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Espionagem: Portugal na vanguarda

Portugal está de parabéns.

Basta com estas história da espionagem ilegal, da NSA, de Edward Snowden. É altura de pôr um ponto final. Como? Simples: tornando as escutas e a recolha de dados pessoais perfeitamente legais.

É este o sentido da proposta de lei apresentada pelo governo, composto por PSD (Centro) e CDS (Direita), com o apoio externo do PS (Esquerda): dados fiscais, contas bancárias, telefonemas, correio electrónico. Tudo controlado pelos serviços de informação que podem recolher, processar, explorar e difundir os dados pessoais.

Obviamente, tudo é feito em prol da nossa segurança: trata-se aqui de prevenir o terrorismo (sem dúvida uma praga em Portugal) e o crime organizado.

A proposta de lei (que será discutida hoje no Parlamento) distingue-se por alguns traços vanguardistas. Vamos ver quais.
O modelo prevê que três juízes autorizem a recolha de dados sensíveis, mesmo que não sejam especificados quais os alvos e sem que existam razões fundamentadas para essa vigilância. Isso elimina uma série de etapas burocráticas que, de facto, podem atrapalhar o processo de espionagem.

Na prática, primeiro escuta-se (tudo e todos), depois se verá se o resultado representa ou não uma ameaça. Pode parecer um pouco grosseiro, mas é bom lembrar que este sistema já tinha sido adoptado na Camboja dos Khmer Vermelhos (final dos anos ’70) e que funcionava magnificamente.

Outra característica é o facto de não haver um limite temporal do período de vida das informações recolhidas e nem é sabido quem decide quais dados dizem respeito à intimidade da vida privada, o que obrigaria a uma autorização prévia da recolha. Portanto, os dados podem ser recolhidos e guardados até alguém, eventualmente, se fartar. Uma comodidade pelos serviços de segurança, que assim podem criar dossier individuais sempre prontos para ser consultados.

Até aqui as boas notícias: todavia há um obstáculo que ainda deve ser ultrapassado.
Em Portugal há uma lei, conhecida entre os especialistas com o nome de “Constituição”, que tem a tendência para proteger a vida privada e os direitos dos cidadãos. E, por incrível que pareça, ninguém ainda lembrou-se de revoga-la ou, pelo menos, de altera-la de forma substancial.

Por esta razão, um grupo extremista denominado “Comissão Nacional de Protecção dos Dados” (CNPD, que na minha opinião a CIA deveria inserir na lista das organizações terroristas), utiliza a mesma Constituição para insinuar que o projecto de lei seja “anti-constitucional” e uma “agressão” aos direitos fundamentais.

Não sei se o Leitor reparou no demagógico empirismo do protesto: apela-se a uma lei antiga e claramente ultrapassada, inserindo-a arbitrariamente na discussão, para travar uma mudança que tem como único objectivo modernizar o País e torna-lo um exemplo aos olhos da comunidade internacional. E tudo isso até numa das raras vezes em que governo e oposição concordam.

Triste e reprovável: é por causa de pessoas como estas que a espionagem dos cidadãos ainda deve ser feita à escondida. Qual “agressão” se a espionagem é feita em prol da nossa protecção (não esqueçam a ameaça terrorista)? E qual o problema se eu não tenho nada a esconder?

Quando este povo encontrará a força para gritar “Basta!” e permitir que todos sejam livremente e legalmente espiados?

Ipse dixit.

Fonte: Diário i