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O Sistema

A nossa é uma sociedade massificada?
Sim, claro. O problema é outro: não é uma sociedade.

O que significa isso? Afinal muitas vezes, mesmo aqui no blog, utilizamos o termo “sociedade” para indicar o “lugar” onde vivemos. E temos horror da sociedade massificada, correcto?
Bem, acho melhor fazer um par de distinções.

Massificação: absolutamente normal

A massificação é um fenómeno antigo, típico de cada sociedade. Isso não deve assustar, porque sem uma “padronização” não haveria uma coerência social e a mesma sociedade não poderia existir.

Parece esquisito, não é? Estamos habituados a considerar a massificação como algo ruim.
Mas pegamos num exemplo banal: um exército não massificado nem seria um exército, seria um conjunto de pessoas desligadas uma das outras, sem uma motivação ideológica (como defender a Pátria) e coisas assim.

Mas atenção: a motivação é sempre algo que deve ser aceite por cada indivíduo, portanto temos que distinguir em massificação útil (por exemplo: um povo unido pelos ideais republicanos, comunistas, fascistas, até anárquicos, etc.) e uma massificação inútil.

Quando é útil? Quando a massificação alimenta a sociedade: um povo unido pelos ideais republicanos pode fazer nascer uma sociedade republicana. Isso é bom? É.

Então quando a massificação é inútil? Quando o indivíduo é reprimido, porque a massificação não alimenta a sociedade. Aliás, é com a massificação que, neste caso, os opressores controlam os oprimidos. E é esta a nossa situação.

Paradoxalmente, a nossa sociedade parece exaltar o individualismo: a liberdade sexual é um aparente incentivo para que cada um de nós possa sentir-se livre de ser como deseja (ou pensa desejar) ser. O que pode haver de melhor duma sociedade em que cada um é livre de ser ele mesmo?

O problema é que este individualismo é por sua vez uma massificação: utiliza-se a liberdade sexual (o sexo aqui é apenas um exemplo, como é óbvio) como meio para esvaziar de conteúdos valores antigos, como o conceito de família, deixando o indivíduo cada vez mais sozinho. E um indivíduo sozinho, sem raízes, é mais facilmente controlável.

Portanto, não temos que ter medo da massificação no geral: esta faz parte dos grupos humanos desde que estes surgiram. Temos que ter medo da actual massificação, porque é operada num regime de opressão. E porque tem como objectivo a destruição da sociedade.     

O projecto de destruição prevê  que todos fiquem iguais. Mesmo produtos consumidos, mesmos serviços utilizados, etc.; e tenta alcançar este objectivo com uma despersonalização camuflada de liberdade. Hoje, embora haja uma aparente variedade de comportamentos, hábitos e gostos, temos uma pergunta que tem que ser feita: esta ideia de “diversidade” é nossa ou induzida pelos meios de comunicação?

Individualizar para despersonalizar

Se comprarmos um Volkswagen Golf personalizado com o tecto preto, os vidros escurecidos e as jantes em liga, estaremos a declarar a nossa individualidade por meio de opções estéticas ou estaremos simplesmente a comprar um outro Volkswagen? A resposta, obviamente, é a segunda.

Mas então: a actual sociedade globalizada, com o seu fardo de egoísmo, individualismo e “carreirismo” exasperado, com a sua arrogância e cada vez menos oportunidades (dado que tudo está concentrado na direcção vertical, num nível superior ao nosso), pode realmente definir-se como “sociedade”? Ou será apenas uma agregação de indivíduos controlados, cada vez mais dominados, algo “vendido” como sociedade? Onde fica a sociedade sem algo que aglutine, sem aquela massificação benéfica que deve alimentar a sociedade?

No contexto da actual globalização, de facto, a despersonalização do indivíduo permanece disfarçado: cada um acha-se livre, mas os pensamentos, as palavras e as ações são decididas pelo “sistema”. Resultado: clones, cada um dos quais acha ser livre, aberto e inteligente, sem saber que sofre das limitações mentais que o sistema impõe.

Hoje cada um de nós tem as suas ideias acerca da política, da economia e da “sociedade”. Mas o que fazemos na maior parte dos casos é repetir o mantra ouvido nas notícias do dia anterior e acreditar que aquela seja uma ideia surgida da nossa cabeça. Diários, televisões, media no geral, espalham (conscientemente ou não: também aí trabalham pessoas como nós!) o pensamento único disfarçado de variedade.

O pensamento único é normalmente composto por duas alternativas, entre as quais escolher (no caso da política: Esquerda ou Direita). Nós escolhemos um dos lado e ficamos convencidos de ter tido a “liberdade de escolha”. A verdade? Fomos obrigados a escolher apenas entre duas possibilidades, não mais do que isso.

Podemos pensar que este seja um facto absolutamente normal: uma pessoa ou é de Esquerda ou de Direita. Mas quem disse isso? Onde está escrita esta besteira?

Este é o fruto da “polarização” da política, um processo fortemente desejado e implementado com a desculpa de “reduzir o desperdício dos votos e criar governos mais estáveis”. Cujo único resultado foi o de reduzir a nossa possibilidade de escolha (os partidos menores, que continuam a existir, não têm possibilidade de ir ao poder a não ser em coligação com um dos partidos maiores; e, em qualquer, caso, desenvolvem uma outra função útil ao sistema, que é aquela de recolher e controlar os insatisfeitos, desiludidos, etc.).

O Sistema

O nosso é um sistema criminoso que obriga todos nós a viver segundo regras que nunca foram
decididas por nós de forma consciente (isso é: sabendo quais as reais consequências).

E é um sistema do qual é muito difícil sair: não somos donos do que comemos, uma vez que as multinacionais dos alimentos, para economizar em matérias-primas, utilizam cada vez mais a química; não somos livres de manter a nossa saúde, pois as empresas farmacêuticas (sempre multinacionais) até inventam doenças e espalham o medo com publicidades cada vez mais agressivas (pessoas que até poucos anos atrás eram consideradas não diabéticas, hoje são diabéticas. Como foi conseguido isso? Baixando o limite de glucose permitido no sangue).

Mas somos também escravos dum polvo financeiro global que, através dalguns bancos privados, emitem dinheiro que outras instituições privadas tomam emprestado e investem. Quando depois algo correr mal, eis que nós temos que intervir porque o fecho dum banco “teria consequências desastrosas para a Economia toda”.

É claro que os exemplos poderiam continuar, mas o que é importante aqui é realçar como chegámos até este ponto sem utilizar a espada: e deve ser a primeira vez na História que isso acontece. Nunca houve uma tal concentração de poder em tão poucas mãos, obtida sem, sangue. E nem sabemos de quem são aquelas mãos.

Voltamos à dúvida de abertura: somos ou não uma sociedade?
Apesar no ponto de vista sociológico a nossa constituir uma sociedade, na verdade seria mais correcto defini-la como um “sistema”, cujo objectivo é de-socializar a nossa vida. Um sistema que pode funcionar apenas com algumas condições: o medo, por exemplo.

Mas aquele mais funcional é sem dúvida a subtracção do tempo. Trabalhar mais, procurar trabalho, satisfazer esta ou aquela tarefa inútil: o importante é que cada um de nós tenha menos tempo para pensar. Desta maneira torna-se normal ter poucas escolha à disposição, pensar utilizar os pensamentos pré-confeccionados.

A saída? Simples: impor-se de começar a pensar out of the box, come dizem os ingleses, fora da caixa. Não dar nada como assumido, não deitar-se nos cómodos mas falsos braços das ideologias mofadas e duvidar, sempre. De tudo. Porque é com a dúvida que nasce a curiosidade e a vontade de saber mais.

Mas importa?

É importante tudo isso? Sim, muito e por várias razões.
É importante porque sem ter consciência disso continuamos a viver na ilusão duma “liberdade” que não existe.
É importante porque é preciso ter bem presente perante os nossos olhos qual um dos fins da actual “sociedade”: a destruição de tudo o que, desde o aparecimento do Homem, criou as bases para ter uma sociedade. Portanto: o fim é a destruição da mesma sociedade.
É importante porque ajuda também a perceber as dificuldades que hoje o Homem tem para “acordar” e até imaginar algo diferente. Afinal, não somos todos “livres” como nunca aconteceu no passado?
É importante porque explica a total inutilidade de todos os “-ismos” nos quais acreditámos até hoje. Nenhum dele encara o problema do fim da sociedade, pelo contrário: colabora activamente para este objectivo.

E, quem sabe?, com o pensamento pode até nascer um novo “-ismo”, com o qual preparar-se antes que comece o período mais duro. Porque, até agora, foram rosas e flores: a parte mais divertida ainda tem que começar. Ou acham o Poder tão fraco?

Ipse dixit.