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Egoísmo, empatia & psicopatia

Um dia,
 não importa quando e não importa onde,
 um Mestre viu um escorpião afogar-se
 e decidiu retira-lo da água.
Quando o fez, o escorpião picou-o.
Para o efeito da dor, o Mestre deixou o animal

 novamente cair na água.
O Mestre tentou retira-lo outra vez e o animal ainda o picou.
Um jovem discípulo que estava lá veio até o Mestre e disse:
“Desculpe-me, Mestre, mas por que continuar?
Não entende que cada vez que tenta
 retira-lo da água ele vai pica-lo?”
O Mestre respondeu:
“A natureza do escorpião é aquela de picar
mas isso não vai mudar a minha que é de ajudar.”

 

Posto que eu teria directamente estrangulado o escorpião, este trecho é do blog Tra Cielo e Terra, que considero um dos melhores produtos de toda a internet em língua italiana, verdadeira oásis de reflexão no meio do caos da rede. Mesmo que possa não concordar com tudo quanto escrito, como é o seguinte caso.

Egoísmo

Todos basicamente pensamos primeiro em nós, e não poderia ser de outra forma.

Assim como nunca haverá uma atitude altruísta, uma vez que cada ação, cada pensamento, mesmo os que são vistos de fora e definidos como nobre e altruísta, são sempre ditados pela vontade do indivíduo de receber uma gratificação para as profundezas da sua alma.

Algumas pessoas recebem gratificação sentindo-se úteis para outras pessoas, enquanto  há aqueles que seguem o seu instinto mesmo à custa de atropelar e prejudicar o próximo.

A pergunta pode ser: egoísmo ou altruísmo? A resposta é simples: egoísmo, em ambos os casos.

Na verdade são duas formas de egoísmo, não tão diferente entre elas: duas formas de egoísmo que no exterior levam até consequências diferentes.

Também no altruísmo nós procuramos a nossa gratificação. Simplesmente, esta é obtida “em favor” dos outros, enquanto no egoísmo “clássico” tudo é desde logo em nosso favor. Mas, em ambos os casos, o objecto final das nossas atenções não muda: nós.

Podemos distinguir entre “egoísmo positivo” e “egoísmo negativo”? Um provoca o Bem (com o altruísmo), outro o Mal (com o egoísmo só para nós)? Talvez. Mas aqui surge uma dúvida, algo que tem empenhado ao longo dos séculos as melhores mentes para entender a origem do Mal: porque alguns são homens justos (com um egoísmo positivo) enquanto outros maus (com um egoísmo negativo). Porque a história dos homens não consegue prescindir de guerra e destruição?

Talvez, como afirma o autor do citado blog, a questão foi mal posta: não é preciso descobrir o que torna um homem cruel e bom, mas refletir sobre porque o egoísmo de alguns provoca o bem enquanto o egoísmo dos outros causa o mal.

Ser egoístas está na nossa natureza: não importa se for um egoísmo “positivo” ou “negativo”, sempre egoísmo é e não há outra maneira de ser. O que, então, distingue os dois egoísmos?
A resposta está numa palavra: empatia.

Empatia

A empatia é a cola da sociedade humana, um elemento essencial de qualquer relação.
Literalmente significa sentir emoções profundas e sentimentos em comunhão com aqueles dos que nos rodeiam. Deriva do grego: en- pathos.

É uma qualidade inerente ao ser humano, mas é distribuída duma forma extremamente variada: empatizar é entender o que o próximo está a sentir tentando e, em certa medida, experimentar nós próprios a mesma sensação. É algo que ajudou a nossa espécie a sobreviver ao longo dos milénios, a cultivar a união entre as tribos por exemplo.

Basicamente, há dois tipos de empatia: a empatia cognitiva e a empatia afectiva empatia/emocional. Simples entender a diferença e as consequentes reacções.

A empatia cognitiva significa a compreensão da origem e das implicações dos sentimentos que uma outra pessoa está a experimentar. Podemos entender que a pessoa na nossa frente está chateada, triste, assustada, feliz e também sabemos por que isso acontece: estes, como é óbvio, não são nossos sentimentos e bem podem não nos afectar.

A empatia afectiva, pelo contrário, é a empatia propriamente dita e implica o nosso profundo envolvimento com os sentimentos da pessoa com quem entramos em contacto. A tristeza dos outros torna-se a nossa tristeza, a preocupação é partilhada bem como a alegria ou a esperança.

Esta última é a raiz do “egoísmo positivo”: uma pessoa que faz o bem para o próximo, por sua vez beneficia do seu bem-estar; a felicidade duma pessoa que ajudamos se torna a nossa felicidade também.

A empatia é a raiz da sobrevivência da sociedade humana; além de quanto afirmado (favorecer a união entre as tribos), existem muitas razões pelas quais os homens não se matam um ao outro para obter os alheios: há fraqueza, a covardia, o medo das consequências, mas há também a a empatia, a capacidade de sentir a dor e o sofrimento daqueles que estão à nossa frente e experimentá-lo nós mesmos.

A empatia é também uma força que cresce exponencialmente com a proximidade: não é algo teórico, mas uma necessidade física dos sentidos. Saber que nalgum lugar do mundo uma mãe em luto pela morte do seu filho nos toca; mas ver esta mãe, observa-la enquanto chora é coisa bem diferente.

Esta é também a razão pela qual os senhores da guerra ao longo dos anos tornaram-se cada vez mais refinados: os psicopatas que enviam homens a morrer numa guerra sabem muito bem este é um traumático, que traz dor e sofrimento.

Daí a ciência da propaganda que doutrina as mentes com o claro objectivo de limitar a empatia: o que é um drone se não um assassino que faz o trabalho dum soldado? Mas o drone é uma máquina, sem alma, sem coração, até sem rosto. Não há um homem que carrega no gatilho, é a máquina que materialmente mata. Tudo isso alimenta a distância entre os seres humanos e limita a empatia. A consciência da dor que provocamos é mais limitada, tornando-se quase “virtual”.

Psicopatia

Uma das cosias que gosto do autor de Tra Cielo e Terra é o facto dele utilizar a expressão “psicopata” para definir as elites não como simples ofensa mas, mas segundo o sentido original do termo: a psicopatia é um transtorno mental caracterizado principalmente pela falta de empatia e remorso, pelo egoísmo, egocentrismo e facilidade em utilizar a arte do engano.o e engano.

Os psicopatas são fortemente inclinados a assumir comportamentos desviantes e decidir actos agressivos contra os outros, sendo orientados na direcção dos crimes mais violentos. Todavia, o psicopata-padrão muitas vezes parece um indivíduo absolutamente normal: simulam emoções que na verdade não sentem ou mentem sobre os seus verdadeiros fins.

Do ponto de vista dum psicopata, nenhuma acto “mau” está excluído. Há apenas acções úteis e acções para alcançar os seus objectivos: sentimentos, dor, devastação dos outros seres humanos são elementos que não afectam de forma alguma e não provocam nenhuma reacção.

Escolha

É neste ponto que discordo com o autor de Tra Cielo e Terra. Eliminemos a categoria dos psicopatas, que para nossa sorte representam uma minoria (embora muito influente). Se nos outros casos tudo é uma questão de egoísmo ou empatia, onde fica o livre arbítrio? Uma pessoa pode ser condenada porque lhe falta a empatia? Um Estaline era só um pobre desgraçado com excesso de egoísmo positivo? A responsabilidade é só de Mãe Natureza?

Podemos pôr tudo nas mãos dos obscuros desenhos dum qualquer Deus ou da citada Mãe Natureza, do acaso; e isso sem dúvida ajuda, acalmando a nossa consciência. Mas eu prefiro pensar que cada um entre nós tem a possibilidade de escolher (eis o livre arbítrio) e é directamente responsável das suas acções. Qualquer indivíduo conhece a diferença entre o Bem e o Mal: é nossa opção, e exclusivamente nossa, cultivar um ou o outro. As consequências desta escolha não são dum Deus ou duma outra entidade: são nossas. A única maneira séria que termos para acalmar a nossa consciência é escolher o percurso feito de Bem e segui-lo. O resto são apenas álibis.

Então o Mestre, depois de ter reflectido e com a ajuda de uma folha,
 retirou o escorpião da água e salvou-lhe a vida.
Depois, falando ao seu jovem discípulo, continuou:
“Não alterar a tua natureza se alguém te aleijar, apenas toma precauções.
 Por que os homens são quase sempre ingratos perante o benefício que recebem.
 Mas isso não é motivo para parar de fazer o bem,
para abandonar o amor que vive em ti.
Uns procuram a felicidade, outros a criam.
Preocupa-te mais da tua consciência do que da tua reputação.
Porque a tua consciência é o que tu és,
a tua reputação é o que os outros pensam de ti.
Quando a vida te apresenta mil razões para chorar,
 mostrar-lhe que tens mil motivos para sorrir”.
[nota pessoal: acho que o desgraçado do escorpião só queria suicidar-se, porque farto de ouvir o Mestre. Então afastou-se da água, ligou a televisão e ficou a observar um reality show ao longo de 4 horas. Só assim conseguiu].
Ipse dixit.