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A vitória do Sim: após Dilma

O Sim ganhou e agora o processo de impeachment segue o percurso que o levará até o Senado do Brasil.

Poderá o PT travar aí a destituição da Presidente? Não sabemos. Mas, mesmo que consiga, será um governo terrivelmente fragilizado. E o Brasil agora precisa de tudo, mas não dum governo débil.

É preciso enfrentar a crise económica e com urgência. É preciso construir infraestruturas, aquelas que foram sacrificadas para construir os estádios dos Mundiais de Futebol e as Olimpíadas. Estradas, autoestradas, centros logísticos, portos, aeroportos capazes de impulsionar a exportação, de atrair os investidores sobretudo estrangeiros.

Poderá um governo tão frágil fazer isso? Desenhar e implementar um programa de grande esforço nacional para encontrar uma saída perante a actual queda económica? Não.

Do ponto de vista político a situação é péssima, como é óbvio. Lula arrisca na operação Lava Jato, o Presidente da Câmara (do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, da coligação governamental) está também a ser investigado (e já acusado) pelo crime de corrupção. O País está dividido como nunca desde que voltou a Democracia. E nem a oposição, que já está a negociar o pós-Dilma, terá vida fácil porque o sistema político entrou numa espiral de involução que cada vez mais provoca a desconfiança do eleitorado.
Também os repetidos episódio de corrupção assustam os investidores e por isso seria precisa uma profunda limpeza, algo impossível sem envolver a quase totalidade dos actuais partidos.

Aquela que pode parecer uma simples afirmação demagógica é na verdade um facto que os Brasileiros bem conhecem; e que foi mais vezes reconhecida até ontem pelos mesmos políticos presentes na Câmaras. A defesa de alguns deputados é arrepiante: afinal o PT não roubou mais do que os outros partidos. O que, dito de outra forma, significa “Sim, sabemos que há corrupção, não desde hoje, e isso é normal”. Por esta razão o impeachment de Dilma é inútil. A destituição da Presidente e a substituição por outro executivo terá como resultado o procrastinar os actuais hábitos de má conduta: será substituído um grupo de poder com outro, nada mais do que isso, pois os problemas ficarão na mesma.

Entretanto há no horizonte medidas que não poderão ser adiadas, como subida dos impostos ou revisão do sistema de previdência. As contas públicas precisam disso e, dado que nem um governo de Esquerda nem um de Direita terão a coragem de implementar um rumo realmente inovador neste aspecto, a estrada a ser percorrida está já marcada. Como afirmado: não serão tempos simples os próximos.

Voltemos ao impeachment: um eventual novo governo terá muitas das fragilidades do actual executivo. A mais importante é a legitimidade, jogada em duas frentes. Uma é a corrupção: como afirmado, não é simples encontrar no Brasil um partido não corrupto. E mesmo assim alguém terá de governar. A segunda é a legitimidade fornecida pelo eleitorado, que nas últimas presidenciais escolheu Dilma e relativo executivo. Qualquer novo governo será perfeitamente legítimo do ponto de vista da legislação, mesmo assim, e independentemente da área política, será percebido pelo eleitorado como algo “ilegítimo”, tendo nascido fora das urnas.

Portanto: que Dilma fique ou que Dilma seja substituída, a actual situação política brasileira deixará como herança um executivo sem os “plenos poderes” dos quais precisaria. E isso com cada vez margem de manobras para entendimentos entre partidos no poder e oposição, dado o clima quente vivido até nas ruas.

Última observação, sempre acerca do impeachement.
O processo de impeachment pode ser inútil mas não é golpe. Este termo, ouvido milhares de vezes nestas últimas semanas, representou o extremo e patético reduto do governo: muito pouco para ser uma defesa eficaz. Quem fala de golpe não sabe do que fala. Há regras, ditadas pela Constituição brasileira, e estas regras estão a ser seguidas. A Câmara pronunciou-se acerca do processo de impeachment, tem plena legitimidade para isso. Dilma foi escolhida pelos eleitores? Com certeza. Mas também os representantes da Câmara e do Senado: e estes têm todo o direito de opinar acerca da viabilidade duma destituição. E é triste que o PT não tenha sido capaz de ir além do simples grito “Golpe!”.

Para acabar: eis uma nota pessoal que não é mais do que uma curiosidade.
Segui a votação na Câmara pela televisão e fiquei surpreendido pelo ar de estádio que pairava no ar. Uma confusão absoluta, com deputados reunidos em volta do microfone, bandeiras, chapéus esquisitos, improváveis t-shirt, dedicatórias para a esposa, filhos, pais vivos e mortos, fotógrafos que saltitavam dum lado para outro, smartphones a capturar os momentos mais interessantes, coros, e mais ainda.

Tinha observado as sessões da Câmara nos dias anteriores e a confusão estava quase ao mesmo nível, ao ponto que em determinadas alturas era quase complicado ouvir o que os deputados diziam. 

Agora, não é a forma que estabelece a importância do acto, disso não há dúvida: o que conta é o acto em si e quem escreve não é de todo muito respeitoso da “forma”. As posturas excessivamente rígidas geram só irritação. Todavia, qualquer deputado deveria ter um profundo respeito pela instituição na qual opera porque não é uma instituição qualquer: é o coração da actividade política do País, é, em teoria um lugar sagrado pela Democracia. Um maior respeito em relação à instituição significaria também uma maior respeito em relação aos mesmos deputados e ao trabalho deles.

É também assim que se consegue transmitir a ideia de “autoridade”, de “seriedade”. O clima tipo estádio, pelo contrário, torna a Câmara quase uma bancada de adeptos futebolísticos: qual a sensação, e o respeito, que terão os cidadãos perante uma Câmara-estádio? Mas este não é de todo o maior problema do Brasil nestes dias…

Ipse dixit.