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Grécia: a horna é salva, o País condenado

Olé…Oleeeeé!!!

Festejamos: Tripas decidiu fazer um referendo.
Que homem, que herói: ele sim sabe como se doma a fera europeia. Antes Tripas tem esgotado as Mentes Pensantes de Bruxelas, agora volta para a Grécia e zac! com um golpe de mestre devolve a palavra aos cidadãos. A Esquerda é assim: o povo é que manda.

Pena que o referendo sirva para nada. Rigorosamente, incontestavelmente, absolutamente, definitivamente nada. Zero. Niente. Rien. Nicht. E Tripas, que estúpido não é, bem sabe isso.

A razão? Simples: o Eurogrupo  já recusou o pedido grego para obter os dias necessários para efectuar a consulta popular. A proposta da União Europeia acaba antes. Pelo que, no dia em que os Gregos irão votar, já não haverá nenhuma proposta acerca da qual votar. Que digam “sim” ou que digam “não” tanto faz: será como fazer um referendo sobre uma lei que não existe.

O referendo inútil

O Banco Central Europeu já cortou os fundos de emergência à Grécia. Os bancos irão provavelmente fechar, nas caixas automáticas é possível retirar apenas uma mísera quantia. Esta é a realidade.

Posso ter errado ao dizer que a Grécia não vai sair do Euro (e parece mesmo que errei: se a Grécia sair, significa que sobrestimei a inteligência dos burocratas de Bruxelas), mas não acerca do Tripas.
Confesso: ainda consigo admirar-me. Após cinco anos de blog, já deveria estar vacinado, saber como uma ideologia pode literalmente cegar um indivíduo. Mas não, continuo a ficar surpreendido.

Tentamos ser claros: Tripas foi eleito nas fileiras do Siryza tendo como base um programa digno de louvor (e não estou a ser irónico aqui); um programa que queria salvar um País, dignidade incluída, com a única estrada que nesta altura faria sentido (considerando também a situação das finanças gregas): sair da Zona Euro.

O que fez Tripas? O contrário: começou a tratar com as Mentes Pensantes.
É legítimo? Ok, não vamos fazer as virgens violadas, sabemos como é a política, portanto nada de espanto. Todavia, as condições “oferecidas” (deve ler-se “impostas”) por Bruxelas são conhecidas há meses. Portanto, Tripas tinha tempo para organizar um referendo antes que o ultimato de Bruxelas acabasse.

Tripas falou aos cidadãos, admitindo que o programa eleitoral tinha que ser posto de lado porque actualmente não aplicável. Uma atitude correcta (e rara), que deve ser devidamente apreciada: mas incompleta. Porque na altura em que Tripas reconheceu isso, rasgou o contracto que tinha subscrito com os seus eleitores: tinha prometido determinadas coisas, tinha sido eleito com base nisso mas, uma vez no poder, teve que fazer marcha atrás (e sublinho “teve” não “decidiu”, porque provavelmente encontrou umas situações inesperadas).

Aquela era a altura certa para um referendo. Aí Tripas teria entendido qual a a vontade dos Gregos perante a nova realidade, quais as suas margens de negociação com a União, qual a estrada que o País tinha que seguir. Ao conhecer as escolhas dos eleitores perante as novas condições, e ao actuar de consequência, Tripas teria recuperado a confiança, o respeito dos eleitores e, sobretudo, uma total e inabalável legitimidade política (evitando, entre as outras coisas, de “partir” internamente o Syriza, tal como aconteceu).

Para que serve o referendo agora? Sempre admitindo que faça sentido um referendo organizado no prazo duma semana.
Do ponto de vista da União Europeia: zero, como já afirmado.
Do ponto de vista do Tripas: “Nem o tempo para um referendo quiseram conceder, fomos humildados e atirados para fora do Euro, nós, o berço da Democracia!”. E vai com os aplausos. A verdade é que a Grécia tem agora de escolher:

  1. entre as tirânicas medidas propostas por Bruxelas e FMI (do meu ponto de vista absolutamente inaceitáveis)
  2. uma catastrófica expulsão do Euro, não organizada, não preparada e que provavelmente vai provocar agitação social. 
As contas

    Nos últimos dias, Tripas fez um discurso no Parlamento cheio de retórica, com tanto de pescoço enchido e roda como um peru, mas não teve a decência de mencionar o que vai acontecer ao seu povo e quais as medidas que serão tomadas para protegê-lo. Nem uma única medida foi apresentada.

    Alguém sabe dizer quais medidas serão tomadas pelo governo caso os Gregos (como é provável) escolham o “não” no inútil referendo? Como serão enfrentadas as situações de verdadeira emergência que estão debaixo dos olhos de todos? Como serão protegidos os salários, as reformas, o funcionamento dos serviços públicos perante um cada vez mais possível cenário de bancarrota? 

    No dia 30 de Junho, isso é, amanhã, a Grécia terá que pagar 2.2 bilhões em salários, pensões,
    etc… Provavelmente estes ainda vão ser pagos, deve haver dinheiro para isso.
    Mas no mesmo dia acaba o prazo para pagar 1.6 biliões ao FMI e também o prazo para o pagamento de 5 biliões de Títulos de Estado gregos.
    Em Julho expiram 0,45 biliões para FMI, 2.1 biliões de Títulos e 3.5 biliões para o Banco Central Europeu.
    Em Agosto 0.18 biliões do FMI, 1 bilhão de Títulos de Estado e 3.2 biliões do BCE.

    Para além destes valores, existem sempre os vencimentos, as pensões e os custos do funcionamento do Estado.

    Resumido: antes do referendo de Domingo, é provável que a Grécia já esteja falida e com um pé fora do Euro.

    A honra é salva. Os Gregos não. 

    Tripas representava uma mudança radical mas possível, na qual muitos acreditaram ou esperaram. Preferiu “ganhar tempo”, por assim dizer, com uma política demagógica, inconclusiva e cínica, fazendo passar preciosos meses.

    De Bruxelas ou da Troika nem vale a pena falar, seria como atirar contra a Cruz Vermelha. Houve uma falha em todas as frentes, política, de liderança, de valores, de tudo. Um cinismo sem piedade, uma mera contabilidade obtusa típica de burocratas executores de ordens. Mas isso já é mais normal, sabemos quem são estas pessoas e com base em que operam. Nenhuma surpresa.

    O problema é que ambas as partes têm ampliado e aprofundado a crise, com propaganda demagógica e propostas irreais dum lado, e medidas absurdas e inaceitáveis do outro.
    Tudo sobre a pele do povo grego.

    Não vamos aqui falar das consequências da Zona Euro no caso duma saída da Grécia. Haverá tempo para boas gargalhadas quanto à isso: a cegueira das Mentes Pensantes de Bruxelas atingiu picos antes nunca explorados pela estupidez humana e este bem pode ser o início do fim do Euro (pelo menos, que saia algo de bom desta história …).

    Esperemos: há tempo (pouco, muito pouco) para uma reviravolta. Ainda não estou totalmente convencido de que a Grécia possa realmente sair do Euro. Provavelmente continuo a sobrestimar as capacidades das Mentes Pensantes, porque a saída de Atenas é o princípio do fim da moeda única; provavelmente, espero que tudo isso seja só um extremo “medir de forças”.

    No caso, não terei nenhuma dificuldade em reconhecer publicamente o meu erro, ora essa. E então será o caso de reflectir acerca dos “porque”: as coisas não acontecem “por acaso”.

    Mas juro: ver pessoas que ainda aplaudem o Tripas só porque afirma (ele) ser de Esquerda, ler jornalistas que discutem da “honra” da dupla Tripas&Varoufakis (quando a conta será toda paga pelos Gregos), recusando admitir os factos… isso sim, isso continua a espantar-me.

    Ipse dixit.