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Gordon Walton: A Teoria das Seis Ilusões – Parte II

Professor, por enquanto vimos as primeiras Três Ilusões que fazem parte da sua teoria: a Ilusão da Lei, da Ordem e da Autoridade, a Ilusão da Prosperidade e a Ilusão da Liberdade. Mas há mais…
Sim, há. Na Idade Escura havia pelo menos outras três Ilusões que marcavam o ritmo da vida, seja das pessoas como indivíduos sejam como sociedade. Além das três que já citou, havia também a Ilusão da Verdade.

Ilusão da Verdade?
Sim, sem dúvida. Veja, o ser humano é programado para acreditar em algumas “verdades”, que podem ser dispensadas por entidades divinas, por meio de profetas por exemplo, ou por organismos superiores, acima de qualquer suspeita. Como os órgãos de comunicação conceituados, por exemplo.

Está a dizer que um diário pode substituir um Deus na “revelação da verdade”?
Com certeza. Quando uma religião ou não existe ou perde o papel de detentora da Verdade, cria-se um vazio que deve ser ocupado por outra entidade. Na Idade Escura o distanciamento entre a vertente espiritual e aquela pragmática tinha atingido o auge, pelo que foi uma passagem normal assistir aos mass media quais veículos para espalhar a “verdade”.

Mas Professor, um diário não “revela”, limita-se a relatar.
Isso hoje. Mas na Idade Escura a verdade era tratada de forma diferente. Temos de não esquecer que na altura os diários e as televisões eram de propriedade privada, isso é, pertenciam a grupos de poder bem definidos, pelo que tornava-se tarefa simples “ajustar” a realidade à mensagem que era intenção transmitir.

Todavia foi mesmo na Idade Escura que nasceu internet e sabemos as condições de grande confusão que vigoravam no começo. Não havia no meio deste caos vozes “fora do coro”, por assim dizer? 
Sim, havia. Havia jornalistas e outros profissionais independentes que desmantelavam continuamente as “verdades” oficiais. Mas o que contava era a força do conjunto: diários, revistas, rádios e televisões formavam este conjunto, uma parede “de verdade” que não era atingida por contrariedades pontuais. E não esquecemos que também estes veículos oficiais utilizavam internet. Portanto, os cidadãos eram rodeados de versões, a mais importante das quais era aquela repetidas mais vezes, com mais força e por parte de fontes reconhecidas como dotadas de “autoridade”.

E chegamos à Quinta Ilusão.
Sim, a quinta Ilusão. Algo muito delicado, que só após as Grandes Revoluções conseguimos entender até o fundo.

Fala do tempo?
Isso mesmo. Antigamente dizia-se que tempo era dinheiro, mas era uma mentira, como é óbvio. O tempo é a vida, a nossa vida. Para citar Watts, “a vida é uma continua manifestação do agora”. E é verdade, só que isso é claro para nós, na Idade Escura não era assim. Pelo contrário: a Ilusão do Tempo consistia em apresentar o passado como algo sem valor, o agora como um momento de mera passagem e o futuro como a parte mais importante, o derradeiro objectivo. Isso deslocava a atenção para lá do horizonte, num futuro para o qual era necessário trabalhar desde já e que justificava escolhas aparentemente inconcebíveis.

Inconcebíveis?
Exacto, inconcebíveis. Porque se a nossa visão do futuro for formada numa determinada maneira, o Homem aceita sacrifícios que em outras circunstâncias recusaria.

Pode explicar este ponto?
Percebo, pode parecer complicado, falamos de algo que fica tão longe da nossa realidade… acho que o melhor exemplo pode ser representado por um dado. Sabe quantos mísseis atómicos existiam perto do ano de 2000? Eram 20.000, suficientes para apagar o ser humano do planeta. E nem falo de armas biológicas ou químicas, falo só das atómicas. Agora, pensamos nisso: qual sociedade pode permitir a construção de armas que podem eliminar a vida no planeta todo?

Uma sociedade que não planeia adequadamente o futuro…
Pior: uma sociedade que tem medo do futuro, até o ponto de pôr as bases da sua própria destruição. Este era o clima na altura: havia medo, um grande medo alimentado continuamente pelas elites económicas.

Para condicionar o comportamento dos cidadãos?
Exacto, para que estes aceitassem escolhas não-lógicas, irracionais.

Portanto, também o tempo era uma arma.
E uma das mais poderosas, porque sabemos que um indivíduo assustado tem uma visão alterada da realidade, até o ponto de estar disposto a sacrificar algumas das suas liberdades para conservar a vida. Esta manipulação do tempo, este pôr como principal objectivo o futuro, e um futuro assustador, constituiu uma formidável armas de coerção. 

Professor, falta a última das Ilusões: qual era esta?
A Ilusão da Separação. A Idade Escura foi um período de grandes separações. No nível político, a táctica de dividir era um procedimento operacional utilizado nos sistemas autoritários, mas a Ilusão da Separação foi algo sucessivo, que operava num nível mais profundo.

A competição, seja entre indivíduos, seja entre as sociedades, era máxima. Não havia espaço para cooperação, tudo estava resumido a uma concorrência feroz. Este tipo de abordagem negava categoricamente algo que hoje é a base da nossa sociedade: o facto da vida neste planeta estar completamente interligada. Na Idade Escura este princípio era substituído pela “posse” dos recursos. Lutava-se pela posse do petróleo, do gás, pela posse das minas, nos últimos anos até pela posse da água.

Da água?
Sim, da água. O sistema Capitalista podia contar com recursos que pareciam ser ilimitados, o sistema Neo-Capitalista viu-se confrontado com a escassez de determinados recursos, pelo que a luta pela posse tornou-se cada vez mais importante.

Mas como era possível “ter” algo que não é produzido mas sai naturalmente da terra, como a água ou o petróleo?
Com base nos confins. Faço um exemplo: se no meu Estado havia um poço de água, aquela era a “minha água”, porque nascia onde eu residia.

Mas esta seria uma casualidade…
Na altura não era encarado assim. Na altura era um recursos de quem aí morasse e ponto final. Não apenas isso, mas eu teria tido o direito de pegar neste dom da Terra e vende-lo, enriquecer com isso. É claro que quando um recurso começava a escassear, muitas vezes a única forma de obtê-lo era invadir um Estado onde este fosse abundante.

Portanto uma época de muito conturbada…
Inevitavelmente. Porque determinados recursos são essenciais para a vida. Mas, além disso, havia outros não essenciais que, todavia, eram apresentados como tais. Pegamos no ouro: hoje é explorado pela sua maleabilidade, pelo facto de ser um metal que pode ser facilmente trabalhado, mas na Idade Escura era uma riqueza, aliás, era o símbolo da riqueza. Cavava-se um buraco para extrai-lo e depois cavava-se um outro buraco para guarda-lo porque o simples facto de tê-lo era sinónimo de prosperidade.

Inacreditável…Professor, se tivesse que sintetizar a sua Teoria das Seis Ilusões numa única palavras, qual escolheria?
Diria…diria marketing.

Marketing?
Sim, penso que marketing seja o termo mais adequado. As Seis Ilusões foram necessárias para forçar as sociedade a seguir um determinado percurso, não livre. Foram impostas, sem dúvida. Aliás, foram vendidas, porque todas tinham custos elevados. Mas não podemos esquecer que nada pode ser vendido sem alguém disposto a comprar.

Ipse dixit.

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