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Dinheiro: uma ideia alternativa

Há algo profundamente errado no nosso sistema financeiro global. Bom, na verdade há mais do que “algo”, mas hoje vamos tratar só dum assunto entre os muitos disponíveis.

A nossa é uma economia de exclusão e de desigualdade, regida exclusivamente pelo dinheiro. É uma economia que mata, que destrói. Esta é uma situação que mais ou menos todos conhecem.

Menos claro fica como é que chegámos até uma situação destas e ainda menos é como pode ser possível corrigi-la.

A importância do dinheiro

A maioria das pessoas acha “normal” o nosso sistema monetário e fica pasmada quando descobre que não são os governos a emitir o dinheiro que têm no bolso. Não se fala aqui da Zona Euro, fala-se dos governos no geral.

Quase todo o dinheiro é gerado a partir de empréstimos feitos de “ar frito”, que têm como base a contabilidade dos bancos privados. São estes os maiores criadores de dinheiro. Obviamente, os bancos privados têm como único objectivo o lucro, pelo que cobram uma taxa (os juros) pela operação, ganhando assim dinheiro a partir do nada. O tal “ar frito” gera dinheiro, mas só para os bancos privados. De facto, a moeda emitida pelos governos (moedas e notas) é uma quantia insignificante quando comparada com aquela dos bancos privados.

A ideia de dar (na prática) o monopólio da emissão do dinheiro aos bancos privados não é nova e pode ser encontrada na Inglaterra do 1600. O governo do Rei, com alguns problemas de liquidez, permitiu que um grupo de banqueiros privados assumisse a Dívida Pública (que era grande), utilizada como garantia para emitir empréstimos (com juros). E assim tem sido desde então. O sistema foi um tal sucesso (do ponto de vista dos bancos privados) que foi exportado em todo o mundo.

Problema: o dinheiro é demasiado importante para que seja deixado nas mãos dos banqueiros privados. Não há razão para que sejam entidades privadas a gerir, nos factos, o lucrativo monopólio do dinheiro; este deve ser um serviço público, o que a maioria acredita ser hoje. Além disso, a questão do dinheiro “privado” permite que alguns grandes bancos e instituições financeiras, não só ganhem dinheiro a partir do nada, mas também canalizem os investimentos em favor de empresas “amigas” e não de todos. Porque o dinheiro é poder.

Trocas? Até um certo ponto

Dúvida: mas não seria possível eliminar o dinheiro?
Resposta: não.

É importante não perder de vista a verdadeira questão: o dinheiro em si não é mau, é apenas um instrumento. É a forma como é criado e gerido que é péssima. Além disso, eliminar o dinheiro seria possível em pequenas comunidades (coisa esta bem desejável), mas pensamos como pode pensar um Estado: de que forma garantir o sistema de saúde nacional sem dinheiro? Com a troca? E de quê? Enviamos ovelhas para os directores dos hospitais para depois dizer “Troquem estas para soros e anestéticos”?

Até agora não foi inventada uma válida alternativa (a não seja, repito, o sistema de troca em
comunidades pequenas, isso sim viável desde já). Que seja ouro, que sejam “créditos”, que sejam “vales”, a verdade é que sempre de dinheiro falamos. Nem nas sociedades pseudo-comunistas (como a antiga URSS ou Cuba) o dinheiro foi eliminado, simplesmente porque o mal não é o dinheiro enquanto tal.

Pode ser que um dia apareça alguém com uma ideia genial (e viável, não apenas utópica), que consiga apresentar uma sociedade onde o dinheiro não for preciso. Mas até lá, o dinheiro (isso é: a representação duma riqueza para facilitar as trocas comerciais) é a melhor solução.

O problema, como afirmado é a utilização que esta sociedade faz do dinheiro.
As pessoas comuns obtêm empréstimos com juros muito elevados, quando não proibitivo (e lembramos: juros = usura), que condena a viver eternamente na dívida, com hipotecas, empréstimos para pagar outros empréstimos, prestações, etc. Os juros sobre estes empréstimos alimentam a máquina do investimento privado no mercado da grande Finança, nas mãos de poucos homens (o tal 1% da população). E o ciclo continua, eternamente.

Duas não-soluções

Perante esta situação, existem duas principais formas de críticas e de soluções propostas para o nosso sistema financeiro privatizados: os que apoiam o regresso ao padrão-ouro e os que acham que os bancos deveriam ser apenas públicos.

1. O padrão-ouro (Gold Standard)

No primeiro caso, falamos de pessoas que rogam o regresso aos tempos em que uma moeda tinha o correspondente valor em ouro nos cofres do Estado. Este sistema, chamado de padrão-ouro (Gold Standard), foi eliminado em 1971, mas na verdade já antes da Primeira Guerra Mundial o tinha abandonado.

A razão? Simples: com o padrão-ouro seria praticamente impossível emprestar dinheiro pois a quantidade de ouro disponíveis em circulação é pequena e não muito flexível. E não existe um caminho para expandir a quantidade de ouro presente no mundo. Portanto: nada de empréstimos, circulação da moeda muito reduzida, com todos os efeitos negativos sobre a economia (que seriam desastrosos).

O facto de não poder obter empréstimos pode parecer secundário (afinal seriam menos prestações para ser pagas…), mas a verdade é que o crédito (a capacidade de ter dinheiro emprestado) é crucial em qualquer economia. Se um empréstimos o Estado não teria a capacidade de construir estradas, infra-estruturas, casas, empresas, hospitais, educação, etc., não seria capaz de financiar serviços essenciais. Por isso precisamos duma oferta monetária “elástica” (com capacidade de crédito).

2. Os bancos públicos

Os defensores do sistema de bancos públicos bem conhecem a necessidade de crédito, portanto a ideia deles não é regressar ao padrão-ouro mas transferir o monopólio dos bancos dos privados para o público.

O que parece uma boa ideia. Infelizmente há um “mas”. Que é o seguinte: há políticos aos quais eu nem emprestaria as chaves do meu carro. Isso é: não há uma garantia de que essa forma de financiamento “estatal” possa ser melhor do que a versão privada.

Temos que ser honestos: se tivéssemos governos verdadeiramente democráticos, capazes de assumir as suas responsabilidades de forma eficaz perante todos os cidadãos, então sim, este sistema seria perfeito; mas, na realidade, a maioria dos governos (especialmente os ocidentais mas não só) são constituídos por oligarquias controladas por interesses particulares e “especiais” (e este é um eufemismo).

Um sistema bancário apenas público sem antes uma revolução política, levaria a favorecer os empreiteiros “amigos” do governo de turno. E este continuaria a espremer os devedores com os juros com a desculpa de que é tudo em favor do “bem público” (curiosamente, era o sistema da antiga URSS, onde apenas uma restrita faixa da população, ligada firmemente à nomenklatura política, vivia na riqueza extrema).

O problema de fundo de ambas as soluções (Gold Standard e bancos centralizados) é sempre o mesmo: o controlo financeiro nas mãos duma elite que actua de cima para baixo.

Uma alternativa?

E se tentássemos alterar este sentido? Não “de cima para baixo” mas “de baixo para baixo”?

Felizmente, há um modelo como este e espantem-se: é algo historicamente nascido nos Estados Unidos.

Na América, já durante o período de resistência ao colonialismo britânico e, em seguida, com os vários presidentes Jefferson, Jackson e alguns movimentos pós-guerra civil, havia o conceito segundo qual era preciso opor-se a qualquer forma de bancos centrais e promover a descentralização da emissão de moeda.

A ideia foi desenvolvida para proibir qualquer forma de bancos centrais, tanto públicos como privados, e permitir que a emissão do dinheiro fosse acontecesse apenas no âmbito “local”, perante garantias válidas tanto para os indivíduos quanto para as empresas. Portanto, era uma abordagem bem diferente da actual, que começava “do baixo” para dar prioridade aos cidadãos e as empresas locais, que poderiam obter empréstimos sem juros (e este é um pormenor muito importante) dos bancos públicos locais para financiar as suas actividades.

Seria um sistema confuso? Bom, depende. É claro que deveria ser regulamentado para garantir padrões de empréstimos locais justos e uniformes. Seria, de facto, um sistema bancário público, mas com uma grande diferença: não existindo um emissor de dinheiro centralizado, impediria qualquer concentração de poder financeiro, tanto público como privado.

Seria um sistema perfeito? Longe disso. Para já haveria uma série de problemas não indiferentes que deveriam ser resolvidos (por exemplo: como controlar a inflação? Como relacionar-se nas trocas internacionais?), mas a sugestão tem um conceito de base importante, como afirmado: alterar o actual sistema “de cima para baixo” e eliminar (ou, pelo menos, limitar fortemente) o actual controlo por parte duma elite financeira.

A história ensina que as decisões “de cima para baixo” inevitavelmente acabam por favorecer os interesses de poucos, criando uma sociedade distorcida e socialmente contraproducente.

O sistema monetário descentralizado opera sem um planeamento central, é regulado pelas necessidades dos cidadãos e das empresas (públicas e privadas). O controle sobre a moeda seria assim transferido para os cidadãos e empresas publicas e privadas, exclusivamente locais.

Melhor repetir: é uma hipótese nova que implica profunda transformações na nossa sociedade. E que, provavelmente, nem poderá ser implementada na mesma forma aqui descrita. Mas é um caminho que aponta para uma alternativa.

Como iniciar? Esta é a parte mais simples: começando com a eliminação dos juros, isso é, da usura, tal como acontece nos Países islâmicos. E isso poderia ser feito desde já.

Ipse dixit.

Fonte: Adrian Kuzminski in Cluborlov