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Os limites dos -ismos…

Admitimos: a nossa condição não é alegre.

Todos concordamos: o Capitalismo (ou aquela coisa que ainda alguém insiste em definir assim) falhou e é destinado a desaparecer.

O que não faltam são cantos fúnebres dedicados ao Capitalismo. Que na verdade morreu há muito: hoje estamos refém de algo que junta o corporativismo fascista, uma Finança desligada da realidade e uma classe política ao serviço do capital de papel.

Alternativas? Infelizmente, todas as tentativas até hoje falharam miseravelmente, por causa de limites subjectivos daqueles que tentaram ou pela dificuldade objectiva da empresa.

Sim, verdade: aquele que por conveniência, rapidez ou ignorância chamamos de Capitalismo chegou ao fim. Este pode ainda orgulhar-se de alguns sucessos temporários em algumas áreas do mundo, pode festejar o super-crescimento de 0,2% do Produto Interno Bruto (sem explicar como foi obtido este “estrondoso” resultado, é melhor), mas sabemos que o poço esta vazio, esgotou-se.

Chegou ao fim porque depois de cerca de três séculos apareceu a conta: os limites. Limites na possibilidade do crescimento desta forma, limites da exploração dos recursos e do meio ambiente, limites do enriquecimento desenfreado duma minoria em detrimento da grande maioria, limites da pressão demográfica, limites duma frenética dinâmica mercantilizadora que tudo atropela e destrói (mentes incluídas); em última análise, limites naturalmente presentes em qualquer sistema organizado que não pode tolerar os excessos.

Chegou ao fim porque falhou na resolução dos graves problemas que sempre afligiram e continuam a afligir os Homens: a pobreza, a fome, a injustiça, a desigualdade.

Por outro lado, todos os modelos alternativos ao Capitalismo ou estão falidos ou ficam relegados a um passado que ninguém quer reviver.

O que tem sido chamado de Comunismo era apenas a variante social, política e económica que Marx chamou de “modo de produção asiático”: um Estado omnipotente, encarnado pela figura de um rei-imperador deificado até ser embalsado num mausoléu após sua morte, um poder concentrado num restrito círculo de oligarcas, sacerdotes e burocratas, com cereais e géneros alimentícios guardados pelo Estado como garantia de sobrevivência nos anos de carestia. Na União Soviética ou na China ninguém ostentava o título de Faraó, “Secretário do Partido” era mais do que suficiente para desenvolver as mesmas funções.

A URSS e a China de Mao foram as mais recentes manifestação desse “Comunismo” (aspas necessárias), que agora sobrevive apenas no grotesco da Coreia do Norte.

Paradoxalmente, o único e verdadeiro Comunismo apareceu no Ocidente, nos mosteiros medievais. Aí não era apenas oração e transmissão de cultura, era produção, consumo e um modesto comércio: a propriedade da terra em torno do mosteiro e as ferramentas dos laboratórios eram da comunidade. Os produtos do trabalho eram partilhados. Centros de auto-produção e consumo. Algo que foi possível encontrar, ao longo dum curto período de tempo, também nos kibbutz israelitas.

Óbvio que tanto o sistema dos mosteiros quanto o dos kibbutz não tinham hipóteses de resistir perante a avançada do Capitalismo: afinal, eram as únicas experiências “comunistas” dignas deste termo, centros de auto-regulação, auto-produção e consumo, onde o dinheiro e o comércio tinham um papel limitado.

Mas isso não deixa de ser sintomático: enquanto procuramos o futuro nos ícones, enquanto glorificamos empresas que raramente aconteceram tais como são contadas, esquecemos de procurar a inspiração na realidade mais humilde. 

E chegamos aos nossos dias: dias duma condição não alegre, como afirmado, porque falta uma alternativa. Estamos aqui, a com o cadáver do pseudo-Capitalismo em rápida decomposição, e não sabemos o que fazer.

Essa é a verdadeira tragédia da nossa época, ver que o sistema global chegou ao fim mas sem ser capazes de conceber uma alternativa realista. Condenados a afundar na lama de uma decadência monstruosa, o máximo que conseguimos fazer é pronunciar palavras que acabam em -ismo, como se a solução dos nossos problemas estivesse apenas nas prateleiras duma biblioteca.

Qualquer força de renovação, qualquer movimento que deseje verdadeiramente mudar o actual rumo, terá em primeiro lugar que abandonar todos os -ismos em circulação e contar apenas com as pessoas e as ideias delas. Ouvi-las, falar com elas, perceber quais as necessidades, eliminar as divisões fictícias criadas para manter-nos escravos, olhar para os mecanismos da Natureza, procurar novas soluções, porque as velhas receitas já demonstraram estar esgotadas.

Nada de ilusões: qualquer outra força que insista em esconder-se atrás dum saudoso -ismo (sim, também o “Ambientalismo”) tentará só e sempre adiar a mudança. Só uma nova maneira de encarar o mundo, a vida, nós, o conceito de sociedade, poderá mudar alguma coisa. Tudo o resto servirá apenas para prolongar a agonia.

Mas isso significa também outra coisa: que a mudança dificilmente virá “de cima”.

Ipse dixit.