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Oriente Médio: o Tempo não pára

Então, vamos ver: uma bactéria altamente infecciosa e potencialmente mortal fugiu dum laboratório da Louisiana, nos Estados Unidos; há rachaduras numa central nuclear da Bélgica com saída de material contaminado…tudo normal, nada de interessante.

Ah, aqui está: Benjamin Netanyahu foi nos EUA, quase não convidado, a falar perante o Congresso contra as negociações com o Irão.

Acusações duras, às vezes quase surreais, contra eventuais acordos sobre o nuclear iraniano nas negociações em curso em Montreaux, na Suíça, e contra toda a abordagem de Obama em direcção ao Irão. E o simpático Barack nem quis encontra-lo.

Isso sim é interessante, porque a viagem de Netanyahu em Washington tinha sido organizada pela AIPAC (a mais poderosa das lobby judeu nos EUA). Tinha sido a AIPAC a proporcionar o convite dos Republicanos (não da Administração) com duas finalidades: as eleições de Março em israel (um discurso perante o Congresso com tanto de ovação de pé é sempre boa publicidade) e a tentativa extrema de intervir pesadamente nas negociações para o nuclear iraniano.

A ideia de que Obama possa assinar um acordo com Teheraõ, retirando as sanções e a normalização as relações, é intolerável. E não apenas em Tel Aviv, também na Arábia Saudita estão furiosos, porque um acordo significaria varrer décadas de esforços, guerras e rios de dinheiro gasto para estrangular o Irão.

Foi isso que levado o simpático Netanyahu a algo com uma arrogância sem precedentes: viajar para os EUA sem um convite da Casa Branca, falar directamente ao Congresso e tentar quebrar a linha política para a qual o Presidente em funções está a trabalhar. Algo sem precedentes, uma tentativa de interferir propiciada pelo novo equilíbrio do Congresso (agora com maioria republicana), no qual as velhas lobby (judeus, armamentos, petróleo importado…) estão de volta.

No seu discurso, Netanyahu tem extraído do baú tudo, absolutamente tudo: uma parafernália de facciosidade, arrogância, presunção e desinformação, até comparar o Irão ao Isis e outras absurdidades. Mas sugerindo, entre as linhas, que israel também está pronto a fazer sozinho (isso é: lançar um ataque preventivo contra o Irão) se as negociações tivessem sucesso.

Com esta viagem, as lobby tradicionais que puxam os fios do poder nos EUA atiraram as cartas para a mesa, de forma clara, tentando sabotar e bloquear as iniciativas do Presidente Obama.

Também em várias outras ocasiões houve altos e baixos entre as Administrações dos Estados Unidos, os governos israelitas e os aliados árabes, mas desta vez a divisão é particularmente profunda porque o que divide Obama do bloco de poder do qual faz parte Netanyahu é a visão estratégica.

E admitimos: os EUA que trabalham não para favorecer uma guerra ou invadir um País mas para alcançar um acordo de paz é algo bastante invulgar, que pode desorientar.

Na verdade, a necessidade de Obama é normalizar as relações com o Irão para dedicar-se a um novo teatro de guerra: o Pacífico. Do ponto de vista dos Estados Unidos é imperativo estabilizar a região do Oriente Médio e concentrar-se num ponto mais importante para o futuro da América. Pelo que, os EUA querem fechar o discurso Isis (o que descontenta os Árabes), fechar com o Irão (o que descontenta israel) e transferir as atenções em (pequena) parte contra a Rússia e em (grande) parte no Pacífico, isso é: contra a China.

Actualmente, o Oriente Médio é um pântano do qual a Administração queria afastar-se, abandonado duma vez por todas as brigas e intrigas do Golfo.

As reacções da Administração foram claras. A visita do presidente israelita foi ignorada, até criticada, e antes do discurso dele mais de cinquenta delegados democratas ostensivamente deixaram a sala das audiências: algo nunca acontecido.

A História mudou mas nem israel nem as monarquias do Golfo querem entender como, de facto, tenha chegado a altura de abandonar os papeis de protagonistas. O ataco maciço contra a actual Administração demonstra isso mesmo: Tel Avive e as petro-monarquias querem continuar a ser o umbigo do Mundo, o centro das atenções e das principais estratégias. Não tencionam perder o poder acumulado em décadas de conflitos sangrentos e estão dispostas a qualquer acção extrema, inclusive um ataco contra o Irão para fazer saltar as negociações.

Seria o início dum banho de sangue tanto colossal quanto inútil: a História não pára nem volta atrás. O futuro fica num outro lugar e o tempo da arrogância de Tel Aviv e dos seus aliados árabes está a esgotar-se.

Ipse dixit.

Fonte: Il Faro sul Mondo, Al Jazeera, CBC News, The Washington Post