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Guerra ou não guerra?

Olhem que comentários interessantes que temos por aqui. Diz Chaplin:

Russos e americanos representam o teatro do bem e do mal. Exercem funções distintos em favor de um mesmo sistema de poder e dominação global. A Rússia que pode complicar essa equação de poder é a Rússia da elite sucessora da antiga monarquia dos czares, opositora ferrenha do próprio Putin.

Mas estão enfraquecidos pelos sionistas russos, parceiros dos anglo-saxões desde o final da segunda guerra, mas que foram propagandeados como seus inimigos…

O poder maior escolhe e configura seu pseudo inimigo, para que as massas populacionais se convençam dessa dualidade, condicionados pela propaganda midiática e dessa forma acabam por apoiar os pseudos defensores do bem…

E eis a resposta do Anónimo:

Então esta tensão toda entre os EUA e a Rússia é um teatro só para entreter aqui o povinho?
A guerra fria afinal não foi um confronto ideológico e militar mas apenas uma brincadeira?
No mundo ocidental detestam e diabolizam o Putin mas e só a fingir? Mas afinal são amiguinhos do coração.
A China também participa na peça?
Então nesse caso estamos condenados, sem salvação, esta escrito no destino e não se pode contrariar o que esta destinado.

A realidade e bem mais complexa que isso e garanto que se houvesse essa gente com esse poder todo para montar uma peça de teatro dessa magnitude, simplesmente não o fariam pois não precisariam de o fazer. E o mundo seria bem pior para nos.

Interessantes, porque são o espelho de duas visões contrastantes.
A Guerra que Fria não é

A pergunta é: esta “guerra” (ainda limitada) entre Rússia e Ocidente é verdadeira ou é apenas um instrumento de distracção e controle? Então aproveito e acrescento a minha opinião também, olha só.

Acho importante lembrar dum ponto: esta não é uma nova Guerra Fria. Apesar da expressão ser muito utilizada nos últimos tempos, a verdade é que aqui não estão em jogo dois diferentes sistemas de gerir o poder. Hoje, tanto em Washington como em Moscovo, a lei tem um único nome: Capitalismo. E não podem existir dúvidas acerca disso.

Na época da Guerra Fria, o confronto era entre o Capitalismo de Estado (URSS) e o Capitalismo do
Livre Mercado (EUA). Mas esta fase já foi amplamente ultrapassada: as regras em vigor hoje nas duas frentes são exactamente as mesmas.

Então esta é uma guerra de supremacia entre dois sistemas iguais? Sim, é. O que muda nas tais duas frentes são os figurantes e parte dos protagonistas também.

Os figurantes são, obviamente, os políticos e os militares. Obama e Putin não poderiam estar onde estão se atrás deles não houvesse um complexo sistema que suporta e orienta economica e financeiramente as escolhas presidenciais. Mas quem está na base deste sistema? Quem é que financia, que suporta, que dirige? Quem são os verdadeiros protagonistas?
Neste aspecto discordo de Chaplin, pois acho que a questão vai além do assunto “sionista”.
A guerra que podemos observar nestes meses é na verdade apenas a primeira batalha dum confronto que será bem mais longo e sangrento. O pano de fundo é a passagem de testemunho entre o Ocidente e o Oriente. Pois vamos ser claros: o futuro não passa pelos Estados Unidos e nem pela Europa. O futuro está tudo e só na China (e naquelas Nações que saberão/poderão cavalgar a vaga oriental como, talvez, a Índia).

E esqueçam também a hipótese do “mundo multipolar”: esta é uma ilusão útil no curto/médio prazo, no longo será ultrapassada pelos eventos.

A passagem Ocidente para Oriente se encontra apenas no estado inicial (do ponto de vista económico já está numa fase um pouco mais avançada, mas não muito) e o processo total demorará algumas décadas. No final, os EUA ficarão como potência local (América do Norte, Central no máximo), mas sempre condicionada pelas escolhas de Pequim. E o mesmo acontecerá com o resto do planeta, Rússia incluída.

Na prática, teremos uma situação parecida (se não igual) à aquela que vê os EUA dominarem o mundo agora, só com outro País na liderança. Mudarão alguns detalhes, isso é óbvio, mas a substância não. Acham isso estranho? Pelo contrário: seria estranho se assim não fosse, pois é esta a forma como as coisas funcionaram em todas as sociedades, desde sempre. E como hoje a nossa é uma sociedade “global”, onde os dados viajam à velocidade da luz e o planeta fica cada vez mais pequeno, é normal a existência duma potência líder que exerça um poder maior em relação às outras.

O problema é que as quedas dos impérios nunca são tenras. Há demasiados interesses, há vícios enraizados durante décadas ou até séculos, coisas difíceis de mudar. E de facto não mudam: só podem ser atropeladas e substituídas na integra.

Duelo ao pôr do sol

Esta é a nossa situação: ninguém tem a força para travar 1.4 biliões de Chineses. Washington nem conseguiu dar conta de alguns milhares de analfabetas com kalashnikov no Afeganistão, achamos mesmo que poderá fazer frente a um exército que tem permanentemente no activo mais de 2 milhões de efectivos e que em caso de necessidade pode multiplicar várias vezes este número no prazo de poucos dias?

Sabemos nós isso, sabem o mesmo em Washington. A Primavera Árabe, as Revoluções Coloridas, a guerra no Iraque, a Síria, a Ucrânia: são todas manobras que têm como fim ganhar terreno em vista do choque final (porque, na óptica hollywoodiana, as coisas poderão ser resolvidas só com um grande choque, provavelmente perto do pôr do sol). A conquista da Eurásia seria a última possibilidade de sobrevivência dos EUA; que, todavia, irão falir, porque sempre foram potência de mar, nunca de terra como os Chineses.

Paramos, pois há algo que não bate certo: se “quem tem o dinheiro”, quem está na base do Capitalismo Ocidental e Oriental são os mesmos nos dois lados (e são, confiem: aqui Chaplin tem toda a razão), e se o final já está escrito, que necessidade há duma guerra? Não poderia então ser apenas um “teatro” para enganar o povinho? Acho que não.

Eu não vejo, tal como Chaplin, um bloco monolítico sionista que desloca o binómio dinheiro/poder dum lado para o outro do planeta segundo o seu gosto. Acho que as coisas funcionam duma forma muito mais articulada.

Os EUA não são apenas um regime criado e gerido pelos sionistas. São, em primeiro lugar, os Estados Unidos de América, com as suas empresas, managers, elite, riquezas, grupos de poder. E do outro lado, na China, não há apenas uns banqueiros sionistas camuflados de chineses. O mesmo se passa na Rússia: além dos russos-sionistas (que sempre tiveram e continuam a ter um papel importante na história da “Mãe Rússia”), há russos 100% russos, com interesses russos, empresas russas, etc.


São estes grupos os protagonistas do actual confronto. E nenhum deles, em particular aquele americano que agora sente-se mais ameaçado, está disposto a abdicar dos seus interesses tão facilmente. Por isso dará luta.

O grupo americano, do qual Barack Obama é a expressão pública,  pode ainda entusiasmar-se com os resultados do Nasdaq, mas não pode fugir à realidade: a economia dos EUA nunca mais conseguirá ter o mesmo crescimento dos anos passados, por uma infinidade de razões.

A Rússia, pelo contrário, no futuro terá taxas de crescimentos assinaláveis, Índia e China conseguirão fazer ainda melhor. Porque? Porque China, Índia e Rússia juntas formam um mercado de 2.8 biliões de pessoas para as quais as portas do livre mercado começam a abrir-se só agora. E se a Rússia é deste “trio” oriental a menos povoada, também é verdade que detém as maiores riquezas do planeta em termos de recursos naturais. Inútil iludir-se: o dinheiro (e o poder com ele) vai para onde há mercado, não onde já houve (corolário: não é o poder/dinheiro que cria o mercado, é o mercado que atrai o poder/dinheiro, inclusive o sionista).

Os sionistas irão para Oriente também? Não “irão”, mas já “vão”. Por exemplo, israel está a tentar estabelecer um sólido relacionamento comercial com a Índia. Mas o grupo sionista não tem sozinho o poder de mudar tudo, nenhum grupo tem este poder. O que Chaplin esquece, do meu ponto de vista, é que enquanto no Ocidente o relacionamento entre Europeus/Americanos e Sionistas é milenário e perverso, no Oriente (China) simplesmente não existe. E duvido que alguém na China fique comovido ao ouvir os contos da Shoa ao ponto de entregar para Tel Avive as chaves do poder.

Esta é/será uma guerra verdadeira, a última com a qual os EUA poderão demonstrar de merecer ser ainda o centro do poder global. Pena, pois não entenderam que este tempo já passou e que as elites económicas do resto do mundo alteraram o rumo. A escolha já foi feita e é só uma questão de tempo.

Condenados? Sim, mas…

Pergunta o Anónimo:

Então nesse caso estamos condenados, sem salvação, esta escrito no destino e não se pode contrariar o que esta destinado.

A resposta é: sim, estamos condenados. Não pelo grupo sionista, mas pelas nossas escolhas.

Até quando não será posto remédio ao erro de fundo (que é o sistema capitalista), as escolhas não irão depender de nós. Não está escrito no destino, está escrito na nossa falta de acção, iniciativa, na preguiça e no comodismo, no deixar que outros sejam explorados em prol dum sistema que nos dá os iPhones.

Boa notícia: a China não dá sinais de querer minimamente alterar o sistema, percorre o mesmo trilho, amplificando, até, os aspectos mais grotescos (se acham normal construir uma inteira cidade dedicada unicamente ao ilusionismo…).
Isso é bom? Sim, muito: porque o sistema não vai durar.
E seremos obrigados a mudar.
E agora, posso ir para a cama e descansar? Fogo, nem têm respeito para um pobre doente… 🙂
Ipse dixit.
Fontes: Aspirina, Paracetamol, Chá com Gengibre.