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A mecânica quântica para totós – Parte I

É Sexta-feira, último dia de trabalho, altura para algo mais leve.

Por exemplo: a mecânica quântica, um típico assunto de esplanada, entre uma cervejola e uns tremoços.

Pensará o Leitor: “Epá, este blog está a cair no ridículo, para a próxima o quê? Um artigo sobre os cabelos de Scarlett Johanson?”. Calma pessoal, calma: em primeiro lugar aqui é proibido falar mal de Scarlett Johanson, depois não podemos tratar sempre de assuntos sérios como o futebol, de vez em quando algo leve é necessário.

“Mas a mecânica quântica é uma seca…”.
É uma seca só porque tem dois acentos circunflexos, pelo resto não, não é.
E mais: é muito importante. Um exemplo? Simples: com certeza haverá Leitores cujo computador (o mesmo que estão a utilizar para ler este fantástico blog) utiliza no seu interior itens (exemplo: o transistor) que funcionam tendo como base os princípios da mecânica quântica.

Tentem eliminar a mecânica quântica: “Credo, como está lento hoje este computador! Será que apanhei um vírus?”. Não, é que sem a mecânica quântica o vosso computador volta atrás de algumas décadas.

Laser, microscópios eletrónicos, ressonâncias magnéticas nucleares, painéis solares fotovoltaicos, leitores cd/dvd, células fotoelétricas, semicondutores, nano-tecnologias, microelectrónica… tudo isso e muito mais ainda tem como base a mesma coisa. O quê? Exacto: a mecânica quântica. Então, não vale a pena espreitar melhor esta coisita, não é? Claro que sim, mas de forma simples, como do costume.

Um pouco de história, mas nem muita

No final do 1800, os cientistas estavam convencidos de ter entendido praticamente tudo acerca dos princípios da Natureza. Sim, faltavam um par de pormenores, mas no geral o quadro estava completo.

Depois chegou Albert Einstein e foi a típica pedrada no charco. Logo as ideias do físico alemão-suíço-austríaco-estadunidende (pois, teve 4 nacionalidades, mais um período sem nacionalidade nenhuma entre 1896 e 1901, se é que isso interessa) foram rejeitada (também porque poucos entendiam o que ele dizia), mas rapidamente ganharam força e em breve todos ficaram entusiastas: finalmente uma teoria que ia além dos conhecimentos da altura (na prática, ainda baseados nas ideias de Isaac Newton) e abria novos horizontes.

Também neste caso, com a Teoria da Relatividade havia um par de pormenores que não se encaixavam, mas a “febre” de Einstein apanhou todos e ao longo de várias décadas (quase até hoje) a Teoria da Relatividade (Restrita ou Geral) foram dogmas absolutos e, sobretudo, universais, isso é: as suas leis podiam ser aplicadas em qualquer campo.

No entanto, na mesma altura em que Einstein trabalhava acerca da primeira versão da Teoria da Relatividade, havia um grupo de cientistas que procurava outros caminhos. O que estes pesquisadores fizeram foi pegar em algumas teorias anteriores (mas todas bastante recentes) e tentar uni-las para entender melhor o que se passava no mundo do infinitamente pequeno.

Quanto pequeno? O mesmo nível duma formiga? Não, menos. Uma pulga? Menos, menos… é o nível do átomo e ainda menos. Estes pesquisadores tinham reparado num detalhe bastante irritante: as leis que valem no mundo das coisas “grandes” (o mundo do nosso dia-a-dia, dos planetas, das estrelas…) deixam de funcionar quando a ser observado é o mundo das coisas “pequenas” (como o átomo). Aborrecido, sem dúvida.

O erro de Einstein descoberto por mim (modestamente…)

Einstein, que não era nada parvo, nesta primeira fase colaborava activamente no desenvolvimento
deste projecto, aliás, pode ser tranquilamente inserido na lista dos “fundadores” da Mecânica Quântica (a partir de agora: MQ, porque estou farto de todos aqueles acentos).

Todavia, numa determinada altura, decidiu abandona-la. Por qual razão? Bom, porque Einstein era um génio mas sempre humano, com as limitações de todos os seres humanos. Era sim um génio, mas não deixava de ser um homem nascido no 1800, com uma determinada formação académica e até religiosa.

Uma observação pessoal. Décadas mais tarde, Einstein afirmou que o sue maior erro da vida tinha sido introduzir a Constante Cosmológica, um dado empírico que utilizou para que a Teoria da Relatividade desse um determinado resultado. Muito presunçosamente, acho que o maior erro dele foi abandonar a MQ: se tivesse continuado no desenvolvimento dela, provavelmente hoje a sociedade seria um lugarzito bem diferente.

Mas voltemos atrás: porque Einstein abandonou a pesquisa quântica? Porque, como disse, “Deus não joga aos dados com o Universo”. Um ponto de vista estranho? Nem muito, pois ainda hoje, ao ler os princípios da MQ, parece mesmo que “Deus joga aos dados”: entramos num mundo bem estranho, onde a nossa experiência do dia-a-dia é inútil. A MQ confunde, parece não fazer sentido nenhum, vai contra o senso comum. E desculpem se parece pouco.

Células na boca e partículas no espaço

Vamos fazer um exemplo? Eu acho que sim, aqui calha mesmo bem um exemplo.
“Pronto, agora começa com a história do gato de Schrödinger…” pensará o científico Leitor.
Errado, caro Leitor, deixem em paz os gatos, que se irritam facilmente, e vamos pegar num homem.

Em
1998, foi conduzida uma experiência bem curiosa. Algumas células foram
retiradas da boca de um homem e foram colocadas dentro dum tubo de ensaio. Tranquilos: o homem era voluntário e também as células. E ambos foram anestesiados antes da experiência. 

A seguir, o tubo onde ficavam curiosas as células da boca foi ligado a um dispositivo particular, que media o estado das mesmas células. Podemos pensar nesta máquina como a uma espécie de “máquina da verdade”. Também o homem foi associado a uma máquina idêntica, mas localizada numa zona diferente do edifício.

O homem foi posto na frente dum ecrã onde eram transmitidos vídeos que provocavam diferentes emoções (esta foi a parte mais arriscada da experiência: um erro numa tecla e o homem teria sido obrigado a ver os programas da manhã da televisão portuguesa, entrando logo em coma). Portanto, havia cenas de paz e tranquilidade
enquanto outras eram violentas.

E aqui temos a parte aparentemente “sem sentido”: as emoções do homem eram gravadas pela máquina e verificou-se
que as células (situadas num local diferente) reagiam com o mesmo tipo de actividades exactamente
no mesmo instante em que estas eram experimentadas pelo homem. Quando o homem observava uma cena calma e relaxante, a resposta fisiológica das células também se acalmava; quando o homem era confrontado com cenas emocionantes, também as suas células mostravam sinais de excitação.

Os
experimentadores afastaram cada vez mais o homem e o tubo de ensaio com as células,
até colocar entre eles uma distância de aproximadamente 50 km. Tinham passados cinco dias desde o começo da experiência e
ainda as células registavam exactamente as mesmas actividades do homem.

Este experiência deixa em aberto algumas perguntas.
A mais importante: como é possível manter vivas as células da boca ao longo de cinco dias? Simples: com boa comida caseira e um copinho de tinto de vez em quando.
A segunda: como é possível que o homem e as (ex) suas células estivessem ainda “ligados” de alguma forma?

Mais recentemente, a Nasa conduziu o mesmo tipo de experiência, desta vez sem molestar homens ou células. Num laboratório no interior duma instituição havia uma célula, na órbita em volta da Terra (acho que foi na Estação Espacial Internacional, mas não tenho a certeza) uma célula “irmã” (isso é: as duas células se conheciam antes de ser separadas). O resultado? Exactamente o mesmo da experiência anterior: até quando separadas por uma enorme distância, as células reagem da mesma forma e ao mesmo tempo.

Exclamará o Leitor: “Prodígio!”.
Não, nada de prodígio: este fenómeno tem um nome e até uma lei da MQ.

Entrang…Entanglt…Entretangsp… o Emaranhamento.

O nome é entanglement (palavra inglesa que podemos traduzir com “emaranhamento” ou
“envolvimento”).

A lei assim reza:

Se duas partículas são feitas interagir ao longo dum certo período e, em seguida, são separadas, quando se solicita uma das duas de modo a modificar o seu estado, ocorre instantaneamente na outra partícula uma análoga solicitação a qualquer distância esta fique em relação à primeira.

As duas experiências acima descritas (e outras ainda que foram efectuadas ao longo dos anos) confirmaram esta lei da MQ.

Mas aqui o incrédulo Leitor dirá: “Stop, para tudo: isso não é possível por duas razões. Um: porque não existe uma comunicação física entre as duas partículas. Como é que conseguem comunicar, eh? Explica lá isso! Depois, dois: a eventual modificação das duas partículas não pode ser “instantânea”, porque se a distância for grande tem que haver um certo atraso na comunicação: sabemos que nada pode viajar mais rápido do que a luz. Toma e explica isso também, seu sabichão!”.

Calma, Leitor, calma e nada de stress: o seu raciocínio faz todo o sentido. Ou melhor: faria todo o sentido. Mas eu não disse que a MQ confunde, parece não fazer sentido nenhum, vai contra o senso comum?
Bem vindo no mundo da Mecânica Quântica.

A propósito: na segunda e última parte do artigo vamos completar o discurso todo, assim fica já o problema resolvido, tá bom?

Ipse dixit.