O que é o dinheiro: resumo – Parte II

O Estado, em condições “saudáveis” (e não naquela abominação chamada de “Euro”) possui a sua moeda. E é o monopolista do dinheiro, pois só ele pode emiti-lo.
Como funciona esta coisa?

Simples (por assim dizer: na verdade os mecanismos são um bordel, mas aqui é inútil complicar as nossas vidas, não é?): há um Ministério do Tesouro e há um Banco Central.

O governo decide uma determinada despesa pública, o Parlamento diz “Ok, gasta”, o Ministério do Tesouro carrega nas teclas e o Banco Central credita na conta do Estado aqueles códigos abstractos dos quais falámos antes. Por exemplo: “+20miliões”.

Esqueçam a ideia do idoso tipógrafo que se levanta às 4 da manhã para pôr a funcionar as antigas impressoras, depois mistura as tintas, recorta o papel e começa a imprimir a moeda. Não é assim que funciona. A criação clássica da moeda existe, como é óbvio, mas num outro contexto, não nesse da despesa dum qualquer governo.
O governo, desta forma, tem o dinheiro necessário para fazer funcionar o País: pagar os ordenados, fazer aquisições, iniciar obras públicas, etc. Mais uma vez, o mecanismo é o mesmo, é aquele do “dinheiro que não existe” e nem sequer existe para o Estado: são códigos. Os códigos abstractos do Estado entram no sistema do País, são reconhecidos pelos bancos nas várias transacções, voltam para o Banco Central onde desaparecem.

Desaparecem? Como assim?
Vamos ver.

Os bancos centrais (cada País tem o seu) ao emitir moeda electrónica criam activos (os tais códigos) nos seus livros contáveis, por exemplo: Banco Central da Ilha de Tanga – Activos: 100 Moedas de Tanga.

Mas depois este dinheiro volta atrás, por exemplo quando os cidadãos pagam os impostos. Obviamente o Banco Central da Ilha de Tanga é obrigado a reconhecer o dinheiro-código com o qual os cidadãos efectuam o pagamento, pelo que é criada uma passividade: Banco Central da Ilha de Tanga – Passivos: 100 Moedas de Tanga.

Activo? Passivo? Epá, grande confusão…

Breve parênteses. Esta coisa do Activo/Passivo pode criar um pouco de confusão.

Por exemplo: quando o dinheiro entra nos cofres do Estado através do pagamento dos impostos, não deveria ser considerado um “activo”? Afinal é dinheiro que entra!

Na verdade não: é “activo” quando é criado, pois com ele o Estado pode comprar, pagar, etc. Mas quando volta atrás, é um “passivo” porque é um crédito que os cidadãos têm, não o Estado.

Vamos fazer um exemplo prático.
O senhor Guilhermino é chamado no escritório das Finanças por suposta evasão do pagamento da taxa sobre o seu cão, Fuffy. Guilhermino pega no Fuffy e vai até as Finanças. Aqui o funcionário diz:

Ó Guilhermino, você é um malandro, um meio criminoso: não pagou a taxa sobre esta bola de pelo e pulgas que você chama cão. Lamento, tem que pagar e são 10 Moedas.

Enquanto Fuffy já rosna, Guilhermino extrai um recibo do bolso e atira-o para a mesa com ar indignado:

Seu animal dum funcionário, olhe para este recibo: eu já paguei e paguei até a última moeda!

Depois disso Fuffy ataca o funcionário mordendo-lhe os calcanhares.

Atenção agora: o que significa a frase “eu já paguei”? Significa “eu criei um crédito em meu favor de 10 moedas e agora o Estado tem que reconhecer este crédito, pelo que não tenho que pagar mais”. Não esquecemos de que o dinheiro é um instrumento, não um bem: representa algo (e os códigos abstractos também, como é óbvio).

Antes era o Estado a ter um crédito: Guilhermino tinha que pagar a taxa de 10 moedas sobre o cão, depois Guilhermino pagou e criou um crédito em favor dele. Os dois créditos, de valor igual, anulam-se. O crédito exigido pelo Estado (+ 10 Moedas em favor do Estado) ficou anulado pelo crédito criado pelo Guilhermino (- 10 Moedas para Estado) e agora a taxa fica paga (+ 10 Moedas – 10 Moedas = Zero).

Portanto, é uma questão de contabilidade. 

O dinheiro? Queimado

Voltemos ao discurso principal, Estado e moeda.

Como no caso dos bancos, podemos dizer que o Estado e o Banco Central não têm dinheiro, tudo o que eles fazem é mudar electronicamente números nas contas do sector público ou privado, ou seja, mais ou menos uns dos famosos códigos abstractos que permitem a criação de bens e serviços reais.

Uma coisa engraçada: apenas uma parte muito pequena do dinheiro num Estado circula sob forma de dinheiro real (notas de papel ou moedas de metal). Quanto? 5-8% do total do dinheiro em circulação.

O dinheiro real sai Banco Central e vai para os bancos que, por sua vez, o entregam aos cidadãos. Dá grandes voltas na economia real (nas nossas carteiras, nas lojas…), depois volta para os bancos (com os depósitos); estes ficam com uma parte dele para efectuar as operações diárias (levantamento por parte dos cidadãos, por exemplo), enquanto pegam o restante e enviam-no de volta para o Banco Central (o Estado).

Aqui acontece uma coisa curiosa: o Banco Central destrói o dinheiro real. Literalmente, queima as notas. Os grandes cofres do Estado recheados de notas existem apenas nos filmes.

Porquê? Por duas razões.

A primeira é simples de entender: o dinheiro envelhece rapidamente, passa de mão em mão, cai no chão, fica esquecido nos bolsos das calças que estão na máquina lava-roupa, etc. Uma nota de valor reduzido (tipo os 5 Euros na Europa) tem uma vida de 1 ano ou 1 ano e meio no máximo; uma nota de valor bem maior (500 Euros) pode circular 10 anos ou até mais.

A segunda razão é mais uma vez de carácter contabilístico. 
Quando o Banco Central recupera o dinheiro depositado nos bancos por parte dos cidadãos cria activos nos bancos e passividades para si. Como vimos no mecanismo dos activos/passivos, estes anulam-se reciprocamente, o resultado é zero. E o dinheiro (que também envelheceu durante a utilização) fica queimado.

Sempre o mesmo discurso: o dinheiro não existe, mesmo no Estado, são códigos que vêm e vão e são eliminados para criar bens reais (os gastos do Estado).

Ipse dixit

Relacionados:
Parte I
Parte III 
Parte IV

2 Replies to “O que é o dinheiro: resumo – Parte II”

  1. Por favor não ler que não quero confunir.
    Caro Max:
    Para isto tudo acontecer existe uma (rede) comunicação entre as fontes (criptografada) porque os valores do João ou Barnabé não passam de 0 e 1.
    Vamos por a hipótese de João imaginemos precisa de uma soma avultada de dinheiro fisico (porque é lá que tem conta e o "valor" é dele e pode muito bem fazer o que entender com esse "valor"). Imaginemos que ou clientes ou os seus habituais fornecedores querem cash e não lhes interessa que façam o tracing (seguimento electrónico) para paraísos fiscais, ou lá terão os seus motivos.
    Pergunta quantas semanas terá João de esperar para nas mãos a representação do "valor" em cash ou notas terá de esperar?
    Pois no banco nem um décimo dessa quantidade possui? Pois isso tera que ir à casa mãe, do dito cujo (banco)

    Ps: e se subitamente todos começam a retirar o valor pois suspeita-se que poderão não voltar a ver a representação fisica do mesmo por um ou mais motivos internos ou até externos?

    Mais outra pergunta quem/como atribui códigos através de swift. E à quantos anos, já fazia essas operações com um simples multibanco na Europa central em meio da década de 90? Os códigos não são aqueles dados indecifráveis (?). Que passam na net (o hacker mostrou-me em lx). Se acedeu é assim tão seguro?

    Não existindo nada que suporte valores fisicos (banco central) como o ouro, não estamos num sistema mais de crença nas instituições que no valor real?

    Porque é que o dinheiro de excedentes de Portugal está em Nova Iorque(e pagam por isso)?

    Porque é que no fed estão excedentes chineses, japoneses, russos, belgas (ue?) e outros que por sua vez, compram divida norte-americana(à falta de melhor)?

    Para que serve fort knox se não existe lá nada?

    Nuno, chato e questionador por excelência.
    Peço desculpa mas acho tudo um pouco estranho…
    Abraço

  2. Estou aqui a aprender, pura e simples, não percebo nada como funcionam certas coisas.
    Acho que isto se devia dar nas escolas (mexe com todos nós).
    E não é preciso ser sequer inteligente que algo aqui não bate bem.
    Mas quando não sei pergunto.
    N

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