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Coreia do Norte: a propaganda ocidental

Ahhhh, a imprensa de regime… o que seria dos nossos dias sem a imprensa de regime?
Seriam dias tristes, monótonos, sem uma boa quanto saudável gargalhada.

Pegamos na Repubblica, diário da Esquerda italiana.

Assunto: a Coreia do Norte. Que, admitimos, não é um exemplo de País democrático e equilibrado. Mas nem pode ser apontado como uma espécie de manicómio ao ar livre.

Eis o que escreve Repubblica:

A Coreia do Norte executou o chefe da Defesa Hyon Yong-chol, o líder das Forças Armadas Populares: a notícia é da agência Yonhap, que cita informações fornecidas pelo Serviço de Inteligência Nacional (SIN).

Bom, até aqui nada de esquisito: muitos dos militares da Coreia do Norte sofrem da mesma doença, cujo sintoma principal é uma morte prematura provocada por um improviso ataque de chumbo.
Um pouco mais suspeito é o facto da notícia ser difundida por uma agência da Coreia do Sul (a Yonhap) após sugestão dos serviços secretos de Seul.
Mas ok, vamos em frente.

Como afirmado por um oficial superior da agência de inteligência sul-coreana numa entrevista com os repórteres na sede em Seul, Hyon teria sido punido com a morte por ter adormecido durante uma parada militar. A acusação contra ele foi de “deslealdade e desrespeito” para o líder supremo.

Verdade: adormecer durante uma parada na qual é presente também o líder supremo não é coisa simpática. Se calhar ser fuzilado por causa disso é um pouco exagerado, mas sabemos que na Coreia do Norte são muito suscetíveis com certas coisas. Tudo normal, portanto.

De acordo com a agência de inteligência, Hyon foi morto perto do 30 de Abril por um pelotão de execução equipado com armas anti-aéreas, no que é considerado o último episódio de expurgos brutais do líder Kim Jong-un. 

Fuzilado com armas anti-aéreas? Um pelotão com mísseis? Com canhões? Mas quem escreve estas coisas? E por qual razão deveriam ter escolhido uma coisa tão bizarra? Deve haver um departamento específico dos serviços secretos sul-coreanos, algo do tipo “Estranho mas verdadeiro”, cuja tarefa é inventar as notícias mais improváveis acerca da Coreia do Norte.
Lembramos só algumas delas:

A Coreia do Norte de certeza não é um Paraíso e duvido que um qualquer ocidental gostasse de viver por aí. Mas nem é aquele lugar delirante que os media descrevem, como nos exemplos a seguir:

Hyon Song-wol
Hyon Song-wol é uma cantora norte-coreana. Em 29 de Agosto de 2013 foi relatada a notícia da sua execução, juntamente com outros onze artistas, incluindo membros da Orquestra Unhasu e da Wangjaesan Light Music Band (notícia do Telegraph, The Huffington Post, Business Insider, entre outros). Em 16 de Maio de 2014, Hyon apareceu na televisão norte-coreana para participar na Convenção Nacional dos Artistas. 

Kim Chol
Kim Chol foi vice-ministro da Defesa, supostamente executado de forma espetacular por “beber e farrear” durante o período de luto por Kim Jong-il. Também a morte dele, como no caso da cantora, foi amplamente difundida: Daily Mail, Huffington Post, New York Daily News, etc. De acordo com estes relatórios, Kim Chol foi ajustiçado com um bombardeio de artilharia (mas na Coreia não conseguem fuzilar de forma normal?).

Na verdade, pouco se sabe acerca do destino de Kim Chol, nem há a certeza de que tenha morrido. (Wikipedia inglesa ainda relata a história da morte “por explosão”).

Jang Song-thaek
Após ter sido preso, em 2013 Jang Song-thaek foi julgado por corrupção e dezenas de meios de comunicação (MSNBC, CNN, Fox News, etc.) informaram que tinha sido comido vivo por uma matilha de cães vorazes sob as ordens de Kim Jong-un.

Só depois que os relatórios começaram a ganhar força, Trevor Powell, um engenheiro de software de Chicago, descobriu que a história tinha sido originada num blog satírico chinês. Segundo a ex-estrela da NBA Dennis Rodman, que visitou repetidamente a Coreia do Norte, Jang Song-thaek ainda se encontrava vivo em 2014 (o que também parece estranho, pois na Coreia do Norte a corrupção leva direitinho para o pelotão de execução). 

No entanto, em Janeiro de 2014, a agência de notícias sul-coreana Yonhap informou que a punição de Jang Song-thaek tinha sido estendida à família dele, incluindo crianças. De acordo com a imprensa sul-coreana, o sobrinho de Jang, O Sang-hon, foi queimado vivo com um lança-chamas (notícia diligentemente relatada pelo The Telegraph também). 

A descoberta do Unicórnio
Em 2012, os meios de comunicação ocidentais relataram que a Coreia do Norte tinha afirmado ter descoberto provas da existência dos unicórnios (U.S.News).

Só uma análise posterior do comunicado oficial original mostrou que o anúncio envolvia a descoberta arqueológica do “ninho do unicórnio”, um termo metafórico utilizado para descrever a antiga capital do rei coreano Tongmyŏng-wang, e que nenhum académico norte-coreano tinha alguma vez afirmado a existência literal dos unicórnios.

Kim Jong-il  e o golfe
Ao longo de vários anos, muitos meios de comunicação norte-americanos e europeus (tais como ESPN, The New York Times, etc.) relataram que Kim Jong-il alegava ter centrado cinco buracos com um só remate durante a sua primeira tentativa de jogar golfe (um versão alternativa da história afirmava que Kim tinha centrado 18 buracos todos à primeira tentativa). A implicação subjacente da notícia era que o governo norte-coreano atribuía poderes sobrenaturais aos seus líderes, como parte dum esforço para perpetuar o culto de personalidade.

Apesar disso, nunca foi oferecida nenhuma fonte original desta notícia e uma pesquisa de NK News descobriu que ninguém em Pyongyang conhecia esta história, a menos que não tivesse já sido contada por um turista. Richard Shears, um jornalista britânico que jogou no Pyongyang Golf Club, perguntou aos funcionários da instituição e obteve a mesma resposta.

O vídeo da propaganda
Em 2013, uma curta-metragem intitulada “Como os americanos vivem” foi amplamente divulgada na internet. O filme mostrava imagens dos Estados Unidos com uma narração em inglês empenhada em descrever factos absurdos como pessoas nos Estados Unidos forçadas a comer neve para sobreviver. O Washington Post, na sua análise, declarou o vídeo “consistente com a propaganda norte-coreana”.

Posteriormente foi descoberto que o vídeo era uma obra satírica criada pelo escritor britânico Alan Hill. Obviamente o vídeo pode ser ainda encontrado no Youtube onde ninguém parece saber de Alan Hill.

Luto para Kim Jong-il
Após a morte de Kim Jong-il, muitos meios de comunicação informaram sobre as cenas transmitidas pela imprensa norte-coreana que mostravam cidadãos norte-coreanos chorando histericamente. Ao escrever na revista New Yorker, Philip Gourevitch declarava que o luto era obviamente falso e indicativo da “loucura do domínio dos Kims sobre a Coreia do Norte”, enquanto o jornalista Bill O’Reilly declarava que as pessoas que choravam tinham sido “pagas em hambúrgueres”. A redação na CNN e Human Rights Watch afirmavam que os norte-coreanos tinham sido obrigados pelo governo a chorar.

No entanto, expressões histéricas de tristeza, incluindo choro extremo e bater de punho, são parte da cultura do confucianismo da Coreia e podem ser regularmente observadas na Coreia do Sul também. Como no caso do cortejo fúnebre do presidente sul-coreano Chung Hee Parque (vídeo), onde milhares de mulheres sul-coreanas foram fotografadas gritando, chorando e levantando os punhos ao céu.

Todas notícias pontualmente rematadas pela imprensa ocidental.
Que até consegue ficar séria…

Ipse dixit.

Fonte: La Repubblica, Daily News, no texto