Tinha que ser.
Vamos fazer um resumo? Mas resumo mesmo, pois a operação é imensa e vê envolvidos:
- 82 presos
- 103 indiciados
- 235 buscas e apreensões
- 12 condenados
- 28 acusações criminais
- 494 entre empresas e pessoas investigadas
- 46 pedidos de cooperação internacional
- 2.1 biliões de Reais desviados (600 milhões de Euros).
E ainda não acabou.
Alberto Youssef |
A investigação arranca no dia 17 de Março de 2014, quando começam a ser investigadas e
processadas quatro organizações criminosas lideradas pelos chamados “doleiros”, operadores do mercado paralelo de câmbio.
Em causa está um esquema multimilionário de desvio e lavagem de dinheiro (que na verdade tinha sido investigado desde 2009) focado num ex-deputado (José Janene do partido Progressista) e dois “doleiros”: Alberto Youssef (empresário brasileiro, já conhecido no escândalo do Banestado, em 2002) e Carlos Habib Charter.
Em 2013, a investigação identifica quatro organizações criminosas, “doleiros” e ligações do esquema a Paulo Roberto Costa, director de abastecimento da Petrobras (a empresa brasileira de exploração, produção, refino e comercialização de
petróleo, gás natural e derivados) entre 2004 e 2012. O Ministério Público Federal recolhe provas dum “imenso esquema criminoso de corrupção envolvendo a Petrobras”.
Perante as provas, é lançada a operação Lava Jato, com 81 mandados de busca e apreensão, 18 mandados de prisão preventiva, dez mandados de prisão temporária e 19 mandados de condução coerciva, em 17 cidades de seis estados e no Distrito Federal.
Paulo Roberto Costa |
Como vimos, com a figura de Paulo Roberto Costa entra em cena a Petrobras.
O ex-director da empresa e os seus familiares (apanhados a desfazerem-se das provas) são acusados de obstrução à investigação; são também apreendidos 80 mil documentos, equipamentos informáticos e telemóveis. As provas recolhidas apontam para um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que envolve directamente a Petrobras.
Assim começa a segunda fase da operação. No dia 11 de Abril, a Petrobras começa a colaborar e entrega documentos: 23 mandados de busca e apreensão, duas prisões temporárias, seis de condução coerciva e 15 de buscas e apreensão em cinco cidades. São também denunciadas 74 pessoas pela prática de crimes contra o sistema financeiro nacional, formação de organização criminosa e lavagem de recursos provenientes desses crimes, corrupção e peculato.
O que está em causa é um esquema no qual as grandes empreiteiras, organizadas em
cartel, pagam subornos aos directores e agentes da Petrobras,
subornos que chegam a 5% do montante total dos contratos. Numa situação normal,
as empreiteiras concorreriam entre elas para conseguirem contratos da
Petrobras, que, por seu lado, iria escolher a empresa que aceitasse a
obra pelo menor preço.
No entanto, as empreiteiras
organizam-se e realizam reuniões secretas para decidirem
quais os preços que irão oferecer à Petrobras, assim como qual a
empresa que irá ganhar o contrato. Para garantir que só as empresas do
cartel sejam convidadas para as licitações, é preciso envolver
funcionários da Petrobras. Assim: operadores
financeiros, intermediários, responsáveis pela entrega dos subornos, etc.
Paulo Roberto Costa e o “doleiro” Alberto Youssef decidem colaborar com a Justiça e as informações recolhidas alavancam a investigação, que assim se expande e envolve diversas empresas de construção, entre as quais:
- Engevix
- Mendes Júnior Trading Engenharia
- Grupo OAS
- Camargo Correa
- Galvão Engenharia
- UTC Engenharia
- IESA Engenharia
- Construtora Queiroz Galvão
- Odebrecht Plantas Industriais e Participações.
São todas empresas de importante dimensão, cada uma com dezenas de milhares de funcionários. No entanto, tomem nota deste último nome: Odebrecht.
João Vaccari |
Em 2015 a investigação estreia uma nova frente: aquela política. Em Março o procurador-geral pede ao Supremo Tribunal Federal para investigar 49 pessoas, entre as quais estão 47 políticos, suspeitos de participação no esquema de corrupção. Entre eles estão:
- 22 deputados federais
- 12 senadores
- 12 ex-deputados
- 1 ex-governadora
Todos fazem parte de cinco partidos, o PP (Partido Progressista, de Direita, com mais políticos envolvidos), o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro, do Centro), PT (Partido dos Trabalhadores, de Esquerda),
PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira, de Centro-Esquerda), PTB (Partido Trabalhista Brasileiro, do Centro), PSB (Partido Socialista Brasileiro, de Esquerda).
Além disso há os dois chamados de “operadores” do esquema, o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, e o lobista Fernando Antônio Falcão Soares, conhecido como Fernando Baiano, do PMBD.
Dos dois, a figura politicamente mais relevante é sem dúvida a primeira, o Vaccari: secretário de Finanças e Planeamento do Partido dos Trabalhadores (o PT) e antigo presidente da Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo), conhecida pelo Caso Bancoop (crime de formação de quadrilha, estelionato e tentativa de estelionato – no Codigo Penal brasileiro, o estelionato é um crime económico definido como “obter, para si ou para outro, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento” -, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro por desvios de recursos no total aproximado de 70 milhões de Reais e prejuízo de aproximadamente 100 milhões de Reais aos que não receberam as suas unidades habitacionais).
E aqui a coisa aquece porque o PT, no qual Vaccari ocupa uma posição de relevo, é o mesmo partido da Presidente Dilma Rousseff e do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como se não fosse suficiente, nos depoimentos é também citado o nome de Aécio Neves, economista, senador e Presidente do PSDB, ex-governador de Minas Gerais e candidato à Presidência da República em 2014, tendo perdido para Dilma Rousseff na eleição mais disputada da história do País.
É claro que estamos nos andares mais elevados da política do Brasil, mas o Ministério Público decide não incluir a Presidente ou Aécio Neves na investigação.
Voltando aos outros políticos, o Procurador-Geral acha que os grupos “agiram em associação criminosa, de forma estável, com comunhão de esforços e unidade de desígnios para praticar diversos crimes, entre os quais corrupção passiva e lavagem de dinheiro”.
Já em Janeiro de 2015, o ex-director da área internacional da Petrobras, Nestor Cuñat Cerveró, tinha sido preventivamente preso ao desembarcar no aeroporto de Rio de Janeiro. Cerveró é um economista que exerceu vários cargos de direcção na Petrobras também no período durante o qual Dilma Rousseff era presidente do Conselho de Administração da empresa (2002 -2010).
Marcelo Odebrecht |
Uma das grandes detenções ocorre no dia 19 de Junho: alvo é Otávio Azevedo, presidente da
Andrade Gutierrez, uma das empresas envolvidas no esquema de corrupção (e cujo dono, Sérgio Gutierrez, tem residência em Lisboa).
Azevedo foi um dos representantes da Oi (operadora de telecomunicações do Brasil) na PT (a Portugal Telecom) e é (ou era…) um dos homens mais poderosos do Brasil. Saiu do conselho de administração da PT depois de ter conhecido o investimento na Rioforte.
Rioforte? Isso faz lembrar algo….ah, pois: o BES! Em 2014 a Portugal Telecom investiu quase 900 milhões de Euros em papéis da
Rioforte, holding do Grupo Espírito Santo, acionista do Banco Espírito Santo. Que, passados poucos meses, faliu e deu início ao “Caso BES”.
Ok, ok, mas não divagamos: Otávio Azevedo é apontado pelo ex-director de abastecimentos da Petrobras, Paulo Roberto Costa, como envolvido no pagamento de subornos da Andrade Gutierrez ao PMDB e ao PP, por intermédio de Fernando Soares, o tal “Fernando Baiano”, já detido.
Sempre em Junho, também é detido Marcelo Odebrecht, presidente da holding brasileira Odebrecht S.A, que em Portugal é detentora da construtora Bento Pedroso (que agora chama-se Odebrecht Portugal. Obras principais: Metropolitano de Lisboa, aproveitamento hidroelétrico do Baixo Sabor, em Trás-os-Montes). Odebrecht é acusado com mais sete pessoas ligadas à empresa de crimes como fraude em licitação, lavagem de dinheiro, corrupção activa e passiva, crime contra a ordem económica e organização criminosa.
Odebrecht, lembram-se? Pois. É aqui que entra em cena Lula da Silva, o ex-Presidente do Brasil.
Começa a ser investigado no dia 16 de Julho por tráfico de influências, por ter alegadamente favorecido a construtora Odebrecht (cujo presidente, como lembrado, já se encontra preso), uma das empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato.
Segundo as reconstruções, o alvo das investigações são as viagens internacionais feitas por Lula da Silva e financiadas pela Odebrecht. Em contrapartida, o ex-Presidente ajudaria a construtora a conseguir contratos em África e na América Latina, numa altura (entre 2011 e 2014) em que Lula já não era chefe de Estado. O ex-Presidente entretanto já pediu a suspensão do inquérito, alegando que houve irregularidades na abertura do processo.
Lula e Passos Coelho |
No início desta semana, em Portugal, a Procuradoria-Geral da República confirma ter recebido das autoridades brasileiras “um pedido de cooperação judiciária internacional”. As autoridades portuguesas vão investigar eventuais ligações em Portugal entre o ex-Presidente brasileiro e a construtora Odebrecht.
A imprensa brasileira avança que Lula da Silva terá pedido ao Primeiro Ministro Pedro Passos Coelho para dar atenção aos interesses da Odebrecht na privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF), a sub-holding da Águas de Portugal. Em declarações públicas, Passos Coelho nega (como é óbvio) afirmando que Lula da Silva não tentou “meter nenhuma cunha” a favor da Odebrecht ou de outra empresa brasileira.
Entretanto, a Empresa Geral de Fomento já foi vendida a um consórcio formado por duas empresas, uma portuguesa (Mota Engil) e outra espanhola (Suma), que nada têm a ver com a Odebrecht. Mesmo assim, a Procuradoria Geral de Lisboa acrescenta que existem investigações em curso relacionadas com a Portugal Telecom e a Operação Lava Jato, que se encontram em segredo de justiça.
O Ministério Público quer apurar o envolvimento de ex-governantes, acionistas da PT e gestores no negócio de venda da participação da PT na Vivo à Telefónica, por 7,5 mil milhões de Euros, e posterior entrada da Portugal Telecom na brasileira Oi, negócios que foram realizados em 2010. Também quer saber mais acerca do cruzamento de posições acionistas com a Oi, no qual esteve
envolvido José Dirceu, figura do Escândalo Mensalão e sob investigação no Lava
Jato também.
A Procuradoria não revela o âmbito concreto da investigação, já que, como afirmado, a “carta rogatória encontra-se em segredo de justiça, pelo que o seu objecto e diligências realizadas ou a realizar não podem ser divulgados”, mas, de acordo com o diário Público, suspeitas de benefícios financeiros, no valor de dezenas de milhões de Euros, concedidos a governantes, acionistas e quadros de topo das empresas poderão estar na origem das averiguações.
Na verdade, o que descrito até aqui é apenas quanto anunciado: um resumo. A Operação Lava Jato completa é bem mais complexa, articulada em 15 fases distintas e ainda em curso, com ramificações que alcançam vários níveis da sociedade civil e política brasileira (e, como vimos, em parte portuguesa).
O Partido dos Trabalhadores e boa parte da opinião pública estão convencidos de que a Operação está a apertar o cerco em torno do governo. “O próximo sou eu”, terá desabafado Lula segundo a imprensa local.
Lula com o deficien… ehm, o Presidente |
Mas ver esta acção da Justiça como um ataque contra o governo é ingénuo e redutor, além de que
vestir o papel de vítima não esclarece a intimidade existente e comprovada entre Lula da Silva, Dilma Rousseff e um dos nomes mais “importantes”, aquele Marcelo Odebrecht actualmente preso.
Nos últimos anos, o ex-Presidente visitou a convite da Odebrecht vários Países, acompanhado por Alexandrino de Alencar, director de relações institucionais da Odebrecht e um dos detidos da 14ª etapa da Operação Lava Jato.
Marcelo Odebrecht foi recebido por cinco vezes desde 2011 por Dilma no Planalto, além de ter mantido uma reunião privada há menos de um mês com a Presidente durante uma visita oficial ao México.
Tudo isso só por si não significa rigorosamente nada: mas são posições que merecem ser esclarecidas, que os mesmos investigados deveriam ver definitivamente clarificadas para afastar todas as possíveis suspeitas. Não é por nada: mas aqui há só amigos que ou estão na prisão ou estão a ser investigados…
A não ser que o desejo seja uma Justiça com sentido único. Coisa que até aqui não aconteceu, porque se o governo chora, a oposição não ri. Os actuais dirigentes do PSDB e das outras forças contrárias ao governo têm mantido uma certa discrição porque as ligações daqueles poderosos empresários ultrapassam a esfera dos actuais ocupantes do Planalto: é toda uma classe política que está sob observação.
Se a detenção de Odebrecht pode constituir um rude golpe para o governo, também é certo que a Operação atinge toda a classe política. Tanto para fazer um exemplo, nas últimas eleições presidenciais Marcelo Odebrecht tinha anunciado publicamente apoiar Aécio Neves, do PSDB, e Otávio de Azevedo disse ter votado na independente Marina Silva. E observando a lista completa dos políticos envolvidos (actualizada até Março deste ano) pode-se encontrar de tudo um pouco: PT, PMDB, PP, PSDB, PSB, PTB e até um sem partido. Falta ninguém.
E Portugal? Daqui mal nenhum pode chegar contra Lula & C., cujos apoiantes podem ficar descansados. A Justiça local tem sido exímia em “afogar” qualquer “inconveniente” que pudesse criar problemas ao actual Primeiro Ministro. Alguém sabe algo do caso Tecnoforma? Dos fundos comunitários desviados? Nada, não é? Pois. Portanto, que Lula seja culpado ou inocente, nada de mau que possa envolver Passo Coelho será revelado.
Pelo menos até Setembro, mês das eleições legislativas.
Depois pode mudar o governo e… tudo ficará na mesma.
Ipse dixit.
Fontes: Expresso, Dinheiro Vivo, Governo de Portugal, O Globo, Wikipedia: numerosas páginas biográficas relativas às pessoas citadas no presente artigo.