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A guerra dos preços do petróleo

“Ah, pois, o preço agora é demasiado elevado, mas esqueçam o petróleo abaixo dos 80 Dólares…”
Esta a ideia há poucos anos. Hoje o barril fica abaixo dos 70 Dólares (abriu a 67 em New York).
É bom? É mal? Quem ganha com isso?

Comecemos pela última pergunta: não ganha ninguém.

Não ganham os consumidores porque, por alguma misteriosa razão que deve ter a ver com o delicado Equilíbrio Quântico, quando o petróleo aumentar 5 Dólares a gasolina dispara, quando o petróleo cair de 20 ou 30 Dólares a gasolina baixa 1 cêntimo (e ainda temos que agradecer).

Não ganham os produtores, que vêem as margens de lucro reduzidas e os investimentos limitados.

Mas desta vez a situação é um pouco mais complicada.
A Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) decidiu manter os limites da produção inalterada: 30 milhões de barris por dia. Aparentemente é uma decisão estranha: quando um produto custar pouco, limita-se a produção e o preço aumenta. É a lei da procura e da oferta.

Mas desta vez a Arábia Saudita (cujas decisões “pesam” muito no âmbito da OPEP) decidiu escolher a estrada contrária. E os analistas começam a ver o barril descer até 60 Dólares. A Arábia perderá riso de dinheiro. Parece uma táctica suicida.

Não era esta a decisão que esperava o Irão ou a Venezuela, que precisam de preços muito mais elevados para manter o orçamento de Estado equilibrado. Não era este o desejo da Rússia, pelas mesmas razões. Mas nem era esta a escolha dos Estados Unidos, que com preços baixos vê reduzir-se as margens de lucro das suas explorações de fracking e de xisto.

Então? Qual o objectivo da Arábia? Arruinar os outros produtores de petróleo?
Sim e não.

Dum lado, é claro que um mercado com menos concorrentes é algo que a Arábia vê com simpatia: e na capital Riad sabem que nem todos podem continuar a vender o petróleo com preços tão baixos.

Do outro lado, a Arábia sabe de ter na mão uma arma mais potente do que a atómica: porque todo o nosso mundo funciona com o petróleo. Então decidiu utilizar esta arma para resolver algumas questões “incómodas”. Claro, nada disso é oficial, mas não é preciso muito para imaginar quais os movimentos nos bastidores.

A Arábia não é apenas um produtor de crude: é uma entidade política com objectivos bem claros.

Por exemplo: o ISIS, que o petróleo árabe armou também (via Síria) mas que agora tornou-se mais um joguinho nas mãos de Washington e Tel Avive, pode ser sacrificado na óptica dum acordo com os EUA se este abdicar dos “bons tons” recentemente mantidos com o Irão.

Depois há a Síria (e, atrás dela, o Irão): eliminar Assad e reduzir a esfera de influência de Teheran é importante na óptica da Península, foi por isso que armou os “rebeldes” sírios.

Há o problema do fracking: em Riad não vêem nada bem estas novas explorações e não preciso puxar muito pela imaginação para entender a razão.

Para acabar: Rússia e China, um produtor, outro grande consumidor, ambos empenhados a abandonar o Dólar e quebrar assim o esquema que ao longo das últimas décadas tem garantido a prosperidade da Arábia.

Tendo isso em conta, a decisão de não baixar o preço do petróleo faz todo o sentido: são muitos os assuntos para resolver em cima da mesa e em Riad decidiram desta forma fazer a voz grossa para que alguém responda. Quem? Obviamente os Estados Unidos. A ideia dos árabes é utilizar o preço do petróleo para obrigar Washington a sentar-se com eles e encontrar uma série de acordos para que todos possam viver felizes e contentes. “Todos” obviamente seriam os EUA e a Arábia, o resto do mundo ficaria um pouco menos feliz.

Funcionará? 

Hoje começou a chegar a conta: as Bolsas dos Países do Golfo Pérsico em queda livre. Normal: a Arábia tem o petróleo, quem pode responde com a Finança. Era previsível: o limite abaixo do qual extrair com o fracking deixa de ser conveniente fica entre 60-70 Dólares ao barril, lógico que os EUA actuem para tentar “assustar” os árabes. Os investimentos efectuados na área do fracking e do xisto nos últimos anos foram enormes, sobretudo por parte dos privados. E até a passada Sexta-feira, as 75 empresas envolvidas perderam algo como 160 biliões de Dólares em Wall Street.

Mas é um jogo perigoso: muita dívida nos cofres dos bancos internacionais são também garantidos pelos Títulos vendidos nas Bolsas do Golfo. Não só: mas as empresas americanas do petróleo “alternativo” começaram a vender ainda mais para recolher liquidez, o que fez ulteriormente cair o preço do petróleo. 

O que significa tudo isso para nós que estamos à janela? Nada de bom.
Além do desconto de 1 cêntimo nas bombas de gasolina, temos umas más previsões ligadas ao andamento das Bolsas ocidentais (de Wall Street já vimos, mas não podemos esquecer o estados catatónico da Zona NEuro). E se há uma coisa que aprendemos desde a falência Lehman Brothers em 2008 com toda a história dos subprimes é que já não há crises “isoladas”. 

Depois há a tensão que irá aumentar, como se já não fosse suficiente. Sem ou com acordos “amigáveis” entre Washington e Riad, alguém ficará sempre insatisfeito. Será bom lembrar os nomes dos jogadores envolvidos: Arábia, Estados Unidos, Rússia e China. Chega para ter uma ideia?

Ipse dixit.