caso interessante é aquele da Globalização.
Wikipedia versão portuguesa:
A globalização é um dos processos de aprofundamento internacional da integração econômica, social, cultural, política, que teria sido impulsionado pelo barateamento dos meios de transporte e comunicação dos países no final do século XX e início do século XXI.
Falso. Esqueçam Wikipedia, os jornais e os livros que anunciam a Globalização como uma das “grandes tendências das últimas décadas e do futuro”. A Globalização é coisa velha e está intimamente ligada ao Capitalismo (ou melhor: aquela coisa que hoje definimos como Capitalismo e que nada tem a ver com a ideia original).
Depois, para confundir ainda mais o Leitor, Wikipedia declara:
Embora vários estudiosos situem a origem da globalização em tempos modernos, outros traçam a sua história muito antes da era das descobertas e viagens ao Novo Mundo pelos europeus. Alguns até mesmo traçam as origens ao terceiro milênio A.C.
Falso. Dito assim, a Globalização parece sempre ter existido: nesta óptica, Adão foi o primeiro globalizador uma vez abandonado o Paraíso (mas a culpa foi de Eva com a maçã, como sabemos).
Qualquer bom livro acerca da Globalização explica que esta nasceu algumas décadas depois da Revolução Industrial (Inglaterra, final de 1700). E apareceu de repente: literalmente explodiu após o 1860, atingindo o pico em 1890 com o Império Britânico que promoveu (em muitos casos com a força) este processo em todo o mundo. A razão? Simples: o mercado.
Após ter desenvolvido um sistema de produção nunca antes existido e satisfeita a demanda interna, a Inglaterra tinha que procurar novos mercados. Mas não era uma procura que tinha como objectivo apenas a Economia: a Finança, como veremos, jogou um papel ainda mais importante.
Portanto: a onda de Globalização do ‘800 não foi apenas uma questão de força militar britânica (com o Império que ampliou de forma exponencial os seus limites) mas também de persuasão intelectual, através, por exemplo, da difusão das obras de Adam Smith e David Ricardo; textos que foram usados para justificar a superioridade da livre concorrência em todas as frentes. Capitais, mercadorias, bens de todos os tipos, também a migração: tudo encontrava a sua razão de ser neste novo fenómeno. E na altura era mesmo isso: novo.
Não é possível fazer uma comparação entre Globalização do século XIX e a suposta Globalização das épocas anteriores. Não é possível simplesmente porque antes do Capitalismo não havia Globalização nenhuma. As colónias europeias ocupadas após a Era dos Descobrimentos não previam a instauração nas mesmas colónias dum sistema económico uniforme e ainda menos se falava de Finança: as colónias eram simplesmente um reservatório de matérias primas e de riquezas. Eram exploradas, não “globalizadas”.
A verdadeira globalização, portanto, nasceu apenas após o aparecimento do Capitalismo e, como afirmado, teve o seu auge na segunda metade do 1800. Aí, entre as outras coisas, foi imposto o sistema do padrão-ouro (1870-1880) e quase todas as nações tiveram que aceita-lo. Isso significava um único sistema financeiro global em que os capitais podiam ser movidos sem restrições: não uma moeda única, mas todas as moedas ligadas a um único valor (o ouro).
As barreiras comerciais foram derrubadas e a Finança tornou-se global, com os grandes bancos que financiavam empresas em todos os continentes: guerra do Japão com a Rússia, colonização da Indonésia ou da África, etc.
Assim, não surpreende que no período entre 1860 e 1890 (em qualquer caso até a Primeira Guerra Mundial) ocorreram três fenómenos semelhantes aos de hoje:
- um aumento da concentração da riqueza e uma desigualdade social sem precedentes
- uma explosão de migração de dezenas de milhões de pessoas que foram obrigadas a mudar-se pela expropriação súbita e violenta das terras (na Inglaterra, por exemplo, onde durante séculos a maioria das terras era de uso comum, estas foram subitamente privatizadas com a consequente expulsão dos camponeses que não tinham outra alternativa que migrar)
- um boom na Finanças global, com a criação de enormes mercados de Dívida, antes Dívidas dos Estados, depois corporativas e das Bolsas. Não acaso, por volta de 1880 começaram a estourar os escândalos, colossais crises financeiras e bancárias com repentinas depressões económicas.
A única diferença com hoje é que na altura a Globalização era algo nas mãos da Europa (em particular, como vimos, do Reino Unido), enquanto hoje é um fenómeno que interessa quase todos os continentes. “Quase” só porque na Antártica os pinguins ainda não ficaram convencidos.
Depois, no final de 1800, a Globalização começou a entrar em crise. O que aconteceu?
Aconteceu que após mais de trinta anos de Globalização selvagem, em toda a Europa e até nos Estados Unidos, foram constituídos os primeiros movimentos socialistas, comunistas, cristãos sociais e nacionalistas.
Com os vários Lenine, Estaline, Mao, Castro, Hitler, Franco, Salazar, Mussolini, Hortyt e os militares japoneses, Leon Blum, a Frente Popular na França, Gaulle, o Partido Trabalhista britânico, o Partido Socialista Francês, Roosevelt, Chang Kai Shek, Nasser, Suharto, Peron, Nehru,… foram estes os rostos mais conhecidos dum movimento generalizado que obrigou a Globalização a regredir ao longo de 80-90 anos.
Isso até os anos ’80 do século passado: aí, com Reagan, Thatcher, Clinton e Blair, a escola de Chicago, a desregulamentação financeira, Greenspan, etc. … a Globalização foi amplamente revitalizada. Mas é importante reter que, contrariamente ao que é afirmado, não é o avanço tecnológico (o progresso) que impõe a Globalização: entre 1890 e 1980 a tecnologia evoluiu, até bem mais do que antes. Mesmo assim, a Globalização abrandou, até quase desaparecer.
A simples verdade é que a Globalização é empurrada pelos interesses financeiros das grandes corporações: não é nem um fenómeno novo, nem algo que não possa ser evitado por causa do progresso. É uma escolha, que pode ser mudada tal como já aconteceu com as forças sociais de vária matriz (de Esquerda e de Direita).
A tecnologia, o progresso, nada têm a ver com a Globalização. A única ligação que é possível estabelecer é aquela entre a Globalização e o Capitalismo: isso por causa dos mercados financeiros, não da economia. Mas falamos dum Capitalismo que já ultrapassou a fase primordial, abandonando os princípios originais para abraçar o aberrante desvio da Finança selvagem e concentrada nas mãos de poucos.
Como sempre: é preciso seguir o dinheiro para entender as razões do que se passa. E a História ajuda, muito até.
Ipse dixit.