A CIA e a droga – Parte II

Não é possível falar de CIA e das substâncias estupefacientes sem falar do Afeganistão.

A operação “anti-terror” lançada imediatamente após a tragédia do 11 de Setembro terminou naquele País, 11 anos mais tarde. Washington trata a questão como um sucesso (e já isso é amplamente discutível), mas evita citar os efeitos secundários: o Afeganistão foi abandonado num estado de destruição, com vilas inteiras arrasadas, centenas de milhares de vítimas, prisioneiros, campos de concentração e refugiados.

Teoricamente dois eram os grandes objectivos da campanha: derrotar o terrorismo internacional (que, segundo os Estados Unidos, aqui tinha uma das suas principais sedes) e eliminar o negócio da droga.  Os resultados foram completamente diferentes. Nas mãos da coligação ocidental, o Afeganistão tornou-se o maior produtor do mundo de drogas. Não é um acaso: como vimos antes, do ponto de vista dos EUA, política e droga estão entrelaçados desde o fim da II Guerra Mundial, sendo as substâncias estupefacientes um elemento estrutural da política externa americana.

Não podemos esquecer que um Dólar investido no comércio das drogas pode render até 12.000 Dólares. Nenhum investimento legal fornece uma tal margem de lucro. O custo da heroína afegã aumenta significativamente à medida que avançamos para o norte do País: no Paquistão ascende a cerca de 650 Dólares por quilo, 1.200 no Quirguistão, chega a 70 Dólares por grama na cidade de Moscovo. E um quilo de heroína é equivalente a 200.000 doses, num vício que provoca uma dependência desesperada logo após as primeiras 3 ou 4 doses.

O capital “legítimo” que circula pelo planeta seria temporariamente insustentável sem o mercado negro global das drogas; e ambos os componentes da economia mundial estão concentrados nos Estados Unidos.

Washington está consciente de que a produção das drogas só pode ser aplicada depois de cumprir o requisito principal, ou seja, que os lucros finais não criem um efeito cascata sobre o produtor, caso contrário o mercado negro ruiria instantaneamente. A Máfia que opera no comércio das drogas consegue obter 90% de lucros na venda da heroína; aqueles que trabalham a matéria-prima recebem 2%, os produtores de papoila 6% e os comerciantes de ópio 2%.

A produtividade do mercado negro também utiliza áreas cultivadas a preços marginais; promover um
conflito armado numa área agrícola é a maneira mais fácil para reduzir os custos, pois as armas são os bens com o maior valor equivalente.

A fórmula é simples: quanto mais sangrento for o conflito, tanto maior será a receita obtida com a troca de armas e drogas. Portanto, a instabilidade associada ao controle do “caos” é o motor do mercado negro. Os dois factores harmonizam a oferta e a procura, mas para maximizar os lucros é possível espalhar aspirações separatistas: um exército de “libertação”, paralelamente à missão principal, deve envolver-se com os vários grupos étnicos, clãs ou facções religiosas. Isso permite alimentar a instabilidade com ganhos para todos: para quem produz as armas e  para comercia na droga.

O Afeganistão tinha distribuído com um total de 50 toneladas de ópio durante os meados dos anos ’80, mas o número subiu em flecha para 600 toneladas em 1990, um ano após a retirada soviética. Uma vez controlado 90% do território afegão e assumido o controle do cultivo da papoula, os talibãs afastaram o aperto da CIA e do Departamento de Estado, causando aos Estados Unidos uma perda de lucros de aproximadamente 130 biliões de Dólares: este é o valor que a Máfia poderia ter obtido se os suprimentos tivessem sido regularmente enviados para os canais de distribuição.

Pior: com os talibãns a produção de ópio começou a diminuir. Pelo que, recuperar o controle da
produção era o objectivo básico por trás da campanha dos EUA no Afeganistão. Neste aspecto, a missão no País tem sido um sucesso: a heroína é comprada e transmitida pela CIA e o Pentágono para outros Países; depois de ter construído bases militares no Quirguistão, Uzbequistão e Tajiquistão e com a implementação do governo de H. Karzai, Washington abriu novas rotas de abastecimento, eliminando concorrentes e certificando-se de que a capacidade das instalações de processamento do ópio nunca tivessem falta de trabalho.

Actualmente, o Afeganistão é responsável por 90% do mercado mundial da ópio, 80% do mercado europeu e 35% do mercado dos EUA. Cerca de 65% da oferta de droga no Afeganistão atravessa a Ásia Central pós-soviética e, mesmo que esta disposição possa ser ligeiramente modificada, o tráfego irá persistir após a retirada da coligação ocidental do Afeganistão. A aliança criminosa entre a CIA e os talibãs é um facto conhecido e não vai desaparecer.

Mas existem outras joint-ventures: grupos criminosos albaneses do Kosovo têm um papel de liderança no comércio internacional de drogas. A independência do Kosovo da Sérvia permitiu que os Estados Unidos instituíssem uma nova base para o negócio da droga, especialmente em relação à Europa. Mais de um milhão de albaneses vivem na Europa Ocidental e muitos deles sobrevivem graças a vários negócios ilegais, especialmente a da drogas. Os Estados Unidos introduziram deliberadamente na Europa um problema que a partir de agora vai aumentar.

Segundo a agência anti-narcóticos da Rússia, cerca de 100.000 pessoas em todo o mundo morrem a cada ano por causa das drogas provenientes do Afeganistão, mais do que os mortos provocados pela explosão nuclear que destruiu Hiroshima. Neste contexto, na Rússia o total é de cerca de 30.000 vítimas. A mesma agência afirma que a productividade dobrou na última década e até agora 90% das doses das drogas consumidas no mundo (um total de 7 biliões) é representado pela heroína.

A dependência das drogas está a invadir a Rússia e, misturada ao abuso de álcool, está a colocar em
risco ordem social. Moscovo é muito activa no sentido de incentivar a luta internacional contra as drogas: o Ministro das Relações Exteriores, Sergey Viktorovich Lavrov, lembrou no fórum das Drogas de 2010 que o Conselho de Segurança das Nações Unidas observa o problema das drogas como uma ameaça à paz e à segurança global.

O seu ponto de vista era aquele segundo o qual o mandato da coligação no Afeganistão deveria ter sido actualizado para incluir medidas muito mais fortes na erradicação dos campos de ópio e no desmantelamento das fábricas da droga. As medidas para combater a produção de drogas no Afeganistão deveriam ser mais determinadas, e Lavrov também ressaltou que a coordenação em tempo real entre a Rússia e a Nato ao longo da fronteira com o Afeganistão poderia ser de grande ajuda.

Moscovo enviou sinais durante anos, mas a Nato permaneceu indiferente. Não é difícil entender a razão.

O chefe do controle das drogas na Rússia, Viktor Petrovich Ivanov, disse em 2010 que Moscovo tem fornecido informações confidenciais aos Estados Unidos acerca de 175 fábricas afegãs de droga, e ainda assim nenhuma delas foi desmantelada. Os fundos continuam a crescer nas contas bancárias de quem gere estes comércios e é claro que essa condição exige um plano anti-narcótico muito mais amplo. Moscovo só vai perder tempo enquanto mais e mais russos morrem à espera duma decisão ocidental. É hora de tomar medidas drásticas contra aqueles que espalham a morte embalado em doses.

Temos que fixar este ponto, muitas vezes subestimado: o negócio das substâncias estupefacientes é fundamental para os Estados Unidos.

Não se trata apenas de enriquecimento pessoal: trata-se duma forma privilegiada de financiamento, graça à qual as várias agências federais (a CIA em primeiro lugar) têm disponibilidades orçamentais um muito superiores aos gastos oficiais. Tudo isso tem um preço enorme: a vida de milhões de pessoas fica arruinada, a maior parte delas encontrará a morte; o micro-crime não pára, pois o toxicodependente precisa de dinheiro
fácil para adquirir as doses necessárias a satisfazer o seu vício; o crime organizado prospera, ré-investindo o dinheiro em actividades financeiras legais (e as elites de Wall Street agradecem).

Tudo isso enquanto a sociedade gasta imensos recursos numa luta que não pode ganhar. Campanhas de sensibilização, homens e meios para a luta no terreno, pessoal sanitário para os tratamentos, prisões sobre-lotadas. Afinal quem é que paga o negócio da droga da CIA?

Ipse dixit.

Relacionados: A CIA e a droga – Parte I

Ao longo dos anos vários foram os artigos dedicados ao assunto.
Eis algumas sugestões:

Ásia:
Nato, EUA e Reino Unido: o grande mercado do ópio
Nato: da morte das crianças e do ópio
Souvenir do Afeganistão
Drogas e guerra: o Captagon

África:
África e droga – Parte I
África e droga – Parte II

México:
No Inferno do México
Las drogas, la muerte y la vida en México
Religião e droga

Bancos:
Bancos e drogas – Parte I
Bancos e drogas – Parte II
Bancos e drogas – Parte III

Fontes: Strategic Culture Foundation

2 Replies to “A CIA e a droga – Parte II”

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