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Porque o preço do petróleo é tão baixo?

Em Junho de 2014, o preço do barril de petróleo tinha atingido 106 Dólares.

“Nunca mais teremos um preço abaixo dos 100 Dólares, os tempos do petróleo barato acabaram” foram as palavras dos especialistas. De facto, o barril tinha chegado até 144 Dólares e nada fazia prever uma queda significativa: todo o mundo económico começou a fazer previsões tendo como base um preço acima dos 100 Dólares.

Ontem o barril foi vendido em troca de 30 Dólares. O que aconteceu?

Na verdade aconteceram não uma mas várias coisas. E, como sempre acontece em casos como estes, nada é tão simples como parece.

Arábia: o peão enlouquecido

Ou na Arábia Saudita enlouqueceram ou estão a interpretar um papel: guerra no Yemen, financiamentos para o Estado Islâmico, pacto secreto com o arqui-inimigo israel e, claro está, preço do petróleo ridiculamente baixo.

Apenas duas possíveis explicações? Talvez, vamos vê-las.

1. a Arábia decidiu aproveitar do particular momento de incerteza vivido nos Estados Unidos para desenvolver um papel de protagonista no Oriente Médio.

E que haja incerteza nos EUA é evidente: até poucos anos atrás, o caso-Síria teria sido resolvido à boa maneira americana, com botas no terreno, tropas de “manutentores de Paz”, implementação dum regime “democrático”, depois retirada para deixar atrás um País no caos. Foi exactamente isso que aconteceu no Iraque, no Afeganistão, na Líbia. Mas com a Síria a coisa está diferente: há quatro anos que Washington “quer” mas “não pode”.

Somarmos a isso um Presidente que desiludiu e que em breve será substituído (eleições em Novembro): Obama não fará grandes coisas nestes últimos meses de Casa Branca. Eis portanto que a família real de Riad decidiu jogar as suas cartas: afundo contra os xiitas da região (Yemen e Irão) e preço baixo do petróleo para…? Pois, para quê? Para estrangular a Rússia? Mas a Rússia não é o alvo da Arábia. Para estrangular o Irão? O Irão não se estrangula só com o petróleo barato. Não, o preço baixo neste alegado protagonismo de Riad não encaixa no quadro geral. Então pode ser que a explicação possa ser a sucessiva.

2. a Arábia actua como peão dos Estados Unidos, baixando o preço do crude para pôr em dificuldade a Rússia, verdadeiro objectivo desta guerra de preços.

Isso faz muito mais sentido. E as aventuras bélicas de Riad fazem parte da bem conhecida estratégia
do caos tipicamente americana.

A Arábia faz o trabalho sujo: traz o Isis na Síria para desestabilizar o regime local, traz as tropas de radicais islâmicos até as fronteiras do Irão, traz o Isis no interior dum Iraque que estava a afastar-se de Washington, ataca um País (o Yemen) que é miserável mas que está do lado político errado (perto do Irão) e num ponto geográfico errado (às portas do Mar Vermelho). Miserável e azarado.

Definitivamente, a segunda hipótese parece fazer bem mais sentido.
Mas que tal um mix das duas explicações? Um desempenho (talvez provisório e/ou aparente) dos Estados Unidos da região, concordado com uma Arábia que ao mesmo tempo está desejosa de desenvolver um papel central no Oriente Médio, começando com a eliminação da oposição xiita (condição que satisfaz também os EUA): uma casa real já não apenas fornecedora de petróleo mas também entidade agregadora política e religiosa. Afinal, os três protagonistas regionais (Arábia, EUA e israel) têm muito em comum e, sobretudo, têm inimigos em comum: um Irão apoiado pela Rússia (e aqui faz sentido o petróleo barato como arma).

Se o joguinho funcionar, boa parte do Oriente Médio ficará suficientemente “ocidentalizado” e controlado, mesmo permanecendo islâmico (sunita). Tudo sem que um único soldado de Washington tenha que sujar as botas com a areia (a não ser aqueles enviados no Iraque para apanhar as moscas do Isis).

Se o joguinho funcionar… mas será mesmo assim? E ao longo de quanto tempo a Arábia pode permitir-se preços tão baixos? Porque a moeda tem dois lados.

Com preços como estes, a China adquire cada vez mais
petróleo saudita (bem barato) e abandona aquele russo, um pouco mais caro.
Os Russos perdem? Depende do ponto de vista: perdem (temporariamente)
vendas, mas ganham em armazéns, que ficam cheios. Tentamos ver a coisa
numa outra óptica: os Sauditas vendem petróleo com uma margem de lucro
praticamente nula, os Russos acumulam crude que poderá ser vendido a
preços bem melhores uma vez passada a tempestade.

Será que em Washington não sabem disso? Sabem, sabem… Significa isso que Washington espera “arruinar” Moscovo no prazo de poucos meses? Altamente improvável: a Rússia não é a Venezuela, há mais do que petróleo. Há o gás, por exemplo, e muito. Uma imensidade de gás que a Europa, por exemplo, continua a comprar.

O que Washington pode esperar é pôr em algumas dificuldades Moscovo, não mais do que isso. Mas, em troca, arrisca matar no berço a sua mais querida criatura, o shale oil: vale a pena? 

Outsider: o fracking

Simpática a explicação não é? Simpática mas um pouco “simples”, porque pressupõe a existência de grandes amigalhaços, com os mesmos projectos e em perfeita sintonia. Assim não é.

A Arábia Saudita é petróleo e tâmaras. Enquanto é possível condicionar o resto do planeta com a produção de petróleo, com a exportação de tâmaras a coisa já é mais complexa.

A indústria americana do fracking projectou os seus investimentos tendo como base a previsão de que
o petróleo iria permanecer na faixa de 70 – 130 Dólares por barril: os EUA gastaram mais de 5.000 bilhões para exploração e desenvolvimento. Isso produziu uma enxurrada de petróleo, o que reduziu a quota dos produtores da OPEP no mercado. A Arábia Saudita estava a perder terreno em relação aos seus concorrentes, tanto da OPEP quanto do fracking.

Hoje, na base do colapso dos preços do petróleo, podem estar factores económicos: o excesso de oferta da matéria-prima face a desaceleração económica global e o valor do Dólar. O aumento do valor do Dólar tem sido especular face a diminuição dos preços do petróleo, porque o petróleo é negociado em Dólares. Isso é: os Países com outras moedas, para comprar petróleo, devem primeiro comprar Dólares, que desta forma se torna uma moeda mais procurada e portanto aumenta o seu valor.

Dólar mais caro significa petróleo mais caro: então a procura do petróleo desce e os produtores têm que reduzir a extracção para manter o preço estável. Em tempos de estagnação económica, como acontece nestes anos, seria normal reduzir a produção. Mas isso não aconteceu: na verdade, a produção de petróleo bruto aumentou apesar da recessão. Porquê? Porque a Arábia Saudita elaborou um plano para eliminar os produtores de óleo de xisto (shale oil) e recuperar a parte de mercado perdida.

Seria um grave erro subestimar este factor: do ponto de vista da Arábia o petróleo é tudo. Além das tâmaras, claro. Com o preço atingido ontem, 30 Dólares por barril, a industria do shale oil ficaria exterminada ou quase (extrair petróleo com o fracking é bem mais caro do que com o método clássico dos poços), mas os Sauditas também têm os problemas deles: a margem de lucro por cada barril cai de forma abrupta, até o ponto que a casa de Riad  precisa de abrir os cofres para atingir as reservas após ter destruído o seu orçamento.

Já 80 Dólares por barril seria conveniente do ponto de vista saudita mas continuaria a conceder margem de manobra para o fracking. Solução optimal? Entre 50 e 60 Dólares por barril. Esta seria a faixa de preço que eliminaria o shale oil mas não sobrecarregaria demais as finanças árabes.

Todavia há um problema. Por causa do preço reduzido, mais de mil torres de fracking foram eliminadas nos EUA (e adeus autonomia petrolífera proclamada pelo simpático Obama), todavia a produção de óleo de xisto ainda não parou. E nem vai parar. Por qual razão? Porque o agricultor que descobriu ter petróleo debaixo do seu campo antes recebia 50.000 Dólares por mês da companhia petrolífera, hoje recebe apenas 5.000 Dólares (porque a companhia teve que cortar os preços para sobreviver): mas do ponto de vista dele são sempre 5.000 Dólares que entram em caixa sem mexer um dedo. As companhias continuam a produzir, com uma margem mínima e sacrificando a pesquisa, no entanto sobrevivem à espera de tempos melhores.

Resultado: preço nos 30 Dólares e Arábia Saudita que queima dois bilhões de Dólares por semana para cobrir os buracos orçamentais. É uma situação que a casa de Riad não pode manter ao longo de muito tempo: a guerra contra o shale oil parece ter sido parcialmente perdida.

Também porque nestes dias Teherão apresentou, perante uma plateia de 137 empresas estrangeiras, novos modelos contratuais para a exploração das reservas de petróleo e gás que as autoridades locais pretendem aplicar já em 2016. Com termos contractuais mais favoráveis (em particular, a duração dos contratos que passa de 5 para 25 anos), o Irão tem o objectivo de aumentar a sua produção de petróleo de 2.9 milhões de barris por dia para 4.7 milhões de barris (isso também explica toda a pressa que a Arábia tem tido para abater o regime iraniano).

Perdida (parcialmente) a guerra contra o shale oil, com o Irão a dobrar a produção atraindo investidores estrangeiros, é normal que o preço do petróleo volte na casa dos tais 50-60 Dólares por barril já neste ano. Isso permitiria ganhos aos produtores tradicionais mantendo em sofrimento os novos produtores de petróleo de xisto. O que parece a solução optimal, apesar desta representar uma derrota do ponto de vista da Arábia, disso não há dúvida.

A China

Arábia, Irão, Estados Unidos, Rússia… não estamos a esquecer alguém? Ah, pois: a China!

Como já realçado, a China atravessa um momento de dificuldade. E a China é o maior importador mundial de petróleo. O que aconteceria nesta altura se o barril voltasse aos “clássicos” 100 ou mais Dólares? Falamos dum País que já enfrentou dificuldades para encontrar gasóleo suficiente para pôr em marcha os seus camiões.

A verdade é que a China está sedenta de petróleo, precisa desesperadamente dele para que a sua máquina de produção continue a funcionar. Máquina de produção “sua”? Não: máquina “nossa”. Façam um inventário mental para lembrar quantas empresas ocidentais investiram (e de que maneira!) no mercado chinês; espreitem nas lojas, na parte debaixo dos objectos à venda, e vejam quantas vezes aparece o “Made in China”. Pensem na miríade de importadores, nas unidades de produção lá deslocadas.

A simples verdade é que o preço baixo do barril tem ajudado até agora Pequim a atravessar uma das piores alturas económicas dos últimos anos. Uma ajuda muito, muito preciosa. Ninguém deseja que a máquina chinesa se parta, nem os Americanos (sobretudo eles), porque o resultado seria catastrófico. Numa economia doentia e globalizada como a nossa, a falha da fábrica do mundo poderia trazer consequência inimagináveis.

Pode ter sido esta uma das razões do preço baixo do petróleo? Difícil responder, ninguém fala do assunto. Mas a ideia dum barril barato para fazer falir a Rússia parece algo um pouco …”naif”. A Rússia não irá dobrar-se por causa do preço do petróleo, pois a Rússia não é só petróleo (a Arábia sim, é só isso). O Irão, como acabamos de ver, está a preparar-se para aumentar a produção e pôr em dificuldades os Árabes com ofertas bem mais aliciantes. O shale oil sobrevive (mal e apenas por enquanto). E, no meio disso, a Aramco está a ser vendida e passará nas mãos de Wall Street (toda não, custa demais). Talvez seja o caso de não subestimar a situação económica chinesa para justificar também um barril tão barato.

Mas quanto petróleo há?

Mas num mundo como o nosso, que queima petróleo duma forma assustadora, quanto petróleo em excesso existe actualmente? A resposta varia consoante as fontes. Não só: mas é preciso também considerar o actual nível de produção (que não depende apenas da Arábia) e o andamento da procura ao longo dos próximos meses. O que é “excesso” hoje pode ser “escassez” amanhã ou até “hiper-excesso”.

Tentamos fazer duas contas.

No total, dizem os analistas, há um excedente de 2 milhões de barris de petróleo por dia. Isso é: a cada dia são produzidos 2 milhões de barris de petróleo que ultrapassam a procura mundial. Toda culpa da Arábia? Até um certo ponto: é verdade que os Sauditas estão a bombear como desgraçados (e são os maiores produtores agora), mas também é verdade que:

Para que o excesso de petróleo (que é real: os armazéns das reservas – 1.400 milhões de barris – estão cheios ate os limites) desapareça, é precisa pelo menos uma das duas seguintes condições:

  1. que alguém corte na produção
  2. que a procura aumente.

Acerca do segundo ponto o discurso parece estar fechado. Com a China em dificuldade (maior comprador mundial), não se vê ninguém que possa substitui-la.

Acerca do primeiro ponto a questão é mais complexa. EUA e Canada já baixaram a produção (e não de forma voluntária: simplesmente, o investimento já não compensa) e isso terá os seus efeitos (- 1 milhão barris/dia). Para a segunda metade de 2016, como afirmado, é previsto que apenas Brasil e Reino Unido (e talvez a Rússia, mas é improvável) continuem nos actuais níveis, pelo que a oferta deverá ser mais reduzida e o preço deverá subir (esta não é nenhuma notícia “censurada”, é suficiente ler um qualquer relatório, como o da Morgan Stanley).

Subir quanto? Não muito, provavelmente em volta de 50 Dólares/barril. Não mais, porque caso contrário o shale oil dos EUA poderia tornar-se competitivo. E, em qualquer caso, só na segunda parte do ano. Portanto, e por enquanto, prováveis ainda 6 meses de preços baixos, talvez até 20 Dólares/barril (parecia um disparate esta previsão da Goldman Sachs feita no final do ano passado, mas pelo visto…). Por qual razão 20 Dólares ao barril? Porque algumas empresas americanas de shale oil poderiam resistir até a fasquia dos 25-20 Dólares.

Possíveis mais de 6 meses de preços tão baixos? Não. Com preços como estes entra em risco a finança: 50% dos títulos emitidos pelas companhias energéticas podem ficar sem coberturas e falamos aqui de 180 biliões de Dólares. Seria o montante mais elevado após a crise de 1939.

Resumindo…

Resumindo: neste artigo podem encontrar tudo e o contrário de tudo. Arábia contra o shale oil americano, Americanos cúmplices da Arábia para manter o preço baixo, Rússia em dificuldades, Rússia que ganha… lamento, pessoal, esta é a nossa sociedade, é assim que funciona.

Queremos fazer um pouco de luz? E vamos a isso. Mas para que tal aconteça, esqueçam a história do preço baixo para fazer falir a Rússia: esta não pode ser (e não é) a única explicação, em jogo aqui há muito mais do que isso.

A Arábia Saudita quer eliminar a concorrência porque sabe que os próximos tempos serão muito complicados. O objectivo é o Irão, contra o qual está a atirar não apenas petróleo barato mas armas com jihadistas em anexo. Neste aspecto, a Arábia tem pressa, uma pressa danada porque o acordo sobre o nuclear entre Irão e EUA (e o fim das relativas sanções) arrisca ser um golpe muito duro.

Outro objectivo é o shale oil: em 2015 Riad perdeu o primeiro lugar como produtor mundial de petróleo e isso mina o seu papel de (quase) monopólio no mercado do crude.

Os EUA? Esperam. Afinal só podem ganhar duma luta entre “inferiores”. Perdem o shale oil? Pouco mal, quem sabia (Rothschild, Blackrock, etc.) já tinha retirado o seu dinheiro dos activos petrolíferos, quem perde agora são os peixes pequenos. E o shale oil não desaparece, fica sempre aí, debaixo da terra. Quando a situação melhorar, será extraído outra vez. Entretanto os Sauditas são obrigados a vender as joias de família, como a Aramco. Wall Street agradece, isso bem vale o coma do shale oil.
Entretanto encaixam uma Rússia em temporária dificuldade (isso sim, vende menos petróleo do que antes).

A Rússia? Não irá falir por um barril vendido em troca de 30 Dólares, nem 25 ou 20. A situação é parecida com aquela dos EUA: fica à janela e observa. A China compra dos Sauditas? Sim, por enquanto sim. Mas voltará a tocar a campainha, é só questão de alguns meses: e os armazéns russos estão cheios, será só fazer caixa.

E a propósito da China: se a Arábia tem pressa, Pequim não brinca. Desvalorizar o Yuan pode funcionar ao longo duns tempos, mas não muito. Ou encontra uma saída e bastante rápida ou quando o petróleo voltar a subir (final do ano?) serão dores. Para todos.

Ipse dixit.