Por incrível que pareça, as declarações de ambos são ouvidas e rematadas pelos media de regime. Falamos, obviamente, do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, e do digno compadre Primeiro Ministro, Passos Coelho.
Mas podem ficar descansados os amigos Portugueses: Lisboa não é uma excepção. Em cada País, nesta altura, há um ou mais indivíduos que defendem publicamente os interesses dos bancos sem nunca apresentar dados. Porque espreitar os dados significa perceber que as coisas estão ligeirissimamente diferentes de quanto afirmado.
Pegamos nas palavras da múmia, o Presidente:
Portugal tem vindo a demonstrar solidariedade em relação à Grécia para que ela permaneça na zona do Euro. Além do empréstimo que fizemos à Grécia de cerca de mil e 100 milhões de euros [no âmbito do primeiro resgate a este país], Portugal tem vindo a transferir para a Grécia o produto do juros das obrigações na posse do Banco de Portugal, o que significa muitos milhões de euros que saem da bolsa dos contribuintes portugueses.
A Grécia não pode fazer o que bem entende.
Vamos ouvir o outro génio da família, o Coelho. O cobrador de impostos alemães assim declarou na Universidade Católica de Lisboa:
[…] Passos Coelho apelidou de “conto de
crianças” a ideia de que “é possível que um país, por exemplo, não
queira assumir os seus compromissos, não pagar as suas dívidas, querer
aumentar os salários, baixar os impostos e ainda ter a obrigação de, nos
seus parceiros, garantir o financiamento sem contrapartidas. […] É sabido que o programa do partido que ganhou as
eleições é difícil de ser conciliado com aquilo que são as regras
europeias.
Portanto, em ambos os casos, estamos perante uma imagem que é transmitida de forma bastante clara: a Grécia não quer pagar as suas dívidas e quer fazer a boa vida, aumentado salários, baixando os impostos, etc. E isso apesar de todo o dinheiro que recebeu como “transferências”.
Seus parasitas gregos. São a vergonha da Europa toda.
Mas será mesmo assim?
Eis um gráfico que nem o idoso, nem o cobrador alemão nem outros políticos no Velho Continente mostram:
Também dá para observar como em 2011, por exemplo, o Estado pagou 15 biliões só de interesses. Nos últimos 5 anos, os gregos pagaram 48.6 biliões de Euros em juros. E as projecções indicam que a tendência é para a subida.
(“Austeridade!”) com aquelas de agora (“Querem sair? Adeus”). O que mudou? Mudou o facto dos bancos alemães já não ter activos gregos.
Repito: falamos apenas dos juros, não da devolução do capital.
Parte destes interesses foram para os bancos privados gregos, mas 3/4 foram para as instituições financeiras estrangeiras, para as quais o Euro funcionou como uma máquina para espremer juros gregos (e para fazer enriquecer uma mínima parte da sociedade grega que, em seguida, levou o dinheiro para o estrangeiro: a mãe do último Primeiro Ministro socialista do Pasok, Papandreou, tem uma conta na Suíça com 500 milhões de Euros).
Fugidos os “investidores estrangeiros”, sobram os “investidores amigos” institucionais: Bruxelas, FMI, Fundo Salva-Estados. E com amigos destes a ruína fica ao virar da esquina.
Se a ideia for dar algumas possibilidades aos Gregos, a Europa tem que abdicar dos quase 10 biliões de juros anuais. Qualquer outra solução que implique o pagamento irá manter o País numa condição de pré-morte, sem possibilidade de melhorias.
Se, como diz o catatónico Cavaco, “A Grécia não pode fazer o que bem entende”, nem a Europa tem o direito de vida ou morte sobre os Estados Membros.
Se, como afirma o cobrador alemão Coelho, “o programa do partido que ganhou as
eleições é difícil de ser conciliado com aquilo que são as regras
europeias”, talvez seja o caso de explicar a todos qual o fim destas regras: cooperação ou usura? Se o programa de Syriza é “um conto de fada”, também a ideia de que Portugal e os outros Países “amigos” estejam a “ajudar” a Grécia sem ganhar nada com isso.
E por favor: paramos duma vez por todas de chama-la “ajuda”, ok?
No meio de tudo isso, esqueci-me de realçar um “detalhe” que tão “detalhe” não é.
Antes, como vimos, a Dívida grega estava nas mãos dos “investidores estrangeiros” (basicamente os bancos privados internacionais), agora é detida maioritariamente pelo Fundo Salva-Estados (mais FMI).
É interessante notar como a situação evoluiu: antes quem arriscava eram os privados, agora…pois, quem arrisca agora? A resposta é dada pelo catatónico Presidente português, Cavaco Silva, na já citada intervenção:
Portugal tem vindo a transferir para a Grécia o produto do juros das
obrigações na posse do Banco de Portugal, o que significa muitos milhões
de euros que saem da bolsa dos contribuintes portugueses.
Ipse dixit.