Dimona: a pequena Chernobyl de Israel

Dimona

Enquanto os Estados Unidos estão empenhados nas negociações com o Irão para evitar que o País
islâmico entre na posse de armas nucleares (pelo menos, esta é a tese de Washington), na mesma região israel recusa assinar o Tratado de não proliferação de armas nucleares, nem admite estar na posse de centenas de ogivas atómicas (entre 200 e 400, mas não há dados oficiais) e continua alegremente a produzir combustível nuclear para fins bélicos.

E sabemos até onde: na central de Dimona, pequena localidade no deserto de Negev, a 35 quilómetros do Mar Morto.

Acerca de Dimona muitas coisas são conhecidas, inclusive os incidentes e as relativas vítimas. Mas, por alguma estranha razão, os media ocidentais tendem a esquecer-se destes como de outros factos…

A construção

O reactor nuclear de Dimona é utilizado para produzir plutónio para bombas atómicas. Foi adquirido da França como parte dum acordo secreto relacionado com a Guerra de Suez, na qual o exército de Tel Avive, em colaboração com a França e a Inglaterra, conquistou a Península do Sinai. A construção do reactor começou final de 1957 e foi concluída em 1962. Começou a ser operacional em 1963.

A decisão de construir um reactor nuclear em Dimona nunca foi debatida de forma democrática. Foi uma decisão de um homem só,
David Ben-Gurion (na altura primeiro ministro), coadjuvado por uma restrita equipa de assessores, todos
pró-bomba. O Knesset (o parlamento israelita) e o
governo nunca debateram a questão: a decisão foi tomada sem um único voto. Ou melhor, com um voto só: aquele de Ben-Gurion.

O reactor de Dimona é idêntico ao francês de Marcoule (Languedoque-Rossilhão). Os Franceses fecharam este reactor em 1984, devido à
sua idade avançada: as usinas deste tipo são projectadas para operar ao longo de 40
anos, pelo que Dimona é hoje muito velho e ultrapassado,
um factor que aumenta os riscos de funcionamento e de incidentes.

A França (através da empresa Alsace Corporation) entregou o reactor com uma capacidade de 24-26 megawatts, potência que foi aumentada pelos técnicos israelitas, antes para 70 megawatts e mais tarde para 150 megawatts.

israel tentou argumentar que o reactor era utilizado para fins civis e pacíficos, não para a produção de armas nucleares: a dessalinização da água e o cultivo do Negev foram utilizados ​​como argumentos para dissimular a verdadeira natureza do reactor. E foi isso que Ben-Gurion disse sobre a questão quando o assunto foi encarado pela primeira vez no Knesset, em Dezembro de 1960, quando o plano para construir o primeiro reactor tornou-se público:

O desenvolvimento do Negev (que consideramos como a nossa principal tarefa para a próxima década) requer ampla e abrangente investigação científica Para este efeito, temos estabelecido em Beer Sheba um instituto científico para a investigação dos problemas nas zonas áridas e desérticas, acerca da flora e da fauna. Estamos também empenhados na construção dum reactor de pesquisa com capacidade de 24.000 quilowatts térmicos, que servirá para as necessidades da indústria, da agricultura, da saúde e da ciência. Este reactor também será usado para treinar cientistas e técnicos israelitas na óptica da futura construção de uma central eléctrica atómica num prazo presumível de 10 ou 15 anos. O reactor de pesquisa que estamos agora a construir no Negev não será concluído até três ou quatro anos a partir de agora. Este reactor, como os reactores americanos, é projectado exclusivamente para fins pacíficos, e é construído sob a direcção de especialistas israelitas. Quando estiver concluído, estará aberto a estagiários de outros países e será semelhante ao reactor que o Governo canadense ajudou a construir na Índia, com a diferença de que o nosso reactor tem menor capacidade. (Avner Cohen, Israel and the
Bomb
, pág. 91)

É hoje evidente que para além dos valores relativos à capacidade, nada daquilo que Ben-Gurion disse era verdade. Mas, não satisfeito, o primeiro ministro continuou a mentir perante a pergunta dum deputado, o Dr. Unichman do partido de oposição Herut:
– “Qual a fonte do relatório segundo o qual israel está a construir uma bomba nuclear?”
– “A fonte deste relatório está errada, de propósito ou não” (Gideon Spiro, Vanunu and the Bomb, pág. 148)

Desde o princípio o reactor fez parte dum projeto secreto do Ministério da Defesa e do gabinete do
primeiro-ministro; nunca foi concebido como uma instalação para a produção de electricidade e não foi destinado à pesquisa. Da mesma forma, nunca foi “aberto” aos pesquisadores e os académicos de outros Países. Nunca foi utilizado para fins industriais. O seu objectivo foi sempre e só um: fornecer combustível para armas nucleares.

Segundo Mordechai Vanunu (o técnico nuclear israelita pacifista que trabalhou em Dimona e mais tarde revelou as verdadeiras finalidades da usina. Resultado: 18 anos de prisão), até 1986 o reactor produzia 40 quilos de plutónio por ano. A estimativa, portanto, é que até meados dos anos ’70 israel produziu 200 quilos de plutónio e até meados dos anos ’80 uns adicionais 350 kg. Dado que israel utiliza 4,5 kg de plutónio por cada bomba, Tel Avive deve ter à sua disposição entre 200 e 350 bombas atómicas e outras armas nucleares.

O reactor Dimona também produz lítio 6, que é usado na produção de
bombas termo-nucleares. 220 kg de lítio 6 foram produzidos até
meados de 1980, uma quantidade suficiente para a construção de 35 bombas
termo-nucleares.

Os custos económicos…

Quanto custou a construção do reactor? Ninguém realmente sabe “quanto”, mas estimativas confiáveis não faltam, também porque, como vimos, Dimona era igual à central francesa de Marcoule.

De acordo com o citado livro de Avner Cohen, o político anti-nuclear Eliezer Livne argumentou em 1962 que o reactor teria custado 300 milhões de Dólares (2 bilhões de Dólares em valor actual. Uma quantia enorme, acerca da qual permanece a questão de como o dinheiro foi encontrado numa sociedade oficialmente “democrática”, com tanto de orçamento nacional e da Defesa.

A verdade é que Ben-Gurion e Shimon Peres receberam fundos de 25 ricos proeminentes judeus de todo o mundo, 18 dos quais eram americanos: em conjunto, eles forneceram 40 milhões de Dólares (da altura), enquanto o restante foi obtido com a manipulação do orçamento da Defesa.

Hoje estima-se que israel gaste mais de 1 bilião de Dólares por ano no seu programa nuclear.

…e os outros

O primeiro acidente nuclear em israel ocorreu ainda antes do reactor estar operacional.

Nos anos 1956-1957, os cientistas do Instituto Weizmann estavam a prepara-se para a construção do reactor e a produção de uma bomba. O material que deveria selar as substâncias radioactivas e protegê-los falhou. Isto foi descoberto tarde, e doses elevadas de radioactividade foram encontradas nos laboratórios e nos corpos de alguns dos trabalhadores.

Elevada radiação foi também encontrada nas habitações dos cientistas, até nas camas dos filhos deles. Isto foi relatado pelo diário de Tel Avive Maariv, em 2006, após um período de censura de quase 50 anos.

Conta Haya Sadeh, viúva de Dror Sadeh, um dos cientistas do laboratório:

Eu estava em casa, em Kibbutz In’an. Dror chegou do Instituto Weizmann com outras duas pessoas e um contador Geiger para medir os níveis de radiação. Eles disseram que tinha havido um “acidente”. Foram foram para o alojamento onde morávamos e depois para os quartos das crianças, onde estava o nosso filho. Encontraram contaminação em tudo o que Dror tinha tocado, mesmo no berço de Shmuel e nos seus lençóis. Dror vinha cada vez do laboratório directamente para o quarto das crianças. Viram que tudo estava contaminado. Tínhamos um espaço onde íamos fazer o café. O espaço e os utensílios todos estavam contaminados. Deitámos fora os utensílios e roupas de Dror. Nenhum de nós sabia acerca dos perigos do material nuclear.

Após este incidente, o laboratório no Instituto Weizmann foi fechado e os cientistas foram submetidos a uma série de testes. Um deles faleceu pouco depois, um segundo de câncer passados alguns anos. O próprio Dror Sadeh morreu de câncer 40 anos depois.

Acrescenta Haya:

Eles estavam todos interessados ​​em manter o incidente em silêncio. Ninguém sabia que o Instituto Weizmann estava a fazer coisas destas. Nem eu falei com alguém a respeito dessas questões. Pensei: “Porque estragar as coisas?”. Eles teriam fechado o instituto. No entanto, ficou sempre na minha mente, mas Dror não queria pensar sobre isso, nem mesmo após o primeiro cientista ter morrido.

O próprio Dror Sadeh escreveu:

Durante 1956-1957 eu estava a trabalhar no laboratório de Radioactividade do Instituto Weizmann e era funcionário do Comité Israelita da Energia Nuclear. Como parte do meu trabalho, tratei uma fonte radioativa que emitia raios alfa. Esta fonte […] tinha sido revestida com uma camada muito fina de material plástico concebido de modo a que toda a radiação fosse dirigida para um alvo. Durante um longo período de tempo não houve controlo da radiação no Instituto. Depois, um dia, um teste foi realizado sobre uma mesa do laboratório e a radiação alfa detectada era bem superior ao nível normal. Mesmo na minha casa foi detectada radiação. O laboratório foi selado por alguns meses. Nos meus testes de urina nenhuma radiação foi encontrada, mas nenhuma tentativa de testar outros órgãos (por exemplo, a medula óssea) foi feita. Um mês após o laboratório ter sido fechado, um dos estudantes de Física morreu de câncer no sangue. Tanto quanto eu posso lembrar, o seu nome era Yohathan Ramberg.

Ásia Ramberg, viúva de Yonathan Ramberg (o aluno que morreu de leucemia):

Lembro que alguém do Instituto veio e disse que ele tinha que ir o mais rápido possível para o hospital. Yonathan tinha 28 anos na altura e estava a sentir-se muito doente, grandes manchas começaram a aparecer no seu corpo  Eu nem estava assustada; acabei de ver o lado positivo das coisas Fomos para o hospital na Sexta-feira e no Sábado eles me disseram que estava muito doente. No dia seguinte, Domingo, era o nosso segundo aniversário. Peguei algumas flores e quando cheguei ao hospital vi Yonathan desaparecer na frente dos meus olhos. Morreu no mesmo dia. Eu estava em choque. Os meus pais me recolheram do hospital como uma casca de ovo partido. Estava indefesa. Mas falei por 3 anos. Não investiguei acerca do que aconteceu. Nada.

Em 14 de dezembro de 1966 um acidente crítico ocorreu no reactor de Dimona: um funcionário morreu e uma inteira área foi contaminada. O acidente ocorreu na unidade nº 36 do Instituto. O mais provável é que o acidente foi provocado pela utilização indevida de álcool que causaram vapores ao ponto de explodir. A limpeza demorou semanas e o reactor foi desligado ao longo de alguns meses. Detalhes específicos sobre o incidente ou a quantidade de radiação emitida nunca foram publicados.

Em 1982 ocorreu uma pequena explosão devido a um vazamento de hidrogénio ocorreu. Não houve feridos nem emissão de radiação. Portanto, um acidente secundário.

No início da década de 1990 um grande incêndio irrompeu no recinto do reactor e, como resultado, a usina foi novamente fechada por um longo período de tempo. Novamente, nenhuma notícia foi dada ao público.

Em 1994, após fortes chuvas na área, a piscinas de água de drenagem do reactor transbordou. A água era provavelmente contaminada pela radiação e Yossi Sarid, o ministro dos Assuntos Ambientais, tentou investigar o incidente com o auxílio de especialistas e jornalistas não apenas israelitas. Na frente das câmaras de televisão, o ministro teve de admitir que o seu chefe (Yitzhak Rabin, então primeiro ministro) tinha proibido a divulgação dos resultados.

As fortes chuvas de 2004 provocaram novamente o transborde da água contaminada. Nada foi divulgado.

Durante os últimos anos, o exército israelita tem vindo a fornecer à população residente num raio de 30 quilómetros do reactor (incluindo as cidades de Dimona, Yeruham e Arad) comprimidos de iodo (iodeto de potássio, 130 mg.), pílulas que devem ser tomadas em caso de acidente nuclear para impedir que o organismo absorvera o iodo contaminado, fornecendo ao corpo iodo “limpo”.

Ao longo dos anos, mais de 120 colaboradores do reactor têm desenvolvido vários tipos de câncer associados com materiais do reactor. O governo e a direcção da usina sempre recusaram ver estes como vítimas da radiação ou compensar os familiares. Nos tribunais, o governo recusa divulgar informações argumentando que estas são classificadas (segurança nacional), isso enquanto as vítimas estão a morrer de câncer.

No total são mais de 50 as reivindicações dos funcionários (actuais ou do passado) do reactor que estão a ser debatidas nos tribunais israelitas: todos afirmam ser vítimas de câncer como resultado do trabalho e da exposição ao material radioactivo.

A questão dos resíduos

Uma questão crítica é estabelecer para onde os resíduos radioactivos, parte integrante do processo de produção do plutónio, são enviados.

Como mencionado, em Dimona este processo foi iniciado há 45 anos e “vitalidade” dos resíduos radioactivos é de milhares de anos. Um palpite é que sejam enterrados em recipientes hermeticamente fechados nas profundezas da Terra, não longe do reactor. Não há nenhum controle público acerca deste processo.

Todavia, em 1998, foi publicado uma relatórios que sugeria que israel enterrasse os resíduos radioactivos na Mauritânia (África Ocidental) através dum acordo secreto com o governo local: resíduos em troca de dinheiro. As evidências sugerem que os aviões que transportam resíduos radioactivos provenientes de Israel aterram em Tidjikdja, no centro de Mauritânia. Além disso, haveria navios de transporte com resíduos radioactivos ancorados no porto da capital. O governo israelita negou qualquer transações deste tipo, mas um ano depois, em Novembro de 1999, a muçulmana Mauritânia e israel estabeleceram plenas relações diplomáticas, enquanto as relações económicas tinham sido iniciadas em 1996.

Pela idade do reatores e os pressupostos quanto à sua capacidade, os especialistas calculam que a produção seja de 200 metros cúbicos de resíduos por ano. Uma estimativa aproximada, tendo em conta os 40 anos de funcionamento, aponta para 8.000 metros cúbicos de resíduos radioactivos (comparável a 50 mil barris de petróleo). No passado, esses resíduos eram armazenados em grandes recipientes de aço inoxidável, que depois eram enterrados perto do reactor. No entanto, experiências adquiridas fora de Israel mostraram que os resíduos são altamente corrosivos e os contentores podem ficar rachados, especialmente nos pontos mais fracos, nas soldagens. Os resíduos podem assim vazar, infiltrar-se no solo e poluir o meio ambiente, incluindo as fontes de água. (Haaretz, “Sleeping well at night?”, de Yossi Melman, 28/5/2005).

Hoje a tecnologia pode transformar os resíduos radioactivos em sólidos, o que reduz consideravelmente a possibilidade de perdas. Mas a solidificação é um processo dispendioso, e não se sabe se Israel faz uso desta tecnologia.

Definitivamente, é preciso travar o Irão.

Ipse dixit.

Fontes: Time: Uranium – The Israeli Connection, Nuclear Weapon Archive: The Vela Incident, O Obscuro Segredo do Reactor Dimona Parte 1 e Parte 2 (vídeo em idioma hebraico), CounterPunch: Dimona – Israel’s “Little Hiroshima”, YNetNews: Nuke plant workers exposed to high radiation levels, Richard Silverstein: Israel’s Lethal History with Polonium

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