A relação entre Rússia e Israel

A Muy Nobre Maria acaba de enviar um artigo deveras interessante que ilumina (ou talvez
complique, pontos de vista….) o que acontece no Oriente Médio.

Mas não só: bem demonstra quanto profundo e enraizado seja o emaranhado de interesses e poder atrás do jogo das partes que oficialmente todos conhecemos. Um artigo que poderia entrar de direito na série dedicada ao Poder, não fosse por um par de pormenores que serão observados no fim.

O artigo é do óptimo The Saker, sito cuja leitura aconselho (são disponíveis versões dos artigos em Francês, Alemão, Russo, Espanhol além do Inglês: é só procurar Saker Community na primeira página). O artigo é comprido, sim senhor: mas a matéria é complexa.

Putin e Israel: uma relação complexa e estratificada

O recente assassinato de Samir Kuntar por parte de Israel inflamou, mais uma vez, a discussão sobre a relação de Putin com Israel. É um tópico imensamente complicado e os que desejem ‘explicações’ enlatadas, simplórias, podem parar de ler aqui mesmo. A verdade é que a relação entre Rússia e Israel e, mesmo antes de discutir isso, entre russos judeus e russos de outras religiões, merece um livro inteiro.

Alexander Solzhenitsyn já escreveu exactamente esse livro, intitulado 200 Years Together (“200 anos juntos”), mas, por causa do controle férreo que os sionistas exercem sobre os media em língua inglesa, o livro ainda não foi traduzido (oficialmente) para o inglês.

Já isso diz muito sobre o assunto: o facto dum autor aclamado em todo o mundo, que recebeu um Prémio Nobel de Literatura, não possa ter um seu livro traduzido em inglês porque o que lá está escrito poderia minar a narrativa oficial sobre as relações entre russos judeus e judeus em geral, e, em especial, na política russa do século 20. Que outra prova alguém precisaria para demonstrar a subordinação do Império Britânico aos interesses sionistas?

Já escrevi sobre esse assunto no passado e peço que, no mínimo, leiam os dois artigos abaixo indicados antes de prosseguir:

Antes de considerar algumas das idiossincrasias do relacionamento russo-israelita, quero chamar a atenção para um aspecto muito importante: não se deve assumir simplesmente que o relacionamento entre judeus e não judeus na Rússia seja similar ao que se vê no Ocidente. Não é assim. Absolutamente não.

Sem entrar em discussões detalhadas da emancipação dos judeus no Ocidente, e o longo percurso desde os shtetls [povoações ou bairros de cidades com população predominantemente judaica, principalmente na Europa Oriental, como por exemplo na Polónia, Rússia ou Bielorrússia, antes da Segunda Guerra Mundial, ndt]. dirigidos por rabinos, até os Conselhos Directivos das maiores empresas ocidentais, direi apenas que, para os russos judeus, esse processo de emancipação aconteceu de modo muito mais violento e catastrófico.

A segunda grande diferença entre judeus ocidentais e judeus russos é que, entre 1917 e 1939, um específico subgrupo de judeus (judeus bolcheviques) esteve no controle quase total de toda a Rússia. Durante aquele período, os judeus bolcheviques perseguiram os russos de várias religiões, especialmente os russos cristãos ortodoxos com ódio verdadeiramente genocida. É um facto que a história regista, do qual muitos russos têm pleno conhecimento, ainda que até a menção a esse tema seja considerado “crime de pensamento” em vários círculos ocidentais. Também é importante destacar que os judeus bolcheviques perseguiram não só cristãos ortodoxos, mas todos os grupos religiosos, inclusive, aliás, muitos grupos de judeus.

No segundo dos artigos acima mencionados já discuti essas questões. Agora, só desejo mostrar que Putin é claramente consciente deste passado e que teve suficientes coragem e honestidade intelectuais para lembrar aquele passado aos judeus russos nossos contemporâneos.

O outro facto absolutamente crucial sobre o relacionamento entre Rússia e Israel é a imigração de judeus russos para Israel. Aqui, só apresentarei uma lista resumida de razões pelas quais esse factor é crucialmente importante:

  1. Independente dos imigrantes terem acabados para Áustria, Alemanha, EUA ou Israel, a imigração de russos judeus para Israel permitiu que saíssem de lá os judeus que não queriam permanecer na Rússia. Simultaneamente, os que não quiseram sair ficaram por opção, por decisão própria. Significa isso dizer que a maioria, se não todos os judeus russofóbicos e os que odiavam os cristãos deixaram a Rússia. Os judeus que ficaram fizeram-no porque decidiram que a Rússia era a casa deles.
  2. Um grande número (há quem estime em cerca de 20%) de autodeclarados  “judeus” que deixaram a Rússia não eram absolutamente judeus, inclusive alguns dos que se estabeleceram em Israel. A verdade é que as dificuldades económicas e sociais que a sociedade soviética enfrentou na era Brezhnev & Co. e na Rússia da era Ieltsin levaram muitos não-judeus, de nacionalidade russa, a inventarem para si mesmos inexistentes identidades judaicas, só para poder emigrar. Significa isso que há muitos russos verdadeiramente russos em Israel aceites como judeus.
  3. Como resultado desta grande imigração, há incontáveis laços pessoais entre indivíduos e famílias que hoje vivem em Israel e na Rússia. Significa que, por exemplo, se choverem foguetes do Iraque ou do Hezbollah em Israel, há, na Rússia, pessoas que se preocupam pessoal e directamente com amigos e parentes em Israel, mesmo que não aprovem as políticas israelitas.
  4. A chamada “Máfia Russa” é, de facto, predominantemente uma máfia de judeus russos. É particularmente verdade no Ocidente. Na Rússia há gangues constituídas de judeus; são máfias de judeus, mas não são máfias judaicas. Gangues de russos e de judeus dão-se tradicionalmente muito bem, e também construíram o que se pode considerar como “laços de negócios” entre oligarcas russos judeus e Israel.
  5. Na época de Ieltsin, a Rússia foi governada de facto pelo que se chamava o semibankirshchina, o “governo dos Sete Banqueiros”. Eram os sete maiores banqueiros da Rússia, os quais eram proprietários de cerca de 50% de toda a economia russa. Todos, excepto um (Potanin), eram banqueiros judeus.
  6. Durante os anos de Ieltsin, a vasta maioria dos membros do governo e, especialmente, os seus conselheiros, eram judeus. Praticamente todos os media também eram controlados por milionários judeus. Para ter uma ideia de como essa foi uma forte tendência na década dos anos ’90, vejam uma lista de pessoalidades judaicas que ocupavam lugares-chave na Rússia durante os anos de Ieltsin

Governo:
Ministro da Economia: Yasin – judeu.
Ministro da Economia: Urinson – judeu
Ministro das Finanças: Panskov – judeu
Ministro das Finanças: Vavilov – judeu
Presidente do Banco Central: Paramonov – judeu
Ministro das Relações Exteriores: Kozyrev – judeu
Ministro da Energia: Shafranik – judeu
Ministro das Comunicações: Bulhak – judeu
Ministro dos Recursos Naturais: Danilov- judeu
Ministro dos Transportes: Efimov – judeu
Ministro da Saúde: Nechayev – judeu
Ministro da Ciência: Saltykov – judeu
Ministro da Cultura: Sidorov – judeu

Comunicação:
Novosti: Golembiovskiy – judeu
Komsomolskaya Pravda: Fronin – judeu
Moskovsky Komsomolets: Gusev (Drabkin) – judeu
Argumenti i Fakti: Starks – judeu
Trud: Potapov – judeu
Moskovsky Novosti: Karpinski – judeu
Kommersant: Yakovlev (Ginsburg) – judeu
Novyy Oblik: Dodolev – judeu
Nezavisimaya Gazeta: Tretyakov – judeu
Vechernyaya Moskva: Lisin – judeu
Literaturnaya Gazeta: Udaltsov – judeu
Glasnost: Izyumov – judeu
Sobesednik: Kozlov – judeu
Sel’skaya zhizn: Kharlamov – judeu.
Sovershenno Sekretno: Borovik – judeu.

Televisão e rádio:
Ostankino: A. Yakovlev – judeu
Radio e Television de Estado: Poptsov – judeu.

Semibankirshchina, o governo dos sete banqueiros:
Aven – judeu
Berezovsky – judeu
Gusinsky – judeu
Potanin – não judeu
Smolensk – judeu
Friedman – judeu
Khodorkovsky – judeu
Roman Abramovich – judeu.

Boris Yeltsin

O esquema da lista dos lugares-chave nos governos soviéticos de 1917-1939 (que podem ser encontrados facilmente na internet) é muito parecida.

Na verdade, quem prepara estas listas nem sempre está motivado pelo mais elevados objectivos científicos e não se sente limitado pelas leis que regem a construção de provas válidas. Por isso, é possível que alguns desses nomes apresentados como “judeus” na verdade não o sejam. Mas mesmo que se admita uma ampla margem de erro, pode-se facilmente perceber o quadro geral.

Assim como entre 1917 e 1939, também entre 1991 e 1999 (dois períodos que acabaram em catástrofe) havia muitos russos judeus nos postos-chave do poder na Rússia. A grande diferença é que, se no início do século XX os russos que controlavam o poder no País eram judeus que se opunham ideologicamente ao Império Anglo-Sionista, no final do século XX os russos mais poderosos no País são judeus que constituem praticamente uma extensão do mesmo Império.

E por falar de extensões do Império Anglo-Sionista…
Já expliquei muitas vezes no passado que a candidatura de Putin para suceder a Ieltsin foi uma espécie de acordo negociado entre os serviços de segurança da Rússia e o big money russo, que impingiu Medvedev como contrapeso de Putin.

Dmitry Medvedev

Em geral refiro-me às forças que apoiam Putin como “Soberanistas Eurasiáticos” (a “turma de Putin”) e às forças que apoiam Medvedev como “Integracionistas Atlanticistas” (a “turma de Medvedev”). O objectivo dos primeiros é garantir a soberania russa e fazer do País um dos elementos chaves num continente eurasiático multipolar, mas unificado; o objectivo dos segundos é ser aceites pelo Império Anglo-Sionista como parceiro e integrar a Rússia nas estruturas do poder do Ocidente.

O que vem adiante é tão importante que merece destaque num parágrafo especial:

Os Integracionistas Atlanticistas ainda estão no pleno controle do sector financeiro e bancário da Rússia; de todos os ministérios económicos e postos-chave de governo; controlam o Banco Central da Rússia e são, de longe, a maior ameaça individual contra o governo de Putin e os que o apoiam. Considerando que praticamente 90% dos russos agora apoiam Putin, significa que os Integracionistas Atlanticistas são a maior ameaça individual contra o povo russo e contra a Rússia como um todo.

O que tudo isso tem a ver com Israel? É simples.
Putin herdou um sistema criado por e para o Império Anglo-Sionista. Foi o candidato da “conciliação” entre dois lados radicalmente opostos, e precisou de anos de trabalho para livrar-se da maioria dos oligarcas russos, para só então, gradualmente, iniciar o processo de saneamento no qual, passo a passo, os sionistas estão a ser demitidos das suas posições de poder.

Segundo Mikhail Khazin, esses dois grupos só recentemente alcançaram um equilíbrio (instável) de 50/50. Significa também que a “turma de Putin” tem de manter uma vigilância incansável, sempre atento à própria retaguarda, dia e noite, sem parar, porque sabem que os ditos “colegas” os apunhalarão pelas costas, num piscar de olhos, assim que tiverem a oportunidade.

Acho que os rumores de golpes na Rússia são muito exagerados. Não só porque os “ministros do poder” (Defesa, Segurança do Estado, Relações Interiores, etc.) estão com Putin, mas, muito mais importante, por causa do apoio de 90% do povo russo. Derrubar governante com esse tipo de ‘seguidores fiéis’, homem realmente amado pela enorme maioria do povo, seria perigoso demais. Mas não significa que a 5ª Coluna não se dedique a tentar sabotar cada movimento de Putin e dos seus apoiantes.

O facto é que Putin já foi forçado a ceder, muitas e muitas vezes.
Aqui, apenas alguns exemplos:

Os oligarcas:
Quando Putin livrou a Rússia do tacão dos “Sete Banqueiros”, não desarmou realmente todos os oligarcas. Só conseguiu livrar a Rússia de alguns oligarcas, como Khodorkovsky, que, basicamente, haviam subornado o Parlamento inteiro, numa tentativa de golpe contra Putin. Os demais oligarcas receberam a seguinte instrução: “fiquem bem longe da política, e deixo-o em paz”. E assim foi e é. O acordo ainda é vigente.

A economia:
Ainda num dos seus mais recentes discursos, Putin teve de declarar que apoia integralmente o Banco Central e os ministros da economia do governo Medvedev. Considerando que literalmente TODOS os aliados de Putin estão com a faca nos dentes, furiosos contra o modo como a economia russa é (mal) administrada, não pode haver dúvidas de que Putin foi coagido a fazer aquela declaração, o que não significa que acredite realmente no que disse.

Tenho também observado campanhas sistemáticas contra o Banco Central e os ministros ‘económicos’ nos principais canais da TV russa central. E não pode ser coincidência.

Prevejo que Putin esteja a preparar um expurgo nesses círculos, mas antes tem de pôr todos os seus gansos em fila, antes de agir, especialmente se tanto depende de inflamar a opinião pública contra eles. Hoje, a economia russa ainda é dirigida pelos patetas do FMI; por gente do “consenso de Washington”. Daí a política ensandecida de taxas de juros, a compra alucinada de obrigações do Tesouro dos EUA, a obsessão com manter a inflação baixa a qualquer custo etc. etc. etc.

Putin, por convicção, não é o que se possa classificar como “socialista”, mas é um activo proponente de “mercados sociais” e homem que está a tentar muito empenhadamente separar a Rússia do sistema financeiro ocidental e insiste no direito de jogar por regras que não sejam as regras do Império.

A política externa:
Até a mais recente reeleição de Putin, quando a Rússia finalmente começou a ter política externa bastante consistente, a política russa era só zigs seguidos de zags. Foi especialmente verdade durante o tempo em que Medvedev esteve na Presidência, e quando Irão e Líbia foram traídos pela Rússia no Conselho de Segurança (movimento que Putin declarou publicamente “uma estupidez”).

Celebridades:
Lembram-se do hiper corrupto Ministro da Defesa Serdiukov? Pois… adivinhem! Ainda não foi formalmente acusado de crime algum. A mulher com a qual fez a maior parte dos negócios ainda vive em Moscovo, cercada de luxo. O que isso diz? Diz-nos que, mesmo quando Putin reuniu provas suficientes da roubalheira de Serdiukov, só teve poder suficiente para tirar o homem do ministério e substituí-lo por Shoigu, mas nem assim teve poder suficiente para meter um “Atlanticista Integracionista” de tão alto escalão, na prisão.

Ucrânia ocupada por nazistas:
Putin teve controle suficiente sobre o próprio governo para garantir o Voentorg (fluxo de forças militares e itens para abastecê-las) vital e até para enviar forças especiais e artilharia através da fronteira, para ajudar os novorrussos; mas não conseguiu forçar os ministérios da economia a estrangular a economia ucraniana. Disso resultou que a Rússia lá ficou, mandando balas através da fronteira em Saur Mogila e também energia praticamente gratuita através da mesma fronteira, para Kiev.

Propaganda russofóbica:
Quando recentemente um jornalista de terceira classe, Alexei Andronov, postou comentários viciosamente anti-Rússia no Twitter, foi criticado por Alexei Pushkov, também jornalista e presidente da Comissão de Assuntos Externos do Parlamento Russo, no seu próprio programa de televisão, “Postscriptum”. O canal televisivo que distribui o programa, TV Tsentr, censurou em seguida o trecho da reprimenda de Andronov. Então, o famoso director de cinema russo, Nikita Mikhailkov, gravou um programa inteiro discutindo o evento; e o canal de televisão que distribui o programa em que se discutia o evento da censura no canal TV Tsentr, TV Rossia, também censurou o episódio inteiro. Quanto à directora do canal no qual Andronov trabalha, Tina Kandelaki, deu integral apoio a Andronov.

Resumo: por mais que Putin tenha conseguido melhorar imensamente a qualidade geral dos meios e dos veículos de comunicação na Rússia, os russófobos ainda são muito influentes e podem continuar a cuspir o seu ódio venenoso para todos os lados, em total impunidade.

Poderia continuar a listar exemplo após exemplo, mas acho que já captaram a ideia: Putin é um óptimo homem encarregado de fazer funcionar péssimo sistema.

Agora, então, voltemos à Síria, ao Hezbollah e ao assassinato de Samir Kuntar.

Primeiro, considere-se que a decisão de intervir militarmente na guerra síria já foi decisão controvertida. Putin conseguiu, servindo-se de duas tácticas: explicou ao povo russo que era melhor lidar com os terroristas “lá” (na Síria) do que “aqui” (na Rússia); e prometeu que não enviaria soldados de campo.

Quando o Daesh e os turcos cumpriram a promessa feita por Obama e Biden e explodiram o avião comercial russo e depois um caça SU-24, o público continuou a apoiar Putin, mas muita gente – inclusive eu – logo nos demos conta de que a situação era terrivelmente perigosa. Ao fim e ao cabo, foi o “crédito” que “a rua” deu pessoalmente a Putin que lhe permitiu manter o caminho, apesar dos medos bem reais.

Segundo, é claro que Putin e Netanyahu firmaram um acordo aquando da visita de Bibi em Moscovo: os israelitas não interferem nas operações russas de apoio aos sírios; e os russos não interferem nas operações de combate entre Israel e o Hezbollah. Assim, os dois lados puderam continuar na luta para alcançar o principal interesse de cada um, mesmo que à custa de sacrificar objectivos secundários.

Os leitores não gostam desse acordo e questionam a moralidade? Ok, eu também. A mim, de facto, esse acordo causa intenso desconforto. Mas não espero nada menos de duros profissionais da mais dura realpolitik como Putin e Netanyahu, que sabem fazer acordos intragáveis e tragá-los. É o que se espera deles (e sorte nossa que nem vocês e nem eu estamos no poder).

Putin e Netanyhau

Por falar de desconforto, há outro precedente que também causa sérios problemas: o apoio total que os russos dão ao governo militar egípcio e à repressão sangrenta, sem limites, que o governo de Sisi faz contra a Irmandade Muçulmana no Egipto. Aceito o argumento segundo o qual apoiar os militares egípcios fazia sentido no contexto da guerra na Síria, mas a ética moral-zero que se exige para apoiar os militares egípcios perturba-me terrivelmente. É por isso que Putin é político tão implacável quanto bem-sucedido; e eu não passo de blogueiro quase-irrelevante: contra lobos implacáveis, o urso tem de ser implacável, se quiser sobreviver.

Considerado tudo isso, não percamos tempo a fingir que Hezbollah não saberia ser igualmente frio se necessário. Não esqueçam que quando Imad Mugniyeh foi assassinado em Damasco, pelos mesmos israelitas numa operação que só seria viável com cúmplices nos altos escalões do governo de Assad, o Hezbollah prometeu “retaliar”. Mas jamais disse uma palavra que fosse contra o regime sírio. O Hezbollah tampouco fez qualquer objecção quando o governo de Assad torturava muçulmanos ao serviço da CIA-EUA, naquele infame programa norte-americano de “entregas especiais”.

Quanto a Putin, ele simplesmente tem outras prioridades, diferentes de proteger o Hezbollah ou combater contra Israel. As óbvias prioridades para Putin são as seguintes:

  • uma das mais altas é ele sobreviver na Rússia, sem ser derrubado pela ainda muito poderosa “Configuração Sionista de Poder” (para usar a expressão de James Petras).
  • não dar aos inimigos (internos e externos) o argumento político de que “a Rússia está a atacar Israel”.
  • além de não fazer guerra contra Israel, pelos motivos aqui alinhavados, também é crucialmente importante não impor guerra em dois frontes ao contingente russo, pequeno e isolado, na Síria.
  • assim também é crucialmente importante não ser acusado de converter o contingente russo numa “Força Aérea do Hezbollah” de-facto, precisamente como os EUA são hoje a “Força Aérea do Daesh”.

E há também o seguinte: por mais que os S-400 russos possam facilmente derrubar qualquer aeronave israelita, o contingente da Força Aeroespacial Russa na Síria não tem os meios materiais necessários para combater contra Israel ou, menos ainda, contra NATO e CENTCOM.

Quanto à Rússia, o País absolutamente não pode entrar em guerra contra Israel, não por causa da insignificante Entidade Sionista, mas, isso sim, porque todo o Império Norte-americano já foi integralmente tomado e está sob integral controle dos sionistas.

De facto, os norte-americanos que denunciam que Putin “não tem coragem” de atacar Israel, devem antes perguntar a eles mesmos – agora que, ao que parece, Israel já converteu EUA+Europa num protectorado sionista servil e mudo: o que os próprios norte-americanos estão a fazer para se libertarem, eles, dessa subjugação vergonhosa?

Por falar de Ocidente: é preciso comparar a posição do Império Anglo-Sionista por um lado, e, por outro lado, a posição de muitos russos judeus influentes (na Rússia e em Israel) sobre a guerra na Ucrânia. O Ocidente apoia totalmente o regime nazista de Kiev, mas muitos russos judeus, especialmente os muito famosos, como Vladimir Soloviev, assumiram posição categoricamente contra os nazistas de Kiev. E apesar de em Israel a popularidade de Putin e da Rússia ser extremamente baixa, não há muitos judeus na oposição anti-Putin dentro da Rússia.

Por fim, a opinião pública russa em geral está, infelizmente, terrivelmente mal informada sobre os horrores perpetrados pelos sionistas contra o povo palestino; e israelitas de dupla cidadania (como Evgenii Satanovskii ou Avigdor Eskin) vivem a repetir a fantasia segundo a qual “nós russos e israelitas somos os únicos que realmente enfrentamos o terrorismo muçulmano”; assim, capitalizam ao máximo, em favor deles, a guerra real que a Rússia de Putin está impondo ao Daesh. Em outras palavras, Putin teria extrema dificuldade para “vender” ao público russo a derrubada de algum avião israelita.

Entendo que nenhuma das coisas mencionadas acima terá algum poder sobre os inimigos dos judeus de boa fé ou para aqueles que amam os argumentos simples, preto e branco. Para todos esses, Putin será sempre um vendido, um eterno fantoche da finança internacional. Francamente: não escrevo para essas pessoas.

Mas há os que estão sinceramente intrigados e confusos perante as políticas russas, que parecem incompreensíveis ou, até, contraditórias. A esses digo, em conclusão, o seguinte: Putin está a avançar a sua causa passo a passo, um passo de cada vez, e sabe esperar e deixar que os eventos se desenvolvam cada um segundo a sua própria dinâmica. Está também agudamente consciente de que está a lutar, literalmente, com uma mão atada às costas e com a outra super ocupada a defender-se contra inimigos externos e internos (os internos são muitíssimo mais perigosos), ao mesmo tempo.
Tenho certeza de que Putin dá-se conta integralmente de que, pelo menos potencialmente, a sua política de resistência, de soberanização e de libertação, pode levar a uma guerra nuclear intercontinental; e de que a Rússia é hoje mais fraca que o Império Anglo-Sionista.

Exatamente como nos tempos de Stolypin, a Rússia precisa desesperadamente de mais uns poucos anos de paz, para desenvolver-se e conseguir pôr-se completamente em pé.

Absolutamente, não é hora dum choque frontal contra o Império. A Rússia carece vitalmente de paz e tempo: paz na Ucrânia, paz na Europa e, sim, paz no Oriente Médio. Infelizmente, a paz no Oriente Médio não existe nem como opção; por isso, quando o encurralaram, Putin tomou a decisão de ir à guerra.

E tenho certeza categórica, absoluta, de que, se o Império atacar a Rússia (ataque vindo da Turquia ou de onde seja), a Rússia lutará e resistirá. A Rússia fará de tudo para evitar a guerra, mas, sim, está disposta a ir à guerra se for necessário: é o preço que a Rússia paga por ser o lado mais fraco.

A boa notícia é que a Rússia vai-se fortalecendo cada vez mais, a cada dia; e o Império só enfraquece. O poder dos Anglo-Sionistas e a sua 5ª Coluna na Rússia também diminui dia após dia. Mas esse processo exige tempo.

O grande evento a esperar é um ataque ao Banco Central e contra os ministros da economia do governo. Todos na Rússia esperam por isso; Putin até já foi directamente perguntado, mas continua a negar e diz que apoia integralmente aqueles sabotadores. Mas, considerando a trilha de Putin, é estupidez acreditar que realmente os apoie. A resposta é parte de uma tática bem clara de adiamento, para esperar pela hora certa.

Que ninguém se engane. Não há amor algum entre Rússia e Israel. Mas tampouco há excessiva hostilidade, não, pelo menos, do lado russo. Muitos russos conhecem perfeitamente o feio papel que os russos judeus desempenharam já duas vezes na história da Rússia, mas nada disso se traduz no tipo de hostilidade antissemita que se vê, por exemplo, na Ucrânia.

Os russos, no máximo, desconfiam do grande poder de que gozam tantos judeus dentro do governo de Medvedev, mas a desconfiança não se traduz em hostilidade antissemita. Várias das figuras públicas mais bem amadas na Rússia, como o actor, cantor e dramaturgo Vladimir Vysotskii, têm sangue judeu. Muitos russos também distinguem claramente entre judeus “deles” (os judeus ocidentais russofóbicos) e os judeus “nossos” (russos judeus que amam a Rússia). Mas, dado que a russofobia foi também muito amplamente disseminada entre as elites russas antes e depois da Revolução, não se pode dizer que odiar russos seja fenómeno ou traço específico do pensamento judeu.

Quanto aos russos, a cultura russa sempre foi multinacional e multi-étnica e nunca separou as pessoas por etnias, muito mais por acções e ideias. Pode-se dizer com segurança que o ódio aos judeus é fenómeno muito mais ucronazista que russo.

Além disso, à parte a evidência de que muitos russos não querem ter de volta ao poder na Rússia nem os comissários bolcheviques nem os oligarcas “democráticos”, há também uma solidariedade antinazistas que aproxima russos e israelitas e que não deve ser ignorada.

Quanto à Palestina, a Rússia apoiará todas as Resoluções relevantes da ONU, entre as quais a ideia tipicamente sem imaginação e irrealizável conhecida como “solução dos dois Estados”. No máximo, a Rússia “deplorará” ou “lastimará” os abusos que a entidade sionista comete contra os palestinos, mas absolutamente não se tornará defensora sistemática deles, como são o Irão e o Hezbollah. Por quê? Simplesmente porque o futuro da Palestina não é prioridade para os russos.

Espero que o que aqui escrevo ajude a compreender porque a Rússia não agirá para proteger o Hezbollah contra os israelitas (tampouco impedirá o Hezbollah de retaliar a partir da Síria, se o Partido da Resistência tomar essa decisão). Dito em termos simples: não há qualquer razão necessária, interna ou externa, para que a Rússia se envolva directamente no confronto; mas há muitas razões muito fortes, internas e externas, para que a Rússia se mantenha à distância.

Se, no passado, a URSS apoiou a Organização para a Libertação da Palestina, OLP, por razões simultaneamente ideológicas e geo-estratégicas, hoje a Rússia moderna absolutamente não seguirá esse mesmo paradigma. Primeiro, nem Fatah nem Hamas parecem ser parceiros atraentes (nem confiáveis) para a Rússia, vivendo ambos na cama com o Daesh. E o mesmo vale para a Irmandade Muçulmana no Egipto.

Quanto ao Hezbollah, nada indica que precisem da proteção dos russos. Por maior carga simbólica que tenha qualquer retaliação contra o assassinato de Imad Mugniyeh ou de Samir Kuntar, essas perdas não enfraquecem a Resistência.

Na verdade, se a história desde o assassinato de Abbas al-Musawi (16 de Fevereiro de 1992) ensina alguma coisa, é que cada vez que os israelitas assassinam um líder do Hezbollah, horas depois os próprios israelitas descobrem que terão de enfrentar um adversário ainda mais formidável.

Há de acontecer outra vez, se Deus quiser.

Wow, artigo comprido, não é? Mas, como afirmado, interessante apesar de alguns pontos fracos.
Entre estes últimos:

  • a eterna visão do bicho-papão (o Mundo dominado pelos omnipotentes Sionistas), pensamento unidirecional que automaticamente exclui qualquer outro ponto de vista, limitando assim os horizontes. É por esta razão que fica excluído da série do Verdadeiro Poder: há vida (e muita) além do Sionismo.
  • a imagem de Putin como homem “contra o sistema”: Vladimir Putin é um político perfeitamente integrado no sistema capitalista, que defende uma sociedade capitalista como acontece em qualquer outro País, Brics ou não Brics. O problema de Putin não é “o sistema” mas quem o controla.
  • a imagem de Putin como homem sozinho em luta contra os maus da fita. Esta é uma visão infantil: já deveria ser suficientemente claro que ninguém consegue alcançar estes níveis de poder sem ter atrás uma máquina complexa, multi-funcional, com cofres cheios, repleta de colaboradores nos mais vários níveis (político, económico, mediático, militar, financeiro, etc.). Em muitos casos, estes indivíduos representam a fachada, atrás da qual alguém mexe os cordéis (ver o simpático Obama). Pode não ser este o caso de Putin: mas de certeza que não chegou até o Kremlin só por ter um ar de “durão”.
  • nenhuma palavra acerca dos interesses da Rússia no Irão, um dos pontos centrais da intervenção contra o Isis. E nenhuma palavra acerca da guerra não declarada contra a Arábia Saudita, que seria um erro ver como serva sem ideias dos EUA; também esta é uma das motivações que ficam atrás da intervenção russa contra o Daesh.

Dito isso, o artigo enfrenta pelo menos três aspectos fundamentais: a presença dos oligarcas judeus nos pontos-chave da economia (e política/sociedade) russa; algumas das razões da intervenção russa contra o Isis; e, ainda mais importante, o relacionamento entre Rússia e israel, assunto acerca do qual bem pouco se costuma falar.

Neste aspecto, o artigo é valioso porque esclarece quais as directrizes que regulam a reciproca política dos Países na região do Oriente Médio. Importante também realçar o tom não antissemita (adjectivo sempre pendurado por cima do pescoço de quem fala de israel) do autor: óptima a distinção entre judeus dum lado e sionistas do outro. Tanto para não confundir as coisas.

Um obrigado à Maria para ter enviado o presente documento.

Ipse dixit.

Fonte: The Saker

6 Replies to “A relação entre Rússia e Israel”

  1. Boas Max.

    Conheces este sitio ?

    http://invernoarabe.blogtok.com/menu/6/42501/

    Se puderes da uma espreitadela.
    Por momentos pensei que tinham copiado aqui o ii mas logo de seguida vi que colocam sempre as fontes.
    Talvez o queiras adicionar ao Blogroll.

    "deveria ser suficientemente claro que ninguém consegue alcançar estes níveis de poder sem ter atrás uma máquina complexa, multi-funcional, com cofres cheios, repleta de colaboradores nos mais vários níveis"
    Neste artigo de Mikhail Khazin da para ter uma ideia da dinamica que ocorreu na Rússia.
    Em Inglês
    http://thesaker.is/a-forecast-of-the-development-of-the-main-processes-that-will-influence-the-situation-in-russia-in-2015/
    Em Português
    http://redecastorphoto.blogspot.pt/2015/03/principais-processos-que-influenciarao.html

    "O problema de Putin não é "o sistema" mas quem o controla".
    Excelente afirmação.
    Digo excelente afirmação não por ter conhecimento que esse sistema agrade a Putin (creio que não) mas sim porque
    quem controla um sistema seja ele Capitalista, Comunista, Socialista ou mesmo uma Monarquia, pode encaminhar a vida das pessoas para melhor ou pior (Exemplo: a Monarquia Sueca nada tem a ver com a Monarquia Saudita).
    Podemos ter o melhor sistema do mundo , mas se aqueles que o controlam o desvirtuam acontece o mesmo de sempre.

    EXP001

  2. Já tinha lido a umas semanas atrás o texto, penso que foi Pepe Escobar que o partilhou no facebook.

    Ligação automática entre Judeu = Sionista, Sionista = "bicho-papão". Nem todos os judeus são sionistas e nem todos os sionistas são malvados.

    Esta ideia que fica no ar, de que um mundo sem Judeus/Sionistas no poder, seria sinal de paz e que resolveria todos os problemas do sistema também é completamente errada. O problema não são os Sionistas nem o sistema, o problema somos nós, nós que somos facilmente corrompidos pelo poder que o nosso "Deus" todo poderoso (o dinheiro) nos dá. Sem os sionistas nos lugares de relevo e de poder, outros ocuparão o seus lugares e serão iguais ao piores.

    Na altura de passagem de ano, aparece sempre aquela altura em que o jornalista na rua, pergunta as pessoas o que espera para o novo ano. A resposta já é clichê:

    "Saúde, paz, amor e dinheiro"

    Enquanto continuarmos a pensar que o dinheiro é uma coisa essencial e insubstituível na nossa vida, nada na nossa sociedade irá mudar.

    A ganancia prevalece e o poder distorce

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