e de segurança para o indivíduo.

Ministro: É verdade, eu mesma tive a sorte de receber estabilidade e segurança por parte da minha família. No entanto, o modelo que foi promovido pela geração dos meus pais, ambos nascidos na década de ’20, é inevitavelmente destinado a mudar com a sociedade que, tornando-se mais flexível, precisa que os núcleos familiares o sejam também. Gostaria que a flexibilidade fosse considerada no futuro como sinónimo de abertura.

Vamos resumir os conceitos expressos pelo Ministro: o mercado precisa de indivíduos mais especializados, com menos preparação teórica e mais prática. Isso dará direito não a uma ocupação fixa mas “flexível”, que obrigará a deslocalizações geográficas porque as pessoas terão que mover-se de acordo com as exigências do trabalho. A consequência será uma novo tipo de agregado familiar, também de tipo flexível, onde a estabilidade e a segurança serão abandonados mesmo perante o aparecimentos de filhos, porque as mulheres também terão que deslocar-se.

Portanto, a intenção é atacar o núcleo da sociedade, a família, partindo-a e tornando mais frágeis as ligações no seio dela, desde os primeiros anos de vida. Neste aspecto não estão presentes aqui novidades, apenas confirmações acerca de como deverá ser a sociedade no futuro segundo os arquitectos do Poder.

Mas quem é Stefania Giannini? Uma neoliberal? Uma empresária prestada ao mundo da política? Nada disso: é professora universitária e desde Fevereiro de 2014 é Ministro da Instrução, da Universidade e da Pesquisa no governo do Primeiro Ministro Matteo Renzi. Um governo de Esquerda. E a mesma Giannini é inscrita no Partido Democrático, o ex-Partido Comunista Italiano.

Ipse dixit.

Fonte: Il Corriere del Ticino