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Sobre o Sistema: sem escolhas

Tem que ser, não há alternativa.

Ficar calados? Fingir que sim, que há o Bem contra o Mal? Que nós escolhemos o Bem e que “os outros” são o Mal? Não é assim, lamento.

Em todas as áreas da vida social e política, o dilema que se coloca é: votamos para o nojo ou para o horror? Estas são as únicas duas opções que o Sistema oferece. E as opções são sempre estas, em qualquer lugar.

Óbvio: isso não acontece por acaso. Quando as pessoas não têm alternativas senão a de escolher porque “se não escolhes o nojo ficas com o horror”, então significa que o Verdadeiro Poder colocou todos entre a espada e a parede. Eliminou sistematicamente todas as alternativas e a escolha é obrigatória.

O que escolher hoje em dia? O Capitalismo (e continuamos a chama-lo assim…) dos Estados Unidos ou aquele da China, da Rússia…? Qual a diferença? Sempre “Capitalismo” (aspas necessárias) é.

Obama ou Putin? Bashir al-Assad ou a oposição interna da Síria + Al Qaeda + ISIS + Obama? Mas que raio de escolhas são estas?

O blog, óbvio, escolhe Putin e Assad, mas não é uma escolha ideológica: é a esperança de que a quebra de determinados equilíbrios programados possa criar brechas através das quais algo novo possa surgir. Algo inesperado. Porque é claro que a opção contrária significa trabalhar para que tudo fique como está, sem possibilidade de brecha nenhuma.

Mas não é este tempo para grandes ilusões: achar que Putin seja o Bem e Obama o Mal é sonhar. Achar o contrário também. É a tal escolha: nojo ou horror?

Barack Obama, Prémio Nobel da Paz (sic!), Presidente americano eleito por Wall Street (38 milhões de Dólares em contribuições para a primeira campanha) que presidiu a maior transferência de riqueza dos pobres para os ricos na história da América (ver crise dos subprimes de 2008 e seguentes “salvações” dos bancos); o homem que mais do que qualquer outro Presidente ordenou assassinatos extra-judiciais no Terceiro Mundo (com os drones), que tem permitido as torturas da CIA; o Presidente que ordenou à NSA de espiar todo o planeta e que mais do que qualquer outro persegue os dissidentes (eliminados sempre com drones). O mesmo Presidente segundo o qual as guerras no Iraque e no Afeganistão eram justas (quantas vezes votou em favor das guerras quando estava no Congresso? Alguém tem ideia?). Este é o nojo ou o horror? Não sei, escolha o Leitor.

Vladimir Putin, herdeiro daquele infame Presidente que foi Yeltsin, que quase trouxe de volta a miséria czarista na Rússia com as reformas do mercado (vida média antes de Yelstin: 71 anos, com Yelstin: 56 anos) após ter vendido o País ao Fundo Monetário Internacional. Putin, ex-agente da Stasi e do KGB, sai daí, do grupo de Yelstin, do qual era o chefe do serviço de segurança. Foi sempre Yeltsin que nomeou Putin antes presidente da comissão para os acordos sobre a limitação do poder das regiões, depois chefe do FSB (que substituiu o KGB) e, finalmente, Primeiro Ministro da Federação Russa (1999). É Putin que oferece o gás à Alemanha da Merkel numa bandeja de prata (North Stream 2), é ele que rodeia-se de oligarcas de origem hebraica que hoje controlam as maiores empresas russas. E este seria o Bem? 

Bashir al-Assad, filho de Hafez al-Assad. Mas alguém tem ideia de quem era este Hafez? Um autentico monstro, que só em 1982, em Hama, fez 20.000 mortos entre a oposição. Pessoas que garantem o poder com as câmaras de tortura da Mukhabarat (a polícia secreta síria), que vivem sobre o terror da oposição que, de facto, não existe no País desde 1971 (a actual “oposição” armada não é tal, é apenas um meio que os EUA utilizam para tentar desestabilizar o filho de Hafez, o talhante que nomeou Bashir seu sucessor). Esta é a família al-Assad, não propriamente santos.

E estes, mais no geral, são os “campeões” entre os quais podemos escolher. Mas seria possível continuar: que tal duas palavrinhas acerca de israel? Da Arábia que deixa massacrar os irmãos muçulmanos da Palestina enquanto massacra aqueles do Yemen? Da China que expropria as terras dos camponeses africanos atirando-os para a miséria e segundo a qual a palavra “ambiente” representa só uma mina que tem de ser explorada?

Estas são as nossas escolhas. Não gostam? Prefeririam ler que uns são o Bem enquanto os outros são o Mal? Desejariam continuar a viver na ilusão? Seria mais simples assim? Não, não seria: porque a nossa situação é já simples. Vivemos num Sistema que tem como objectivo colocar biliões de pessoas na frente desta infame série de opções extremamente limitadas: ou o nojo ou o horror. Tudo com a chantagem do medo. Desta forma, nunca iremos entender que há outras escolhas possíveis: vida, felicidade, justiça, progresso, paz… estas são as escolhas. E, repito: são possíveis.

O primeiro passo é entender que não há Bem contra o Mal. Há o Sistema, no qual Bem e Mal são parte do mesmo enredo, escritos e geridos pelos mesmos autores. Acho que hoje, em Portugal, depois das eleições legislativas, alguém deve ter aberto os olhos. Não muitos se calhar, mas “alguém” é sempre melhor do que “ninguém. É este o tal primeiro passo.

Marx achava que o Capitalismo tinha em si os germes da sua própria destruição. Eu, muito mais humildemente, acho que com o Sistema passa-se o mesmo. Porque uma vez abertos os olhos não há maneira de voltar atrás: as coisas ficam claras, evidentes. Duma simplicidade quase infantil até.

Não escolham entre o nojo e o horror. Abram os olhos, não caiam no jogo do Sistema: fiquem afastados das partes criadas para nos manter separados e cegos. Se for para apoiar uma parte, que seja com o mesmo espírito que encontram aqui: para que os equilíbrios programados possam quebrar-se, com a esperança que isso possa criar brechas.

Não caiam na tentação duma ideologia que já não existe, seja ela qual for, a não ser na nossa mente (porque as sombras das ideologias foram deliberadamente postas com todas as outras rotulagens) e não na realidade.

Falem com os outros. Tentem explicar: há mais do que nojo, horror e medo.
Há mais do que as escolhas limitadíssimas que são ofertas.

Ipse dixit.

Fonte: Paolo Barnard (e não, nem desta é uma tradução literal!)