UFO: os Clássicos – Kenneth Arnold e os foguetes-fantasma

A ufologia moderna começa no dia 24 de Junho de 1947 com a experiência de Kenneth Arnold.
Todavia, já no ano anterior alguns fenómenos tinham atraído a atenção dos diários, algo que ficou conhecido como os foguetes-fantasma.

Apesar de ser pouco conhecido, o evento dos foguetes-fantasma é importante porque representa um acontecimento que, como o caso dos Foo Fighters, teve centenas (aliás: milhares) de testemunhas e teve um discreto impacto na sociedade, que só não foi mais forte por via dos desenvolvimentos pós-bélicos.

Os foguetes-fantasma

07 de Setembro de 1946

Os foguetes-fantasma foram observados sobretudo entre Fevereiro e Dezembro de 1946 nos céus da Suécia, dos Países vizinhos, na Grécia, na Italia, na Bélgica, na Jugoslávia e em Portugal.

Os primeiros episódios aconteceram na Suécia, durante o inverno 1944-45, mas não provocaram clamor porque, dado os eventos bélicos, pensava-se tratar-se duma nova arma, provavelmente um V3 nazista. Todavia, algo não batia certo e o governo da Suécia (País neutral) decidiu instalar uma rede de observação: os objectos não caiam explodindo e em alguns casos eram capazes de manobrar.

No total (até 1946) foram relatados 16 mil episódios (200 com observações radar também), a maior parte dos quais explicáveis: o pico das observações em 1946 verificou-se principalmente à noite e entre os dias 9 e 16 de Agosto, coincidindo assim com os meteoritos das Perseidas.

No entanto, sobravam 5.890 casos sem explicação: durante o dia, sem chuvas de meteoros, objectos com trajectórias e até formas não compatíveis com os dum meteoro. Foi proposta a possibilidade de lançamentos de mísseis V1 e V2 do ex-Reich por parte da União Soviética, possivelmente a partir da base de Peenemünde (na Alemanha).

Por esta razão, o exército sueco estabeleceu uma directiva que proibia os jornais de revelar a localização exacta das observações e as notícias sobre a trajectória, porque tal informação poderia ser útil para quem tinha realizado o lançamento dos mísseis. Apenas em 1997, com a desclassificação de documentos da USAF, se soube que alguns órgãos militares suecos consideraram a origem extraterrestre dos foguetes. Um dado sem dúvida interessante, sobretudo tendo em conta a época.

O documento

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A seguir a tradução integral do documento da USAF, do dia 04 de Novembro de 1948, relativo às observações de foguetes-fantasma acontecidas no território sueco ao longo dos meses anteriores:

Ao longo de alguns tempos, temos tido a preocupação de recorrentes relatórios sobre discos voadores. Periodicamente continuam a aparecer; durante a última semana, um foi observado pairando sobre a Base Aérea de Neubiberg por cerca de trinta minutos. Têm sido relatados por tantas fontes e numa tal variedade de lugares que estamos convencidos de que não podem ser ignorados e devem ser explicados tendo como base, talvez, algo que fique um pouco além do nosso actual pensamento racional.

Quando os oficiais desta Direcção recentemente visitaram o Air Intelligence Service sueco, esta questão foi posta aos suecos. A resposta deles foi que algumas pessoas confiáveis e totalmente e tecnicamente qualificadas têm chegado à conclusão de que “esses fenómenos são, obviamente, o resultado de uma habilidade técnica tão elevada que não podem ser creditados a nenhuma cultura actualmente conhecida na Terra”. Eles, portanto, assumem que esses objectos tenham origem numa tecnologia até agora desconhecida ou não identificada, possivelmente exterior à Terra.

Um desses objectos foi observado por um técnico especializado sueco perto da sua casa, acima dum lago. O objecto colidiu ou aterrou no lago e ele [o técnico, ndt] cuidadosamente apontou o azimute do seu ponto de observação. A intelligence sueca confiava suficientemente na sua observação ao ponto de um grupo de salvação naval ser enviado para o lago. A operação ocorreu durante uma visita de oficias da USAF. Os mergulhadores descobriram uma cratera antes não registada no fundo do lago. Nenhuma outra informação é disponível, mas foi nos dito que seriamos mantidos actualizados. Segundo eles, a observação é credível e acham que a depressão no fundo do lago, que não aparecia nos actuais mapas hidrográficos, foi de facto causada por um disco voador.

Apesar de que aceitar esta teoria acerca da origem desse objectos apresenta um inteiro grupo de novas questões e põe muito do nosso pensamento numa nova luz, estamos inclinados a não desacreditar inteiramente esta teoria duma qualquer forma espectacular, mantendo entretanto a mente aberta acerca do assunto. Quais as vossas reacções?

O lago citado no documento é, com muita probabilidade, o lago Kölmjärv, não longe de Estocolmo, onde no dia 19 de Julho de 1946 um foguete-fantasma foi relatado por algumas testemunhas. O objecto, cinza em forma de foguete com asas, bateu na superfície do lago com um ruído que sugeriu a explosão do mesmo; no entanto, três semanas de pesquisa militar conduzida sob-sigilo não conseguiram encontrar nenhum resto do objecto (ou meteorito), apenas a cratera de impacto no fundo do lago.

O oficial da Força Aérea Sueca que liderava a pesquisa era Karl-Gösta Bartoll. Numa entrevista em 1984, Bartoll comentou o acontecido, insistindo que “o que as pessoas tinham visto eram objectos físicos reais” e não apenas uma série de ilusões.

Além da Escandinávia

Associated Press de 1946

A observação de foguetes-fantasma, como afirmado, não ocorreu apenas na Escandinávia, mas também nos Países do sul da Europa e do norte da África.

Na Grécia, os foguetes-fantasma foram vistos na área de Thessaloniki e, como resultado, o governo grego formou uma comissão de inquérito, liderada pelo físico Paul Santorini (que tinha tomado parte no Projecto Manhattan).

Em 1967, Santorini revelou que a comissão havia determinado que aqueles observados na Grécia não eram foguetes, mas antes que fosse possível uma investigação mais aprofundada o exército grego, depois de conversas com as autoridades norte-americanas, ordenou-lhe para parar as pesquisas. De acordo com a Santorini, o segredo foi imposto porque os militares temiam ter de admitir a presença duma tecnologia superior contra a qual não havia qualquer possibilidade de defesa.

No mesmo ano, o fenómeno interessou outros Países: no dia 21 de Setembro de 1946, Il Corriere della Sera noticiava acerca de “misteriosos meteoritos nos céus africanos, acima dos distritos ocidentais da África do norte. São descritos como globos amarelos com longas caudas de chamas e uma luz amarelada na cauda”.

O astrónomo Filippo Eredia identificou este fenómeno como meteoritos pertencentes ao cometa Tuttle (efectivamente, parece haver uma ligação directa entre 109P/Swift-Tuttle e as Perseidas); todavia, a chuva de meteoritos manifesta-se entre o fim de Julho e o dia 20 de Agosto, com um pico perto do dia 12 deste mês. Em alguns casos, os meteoritos podem cair depois do dia 20, mas esta observação aconteceu um mês após o limite normal. E o mesmo se passou com a vaga de observações registadas em Italia na mesma altura:

  • 17 de Setembro: Bologna e Vercelli
  • 19 de Setembro: Torino
  • 20 de Setembro: Roma e Livorno
  • 21 e 22 de Setembro: Firenze
  • 04 de Outubro: Varazze (Savona)
  • 05 de Outubro: Trieste e Cagliari

A primeira observação de Torino foi efectuada às 19:34, com o céu ainda bastante iluminado, pelo que, como referia o diário, “pensa-se não seja um dos normais meteoritos frequentes nas noites de Verão”.

Interessante notar como todos as testemunhas falassem de “bombas voadoras”, “projécteis”, “foguetes”; e o termo mais usado fosse mesmo “bombas”. Isso fornece uma ideia do estado de alarme que as observações provocaram (lembramos mais uma vez que a guerra tinha acabado só um ano antes).

O oficial Karl-Gösta Bartoll à procura dum foguete-fantasma  no Lago de Kölmjärv (1946)
 Explicações

Meteoritos
Como vimos, o pico das observações em 1946 verificou-se principalmente à noite e entre os dias 9 e 16 de Agosto, coincidindo com os meteoritos das Perseidas. Portanto é provável que boa parte das observações possam ser explicadas com este fenómeno natural. No entanto, 5.890 casos não conseguem “adaptar-se” a este cenário: observações efectuadas ao longo do dia, em períodos longe das chuvas de meteoros (Fevereiro, por exemplo), objectos com trajectórias e até formas não compatíveis com as dum meteoro.

Russos e armas nazistas
Pode ser que parte das observações possam ser explicadas com o lançamento de foguetes nazistas por parte da União Soviética? É sabido que os Russos reiniciaram a produção de V1 e V2 (ou, pelo menos, de parte destes) na Alemanha durante o ano de 1946. Todavia, Peenemünde (que durante a Segunda Guerra Mundial era sede da Heeresversuchsanstalt, a principal sede de experimentação no âmbito dos foguetes) tinha sido quase completamente destruída pelo 2º Grupo de Armada da Bielorrússia em Maio de 1945: teria sido muito difícil, se não impossível, conduzir testes naquele lugar.

Os foguetes já construídos pela Alemanha não foram utilizados até 1947, quando Moscovo decidiu deportar cientistas e engenheiros alemães no sul da União Soviética: é o caso dos V2 experimentados em Kapustin Yar, perto de Astrakan. Mas esta localidade fica muito, muito longe da Suécia: são mais de 2.000 quilómetros, isso enquanto a autonomia máxima duma V2 era de 360 quilómetros. Isso para não falar das observações de Grécia, Italia, Bélgica, etc. Os V1 foram testados ainda mais a leste, em Tashken: fica perto do Afeganistão…

Hipótese extraterrestre
Há um facto que apoia fortemente esta teoria: os mesmos responsáveis da Aeronáutica Militar sueca foram os primeiros a apresenta-la. Não é pouco: este é um dos raríssimos casos em que um organismo oficial admite a existência de veículos de possível origem extraterrestre.

A fotografia de abertura deste artigo, por exemplo, foi tirada pelo fotografo Erik Reuterswärd o qual pensava que na imagem tivesse ficado o rasto dum meteorito; quem pensou o contrário foram mesmo os militares (que também entregaram a fotografia aos diários).

Infelizmente não estão disponíveis muitos dados acerca do fenómeno dos foguestes-fantasma (na prática, este artigo inclui tudo o que é sabido até hoje), pelo que não é possível dizer muito mais do que isso. Certo, a opinião duma Força Aérea nacional numa época pré-censura é algo “pesado”…

Hipótese natural
Excluindo os meteoritos, dos quais já falámos, não sobram muitos fenómenos naturais que possam explicar as observações. Sobretudo, não sobra nada de natural capaz de criar uma cratera num fundo dum lago sem deixar rasto nenhum. Então, um fenómeno natural ainda desconhecido? Lá vamos outra vez: explicar algo desconhecido com algo desconhecido…

Kenneth Arnold: o início da ufologia
Kenneth Arnold

A observação de Kenneth Arnold em si é bastante banal.

No dia 24 de Junho de 1947, enquanto pilotava o seu avião CallAir A-2, Arnold afirmou ter observado nove objectos voadores em formação perto do Monte Rainier (Washington).

Ele descreveu os objectos como luzes intermitentes, como se estivessem a reflectir os raios do sol, e o voo era “irregular” e com uma velocidade particularmente elevada.

A observação durou poucos segundos, nada mais do que isso. Mas foi o suficiente para dar início à ufologia moderna. Por quais razões o testemunho de Kenneth Arnold tornou-se tão importante?

Basicamente três:

  1. Arnold era um homem de negócios bem sucedido, conhecido e respeitado na região. Não tinha necessidade alguma de publicidade e não era pessoa para inventar uma história da qual nem poderia ter imaginado as consequências. Depois dos factos de 1947, Arnold manteve-se afastado do fenómeno ufológico, recusando até as entrevistas a partir dos anos ’60: a única aparição ligada ao evento se deu em 1977, em Chicago, para celebrar os 30 anos da sua observação.
  2. A guerra tinha acabado há 2 anos, os horrores ainda enchiam os olhos de todos, mas no horizonte havia outro inimigo: a União Soviética. E a ideia de que os UFO pudessem ser armas secretas soviéticas começou a circular muito cedo.
  3. Arnold, durante as entrevistas, utilizou para descrever os objectos uma imagem que atingiu o imaginário colectivo: falou de flying saucers, “discos voadores”, uma expressão de sucesso utilizada ainda hoje.

A sua observação despertou o interesse da intelligence dos militares (a Army Air Forces, AAF na altura). Sucessivamente, a U.S. Air Force arquivou o caso de Arnold como “miragem”. Uma conclusão partilhada também por alguns investigadores de UFO, como Jerome Clark no seu The UFO Book (1998) ou Ronald Story, editor de The Encyclopedia of UFOs (1980).

Miragem ou não, a observação de Kenneth Arnold mantém o estatuto de “clássico” pelas razões listadas acima: é a partir daqui que começa o estudo do fenómeno UFO.

E na verdade, não havendo qualquer tipo de prova ou dado, só uma pessoa podia saber o que Kenneth Arnold viu naquele dia e esta pessoa era o mesmo Kenneth Arnold:

Bem, aqui temos visto alguma coisa, eu vi alguma coisa, centenas de pilotos têm visto alguma coisa nos céus. Temos obedientemente relatado estas coisas. Temos que ter 15 milhões de testemunhas antes que alguém olhe para o problema, sério? Bem, isso é absolutamente fantástico. Este é mais fantástico do que os discos voadores ou duma pessoa de Vénus.

Ipse dixit.

Relacionado: UFO: os Clássicos – Foo Fighters

4 Replies to “UFO: os Clássicos – Kenneth Arnold e os foguetes-fantasma”

  1. E o que achas do incidente em Roswell, Max? É estranho, e curioso, divulgarem a notícia de que tinham capturado um "flying saucer", e no dia seguinte desmentirem essa notícia…

Obrigado por participar na discussão!

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