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O Estados Islâmico na ONU

Duas notícias, ambas tristemente hilariantes: uma à espera de confirmação, a outra bem real.

A que deve ser confirmada: nos círculos diplomáticos perto da Turquia e do Qatar, circula uma proposta para permitir que o Califado Islâmico (ou Estado Islâmico ou ISIS) consiga um lugar nas Nações Unidas como observador, o mesmo estatuto do Vaticano e da Palestina, alegando a evidente dificuldade em derrotá-lo e o apoio popular do qual goza em certas áreas ocupadas.

Absurdo? Então vejam a segunda notícia, esta bem real: o responsável da ONU para os Direitos Humanos, o jordano Zeid Raad al-Hussein, afirma que no Estado Islâmico existe uma aceitação da diversidade étnica maior de que em alguns Países-membros das Nações Unidas. Portanto, aplausos para o ISIS, brilhante exemplo de integração multicultural.

Eu gostaria de ir um pouco mais longe: que tal um Prémio Nobel da Paz? Motivação: “Para os esforços com os quais o ISIS tenta alcançar a Paz eliminando todos os combatentes adversários”. Que, a bem ver, sempre um esforço para a Paz é.

Mas como encarar estes delírios? Simplesmente lembrando as razões pelas quais o ISIS foi criado, razões que explicam a “pressa” para o reconhecimento oficial.

O “Califado”, financiado economicamente pelas monarquias do Golfo, militarmente pelos “rebeldes” sírios de Al-Qaeda (lê-se “CIA”) e com armas ocidentais (veja-se o caso do avião britânico abatido pelo Irão com destino ISIS), surgiu com múltiplos objectivos:

Papeis desenvolvidos magnificamente até agora.
Mas os esforços militares conjuntos das tropas EUA-Iraque estão a alcançar os primeiros sucessos, reconquistando posições importantes do “Califado”, entre as quais a cidade de Tikrit. Portanto, é tempo de passar para a segunda fase, a institucionalização do Estado Islâmico. E a entrada na ONU é o primeiro passo.

Esta hipótese não deve surpreender: a ONU é uma organização fortemente distorcida por uma ditadura da minoria (os cinco membros do Conselho de Segurança com poder de veto) e por uma ditadura da maioria (para ser reconhecido como Estado é necessário obter a aprovação da maioria dos membros sem o veto dum dos cinco Países do Conselho). Mas, acima de tudo, a ONU é um organismo utilizado pelos Estados Unidos para os seus objectivos de política estrangeira.

Nesta óptica, o reconhecimento do ISIS permitiria:

Como afirmado, a entrada do ISIS na ONU é até agora uma voz não confirmada: difícil que se torne realidade em tempos tão breves, pois chocaria com o clima de medo e “cruzada” que foi criado na opinião pública mundial. Nesta altura, trata-se duma proposta que seria possível apresentar (por parte de alguns Países islâmicos) mas que deveria ser necessariamente recusada pela maioria.

Todavia, no médio prazo, pode representar uma solução que, como vimos, responde às necessidades da geopolítica ocidental e das monarquias do Golfo: nesta óptica, será interessante realçar qualquer mudança de atitude “oficial” em relação ao ISIS que poderá acontecer no próximo futuro. É claro que se uma proposta deste teor tivesse que ser oficializada, demonstraria mais uma vez a absoluta inutilidade da ONU (o que, só por si, nem seria uma grande novidade) e sobretudo a condição de profunda e provavelmente irremediável decadência atingida pela sociedade ocidental.

Luttwak: o ISIS não é a verdadeira ameaça

A propósito: eis uns trechos das últimas (meados de Março de 2015) declarações de Edward Luttwak, estratega militar americano de origem judaica, cientista político e historiador, consultor do governo dos Estados Unidos (Departamento de Estado, United States Navy, United States Army, United States Air Force e NATO), membro do think tank Center for Strategic and International Studies (Henry Kissinger, Zbigniew K. Brzezinski, Morgan Stanley, GlaxoSmithKline, General Dynamics, The Boeing Company, The Coca Cola Company, The Council on Foreign Relations, etc.):

Pergunta: Depois do Iraque e da Síria o Isis passou do Oriente Médio ao norte da África. Antes Líbia, agora Tunísia…
Luttwak: Primeiro de tudo vamos chamá-lo pelo seu nome, o Estado Islâmico é o movimento islâmico mais bem-sucedido porque é o mais autêntico Islão. […]

Pergunta: é possível lutar contra o Estado Islâmico?
Luttwak: Em primeiro lugar, tem que ser dita a verdade: não é uma falha do Islão, é o Islão. […]

Pergunta: E então?
Luttwak: Quando você luta contra o Estado Islâmico na Mesopotâmia, você paga um preço muito alto em termos de geopolítica, porque o enfraquecimento do Estado Islâmico é o fortalecimento do Irão, que já tem nas suas mãos Bagdade, Damasco, o Yemen e tem uma enorme influência até mesmo em Beirute. […]

Pergunta: É possível ganhar a guerra com o Estado Islâmico?
Luttwak: Não, não se pode lutar contra isso. E é uma excelente ideia: deixa-los encontrar o seu equilíbrio. Hoje é absurdo atacar os inimigos do Irão. Teherão é a ameaça estratégica no Oriente Médio agora, não o Estado islâmico. […]

Pergunta: O Estado Islâmico pode ser um novo bloco de poder que substitua o lugar da União Soviética?
Luttwak: Seria um grande bloco de poderes ao nível do século VII. O Estado Islâmico é muito bom contra os heróis persas, não contra um batalhão ocidental capaz de atravessar toda a Mesopotâmia de lado a lado. Basta olhar para o que aconteceu na Palestina: por cada perda de Israel havia sete perdas de Hamas, e isso apenas na luta da infantaria.
Pergunta: Não se podem organizar?
Luttwak: Se conquistar o Egipto podem no máximo produzir armas de pequeno porte. Não criar poder. O  foco deles não é ser potência global, mas impedir que as mulheres façam coisas nojentas como andar sem marido e sem véu integral. Aspiram a isso. […]

Pergunta: O que podemos aprender com isso?
Luttwak: A ignorância não é boa, e nem a mentira. Devemos reconhecer a verdade: o Estado Islâmico é um movimento religioso de estrita fé islâmica. Quando permitimos que em Itália aterre um avião da Qatar Airways, estamos a permitir que o Estado Islâmico aterre em Itália.

A reter: 1. O  ISIS é o verdadeiro Islão, 2. O ISIS protege da verdadeira ameaça (o Irão), 3. Combater o ISIS é inútil: tem que encontrar o seu equilíbrio, 4. as monarquias do Golfo são o ISIS.
É preciso acrescentar algo?

ISIS: os dados

O ISIS, ou Estado Islâmico do Iraque e o Levante (também conhecido como “Califado”, ISIL, Daish ou Daesh), declarou a independência no passado dia 29 de Junho de 2014 e actualmente ocupa parte dos territórios do Iraque e da Síria.

O Chefe de Estado é Abu Bakr al-Baghdadi, tem um hino nacional (Ummatī, qad lāha fajrun, Nação minha, a alvorada é tua) e um lema (Bāqiya wa Tatamaddad, Consolidação e expansão). A capital é Al-Raqqa (196 mil habitantes) e ocupa uma superfície de 32.133 km².

Utiliza três moedas: a Lira Síria, o Dinar iraquiano e o Dinar do ISIS, esta última não oficial, enquanto a população total é estimada em 8 milhões de habitantes. Mas os números são incertos.

Os habitantes são quase totalmente árabes: apesar das afirmações do responsável da ONU, as minorias assíria, caldeia, arménias, yazidi, drusa, shabak e mandeana são alvos de violência étnica, pois a ideologia ISIS não admite outra religião que não seja a islâmica na variante sunita wahhabica (a mesma das monarquias do Golfo).

A economia baseia-se na exploração do petróleo, na exportação de produtos locais e na venda ilegal de bens arqueológicos.

As forças armadas podem contar com cerca de 200.000 efectivos e com os seguintes recursos:

Todas armas oficialmente obtidas durante a guerra civil síria e com a guerrilha no Iraque.

Ipse dixit.

Fontes: The New York Times, Hescaton, JihadWatch, Wikipedia (versões inglesa e italiana), Lettera 43