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Portugal: caiu o governo

Caiu o governo de Portugal.
Ainda bem.

Após ter vendido o País todo, feito disparar o desemprego, cortado reformas e ordenados, aprofundado as divergências entre os cidadãos, dizimado a já escassa classe empreendedora, tudo em nome duma austeridade exigida por Bruxelas (lê-se “Alemanha”), Pedro Passos Coelho caiu logo à primeira, com uma moção de censura.

Algumas notas.
O que se passou em Portugal é a Democracia que funciona. No Parlamento há uma maioria absoluta, indigitada pelos eleitores, formada pelos partidos da oposição; e esta maioria votou contra a minoria que constituía o governo. Tudo segundo os ditames da Constituição. Qualquer outra interpretação é fruto de alucinações. Não há aqui nenhum golpe, nenhuma batota, como grita a Direita. Democraticamente, os votos decidiram o destino do actual governo.

Infelizmente, a Direita sentia-se na posse dum mandato divino, segundo o qual tinha que governar porque sim. Nesta óptica, a oposição deveria ter evitado fazer oposição e abster-se (ou até apoiar o governo, no caso do Partido Socialista) para deixar que a Direita pudesse funcionar.
É uma visão muito estranha esta, na qual é possível encontrar velhos tiques salazaristas.
Não surpreende.

O que interessa agora é observar o novo executivo em função. É interessante porque nele encontramos dois partidos de Esquerda que agora têm o possibilidade de dizer algo: o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda. Frequentemente acusados de ser bons só para fazer oposição e de carecer de programas realistas, agora entrarão ou apoiarão o governo do partido Socialista, que nas últimas semanas virou decididamente para Esquerda.

Trata-se, em primeiro lugar, duma data histórica para Portugal: um governo formado (ou directamente apoiado) por uma Esquerda que abandona temporariamente as suas divergências em prol da governação. Algo que muitos cidadãos sentiam como necessário. É óbvio que para isso todos os partidos envolvidos tiveram que fazer concessões: o Partido Comunista e o Bloco, por exemplo, tiveram que abandonar o discurso da saída do Euro. Foi necessário.

Mas trata-se também dum teste interessante: conseguirá um executivo que inclui um grupo da Esquerda radical (o Bloco) e um comunista (o PCP) enfrentar os mercados e as exigências da lobby europeísta? E como?

Pessoalmente acho que não haverá grandes problemas.
Porque a Zona Euro não quer repetir uma tragédia estilo Grécia; porque Bloco e PCP abdicaram da saída do Euro e da NATO para favorecer a governação; porque um alívio da austeridade segue a linha desejada pelo Fundo Monetário Internacional (coisa que Passos não nunca quis ter em conta para não irritar os donos de Berlim); porque esta é uma ocasião única que tanto o PCP quanto o Bloco têm para demonstrar de ser forças de governo (e ganhar votos).

O Centro político português fica vazio: o governo caído hoje tinha casado em pleno a causa hiper-liberal, o PS hoje move-se para Esquerda. Talvez haja espaço para um novo partido, alguém que possa ser verdadeiramente social-democrata não apenas no nome. Mas este é o futuro.

Para já saudamos com prazer o fim do pesadelo hiper-liberal e neoconservador e vamos ver qual a decisão do Presidente da República: o infame Cavaco Silva, que nem quer ouvir falar de Bloco ou de PCP, no último discurso dele (um autêntico descalabro democrático) tinha declarado os dois partidos como estando fora do arco da governação. Não vai ser fácil agora engolir uma maioria com estes mesmos dois partidos no poder, sabendo que não dá para dissolver a Assembleia e convocar novas eleições (não pode pois o seu mandato está no fim).

Não está excluído um golpe de cauda do infame Presidente, como um governo de gestão (um de iniciativa presidencial seria inútil pois deveria sempre ser aprovado pela Assembleia). Seria um passo no limite da constitucionalidade (talvez já fora dela, considerado que há uma maioria no Parlamento) com consequências que agora não é possível prever e que acho melhor não experimentar (manifestações, desordem social, etc.). Mas acho o infame Cavaco demasiado fraco para tamanha presa de posição.

Se tudo proceder como previsto, será possível observar em acção um governo socialista apoiado por duas forças de Esquerda, declaradamente anti-Europa e anti-NATO. Algo inédito no País e por isso ainda mais interessante.

Ipse dixit.