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Desejo, Prazer & Felicidade

Sabemos como é: o Capitalismo não funciona, é injusto etc., etc… Sabemos isso, estamos fartos de ler estas coisas e todos mais ou menos concordamos.

Mas abandonemos por um momento o dinheiro, a Finança, as desigualdades, as injustiças, e perguntamos: o que deveria proporcionar uma sociedade “boa”? O bem estar de todos cidadãos, parece evidente: promover a saúde e a independência económica, estas são as bases.

Mais: a possibilidade dos cidadãos verem realizadas as suas aspirações. Criar um família, crescer os filhos num ambiente confortável; ou cultivar os relacionamentos interpessoais, ter acesso à cultura; ou ainda ter os instrumentos para escolher e gerir as suas vidas segundo as exigências pessoais. Ou tudo isso junto.

Resumindo: conseguir viver duma forma que possa dar um sentido à nossa vida. Podemos definir esta como “felicidade”? Talvez, não sei. Mas por comodidade utilizamos este termo: felicidade.
A nossa é uma sociedade “feliz”? Não, pelo contrário: é profundamente infeliz. E não é por causa das guerras ou dos malabarismos das Bolsas: são as bases que estão erradas.

Longe do Capitalismo original, a actual sociedade vive num estado muito particular, que do Capitalismo teve origem, no qual o lema parece ser “possuir”.

Este modelo económico difunde a ideia duma
felicidade inteiramente baseada no consumismo e no materialismo. Publicidade, Public Relations são os instrumentos utilizados pelos defensores desta doutrina na qual a “felicidade” é confundida com o prazer. Nós temos que comprar um carro, podemos compra-lo e com a compra ficamos “felizes”. Se não conseguirmos, eis que aparece a frustração e ficamos “infelizes”, porque aqui “felicidade” é sinónimo de “posse”.

Problema: uma felicidade baseada na “posse” dura pouco. A felicidade que
vem de “possuir tudo o que você quiser” não fica connosco muito tempo: só torna todos escravos da dialéctica prazer-frustração, alegria-tristeza.

A emoção de finalmente ter
conseguido o que queremos (o novo carro, o iPad, um trabalho, um
vestido) termina logo a seguir: em breve irá sair uma nova versão do carro (iPad, computador, tablet…) que acabamos de adquirir e nós descobriremos ter um modelo velho, fora de moda, tecnologicamente ultrapassado. Aparecerá assim o novo desejo que apagará por completo a “felicidade” conseguida com o velho.

Portanto, nos encontramos catapultados
para aquela que era a nossa condição de partida. As passagens entre “felicidade” e frustração
tornam-se rotineiras (a “rotina hedonista” como afirma o psicólogo britânico
Michael Eyenseck), e passamos boa parte da nossa vida a tentar encher um vazio.

Isso porque, como já afirmado, somos levados a crer que as experiências que trazem prazer sejam experiências “felizes”, sejam a fonte da felicidade. E assim, passamos dum momento de prazer para outro, na
esperança de que o próximo seja ainda mais intenso e mais satisfatório
daquele que acaba de terminar.

Vivemos para estes “momentos de felicidade”: são eles
que definem o ritmo das nossas vidas, o que implica um grande
dispêndio de tempo e de energia na tentativa de maximizar o prazer, de
procurar a “felicidade” e evitar o seu oposto.

E enquanto isso, o tempo passa. Estamos presos nessa dialéctica que, na maioria das vezes, nos torna ansiosos e infelizes, até que estas “felicidades” tornam-se a medida para avaliar a sociedade: uma sociedade onde a escolha de telemóveis for ampla é uma sociedade que proporciona mais “felicidade” do que uma sociedade onde a escolha for mais limitada ou até ausente.

Um governo que prometa o “crescimento” será portanto encarado como um bom governo: crescimento significa mais produção, mais poder de compra, mais momentos de “felicidade”.

Mas a confusão entre “prazer” e “felicidade” tem consequências pesadas. Ao substituir a felicidade (aquela verdadeira, sem aspas) pela “felicidade” proporcionada pelo prazer, nós abdicamos duma satisfação autêntica, algo que possa durar. Resultado? Segundo a Organização Mundial de Saúde, no mundo há não menos de que 350 milhões de pessoas que sofrem de depressão. Destas, bem 64 milhões vivem nos Estados Unidos.

Normalmente o prazer é algo relacionado aos sentidos, muitas vezes
hedonista, sempre efémero. E caminha ao lado do desejo. Há muito tempo, Buda identificou o desejo como a
causa de todo o sofrimento, pelo que anular o desejo é o começo para conseguir a felicidade (o que, dito por uma pessoa que nas imagens pesa uns 150 quilos é um pouco suspeito: não parece ter conseguido eliminar o desejo da comida…).

Eu não sei, parece-me um bocado radical: talvez o problema não seja o desejo ou o prazer, talvez o problema resida na medida, como em todas as coisas da vida. A água é boa por definição, mas experimentem beber 10 litros duma vez só.

No nosso sistema económico
“liberal” (com muitas aspas!), que coloca no seu centro o consumidor e empurra-o a assumir
atitudes que exacerbam os desejos individuais e levam a um consequente aumento da
disparidade entre as classes sociais, a medida é posta de lado em favor dum desejo que tem sempre de ser satisfeito, para proporcionar um prazer continuo (quando possível). Este é o excesso.

Isso significa que qualquer governo que prometa mais e mais “crescimento”, à custa de ou pondo em segundo plano outros valores (liberdade individual, justiça social, cooperação, ajuda aos que mais precisam) não é um governo que escolha o bem estar dos seus cidadãos mas apenas a continuação do perverso ciclo prazer-frustração.

Em teoria todos os governos prometem “liberdade”, “justiça”, etc., na prática todos têm como primeiro objectivo atingir o crescimento económico. Qualquer sistema para funcionar precisa de dinheiro (felicidade é também um sistema de saúde que funcione!), isso é óbvio: mas onde está mais uma vez a medida?

Onde acaba o crescimento justificado para apoiar o bem estar dos cidadãos e onde começa o crescimento que tem como objectivo o “bem estar” das Bolsas? Onde acaba de ser um instrumento em favor dos cidadãos para torna-se no principal (e por vezes único) objectivo dum País?

Não é dos governos a tarefa de tornar os cidadãos felizes, não pode ser. Mas é deles o dever de eliminar do sistema os obstáculos que impedem a concretização deste objectivo. Os Estados deveriam
promover, ao lado duma autonomia económica individual e social, a concretização e a transmissão daqueles valores que podem ser considerados eternos e que, por acaso, são o cerne da democracia também: participação, cooperação, partilha, ajuda.

Se um governo revela-se uma inferência destrutiva neste caminho, as pessoas têm o direito de altera-lo ou mesmo substituí-lo por um novo, capaz de defender o direito à saúde e à felicidade.

E esta não é um a ideia minha: é da ONU.

Bom Domingo.

Ipse dixit.

Imagens: Mighty Optical Illusions