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O desastre de Mariana

O diário Il Manifesto dedica um artigo ao desastre de Mariana, no Brasil.

Os factos são do passado dia 5 de Novembro, mas a notícias não teve muita eco: duas represas de água residuais das mina de ferro de propriedade da empresa Samarco, no estado de Minas Gerais (sudeste do País), cederam e uma inundação de lama tóxica  tem enterrado a população de Bento Rodrigues, que fica a 20 minutos do centro de Mariana, causando 17 mortes, 75 feridos, 12 desaparecidos e 500 deslocados.

Mais de 250.000 pessoas ficaram sem água potável. Os mais de 50 milhões de metros cúbicos de resíduos tóxicos poluíram o Rio Doce e agora têm alcançado o Oceano Atlântico. Um rio de lava tóxica espalhado no mar. Poucas semanas depois, em 24 de Novembro, um novo alarme sobre a possível ruptura de duas outras barragens, sempre em Mariana.

A Samarco, depois de ter negado a toxicidade das lamas, concordou em pagar 260 milhões de Dólares. Compensação que o Estado brasileiro considera “apenas uma primeira parcela,” considerados os prejuízos causados.

Marcio Zonta, sindicalista militante do Movimento Nacional por la Soberania Popular Frente a la Minería (Mam):

Para reduzir o custo de mineração são eliminadas as proteções dos trabalhadores e as ambientais.

História velha, caro Marco.
O Mam é uma organização que faz parte da Via Campesina Brasil e que luta contra as grandes empresas de mineração na América Latina. O continente latino-americano é uma das regiões com as maiores reservas minerais do mundo e, portanto, particularmente atraentes para atender à crescente demanda global por ferro, ouro ou níquel. As multinacionais passam por cima da soberania dos governos e dos povos, poluem as terras e colonizam a economias. E com o próximo TPP será ainda pior.

A Samarco (2.8 bilhões de Reais de lucro em 2014, quase 3.5 biliões de Euro), por exemplo, é uma empresa brasileira detida por metade pela Vale S.A., enquanto a outra metade fica nas mãos da anglo-australiana BHP Billiton.

A Vale S.A. foi privatizada em 1997 e já em Janeiro de 2012 conseguiu ser eleita como a pior empresa do mundo no que refere-se a direitos humanos e meio ambiente pelo painel do Public Eye People´s de Berna, tendo a japonesa Tepco (Fukushima) ficado em segundo lugar.

Mas também a anglo-australiana BHP Bilton não brinca: a empresa entra na lista das 90 companhias responsáveis pela emissão de dois terços dos gases-estufas desde o começo da era industrial, ocupando o 19º lugar: em 2010 foram 7.606 milhões de toneladas cúbicas de CO2, 0,52% de todas as emissões mundiais.

Os jornalistas do Manifesto, como afirmado, encontraram Marco Zonta: este estava em São Paulo, durante o Encontro Continental dos meios de comunicação populares, e explicou assim o novo Código de Mineração que está a ser discutido pelo Congresso:

É um corpo de leis basicamente à medida das grandes empresas; a opinião do povo e dos mineiros, que muitas vezes morrem antes dos 45 anos, não foi ouvida. A das minas é uma questão nacional que exige uma abordagem global. Todos dizem isso, mas as pessoas continuam a suportar o peso das privatizações da década de ’90. Em vez disso, eles deveriam ser os únicos a decidir onde cavar e porque. Mariana é um desastre esperado, uma catástrofe estrutural que requer uma grande mobilização para que os trabalhadores possam recuperar o controle.

Em 25 de Novembro, quatro jovens do Movimento sem terra acabaram na prisão pelo facto de protestar na frente do Congresso Federal contra a empresa Vale e o novo Código de Mineração. Acusação? Crime ambiental, porque os rapazes tinha encenado performance usando água e argila para representar a inundação de lama e tinham manchado uma parede.

De acordo com uma investigação de Brasil de Facto, a Samarco tinha preparado um plano de emergência já em 2009: algo que se aplicado teria impedido a tragédia.
Ainda Zonta:

O Rio Doce atravessa muitas localidades entre os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. As substâncias tóxicas destruíram flora e fauna, a economia da pesca e poluiu o mar do Espírito Santo. Levará muitos anos antes que o plano de recuperação anunciado por Dilma Rousseff possa ter qualquer efeito.

O governo montou a operação Arca, contando com a participação de grupos ambientalistas e especialistas. Mas dificilmente será possível salvar a terra ou os
animais como peixes e tartarugas, já em risco de extinção. E o solo
permanecerá infértil por muitos anos.

A lama tóxica contaminou mais de
70 quilómetros de litoral, rico em peixes e destino turístico preferido
pelos surfistas. Segundo a ONU, as medidas tomadas pelo governo são
“claramente insuficiente”.

O desastre de Mariana, segundo o secretário do meio ambiente brasileiro, José Antonio Marcondes, “não irá diminuir o peso do Brasil nas negociações sobre o clima” e acrescentou:

Foi um trágico acidente que não tem nada a ver com o clima, agora estamos a trabalhar para corrigir isso.

Mas, como explica a sábia Wikipedia:

Um acidente é um evento inesperado e quase sempre indesejável que causa danos pessoais, materiais (danos ao património), danos financeiros e que ocorre de modo não intencional.

O acidente de Mariana não foi um “evento inesperado” e nem foi “não intencional”: a supressão das medidas de segurança e a não implementação do plano de emergência foram intencionais.

Como travar estes “acidentes”? Não é simples. E não é uma questão técnica: mais uma vez, o centro é o dinheiro. Eis a lista dos políticos pagos pela empresa Vale S.A.:

Na comissão criada na Câmara

Na assembleia mineira:

No Legislativo do Espírito Santo

Viram os nomes dos partidos? Falta alguém? Ora bem.

Na Câmara dos Deputados, 13 dos 19 membros da comissão externa instalada nesta quinta-feira (12)

Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, cinco dos nove membros titulares da comissão extraordinária criada para “acompanhar e monitorizar os desdobramentos do desastre ambiental”
foram beneficiados por doações de empresas ligadas à Vale, em valores
que vão de 465 a 500 mil Reais. foram beneficiados com doações do grupo Vale, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). As contribuições de campanha aos integrantes da comissão somam 368 mil Reais.

Já na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, o Estado afectado pela enxurrada de lama que atingiu o rio Doce, as empresas do grupo Vale doaram 428 mil Reais a sete dos 15 membros da comissão representativa criada para acompanhar os impactos ambientais da tragédia.

As doações dirigidas às campanhas dos membros titulares dessas comissões somam 2.6 milhões de Reais.

Como explica a página UOL, não é fácil encontrar deputados que não tenham recebido doações das empresas do grupo Vale S.A.. Entre os 53 deputados da bancada mineira na Câmara dos Deputados, 33 foram beneficiados com contribuições de empresas ligadas à Vale, por meio de doações directas ou indirectas.

No Espírito Santo, que possui na bancada dez deputados, oito receberam doações. A comissão externa da Câmara é composta por parlamentares desses dois Estados. Ao todo, nas últimas eleições, o grupo Vale gastou 80 milhões de Reais em doações, que beneficiaram três candidatos a presidente, 18 a governador, 19 a senador, 261 a deputado federal e 599 a deputado estadual. As doações beneficiaram políticos de 27 partidos.

Mais uma vez: dinheiro. E há quem continue a falar em “acidente”…

Ipse dixit.

Fontes: Il Manifesto, UOL, Wikpedia, Brasil de Facto, The Guardian