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Em busca de Atlântida – Parte I

Existiu Atlântida?
Boh?

Depois desta profunda consideração, vamos tentar encontrar uma resposta um pouco mais articulada. Afinal o Sempre Muy Nobre Saraiva pediu expressamente que tal assunto seja tratado. Quem pode recusar?

Mas não é nada simples, porque Atlântida traz consigo muitos outros temas que não podem ser ignorados se a intenção for encontrar um vislumbre de historicidade.

Não vamos descrever Atlântida, pois não faz sentido falar de algo sem ter a certeza de que realmente existiu. Portanto, a primeira pergunta deverá ser: existiu Atlântida?

Como sempre: vamos com ordem e começamos com as fontes.

A fonte: Platão

A primeira evidência histórica do Atlântida é aquela apresentada no Crítias e no Timeu, duas obras literárias de Platão. Eis uma tradução um pouco desgraçada (feita por mim) do texto do Crítias, que serve para das uma ideia:

Perante aquele estreito corredor chamado de Colunas de Hércules, havia uma ilha. E essa ilha era maior do que a Líbia e a Ásia juntas, e através dela era possível passar para outras ilhas, e destas para um oposto continente. […] Em tempos posteriores […], tendo havido sucessivos terremotos e cataclismos, no espaço de um dia e duma noite ruim […] tudo em massa afundou debaixo da terra, e a ilha de Atlântida igualmente engolida pelo mar desapareceu. […] Tendo havido entretanto muitos e terríveis cataclismos nestes nove mil anos.

É possível que Platão tenha inventado tudo isso? Ou que tenha alterado alguns detalhes?

Sim, é possível. Aliás, a maioria dos estudiosos considera que Platão criou um continente imaginário para descrever uma sociedade ideal do seu ponto de vista: Aristóteles, por exemplo, que era discípulo de Platão, nunca acreditou naquela que pensava ser uma lenda. Como afirmado, é uma possibilidade que não pode ser descartada.

Mas ao aceitar esta hipótese, o artigo acabaria aqui. Melhor ir em frente, assumindo que Platão não inventou nada e que, pelo contrário, relatou um conhecimento mais antigo.

Existem outras fontes além de Platão? Existem, mas têm um problema: todas são sucessivas e Platão era uma leitura obrigatória para qualquer culto do mundo antigo. Impossível descartar a hipótese de que as referências não tenham tido como origem o Crítias e o Timeu.

Talvez a coisa melhor seja não procurar “testemunhos” escritos (que, em qualquer caso, nunca foram de primeira mão) mas outro tipo de “provas” ou, para melhor dizer, de indícios.

Os indícios

Os Azstecas, por exemplo, o povo que vivia no México, achava vir de um lugar chamado Aztlan.Que tem algo de Atlântida, de facto.

Os Toltecas, sempre do México, argumentavam também vir dum lugar chamado Aztlan.

Diodoro Sículo (90 a.C. – 27 a.C.) alegava que os Fenícios tinham descoberto uma grande ilha no Oceano Atlântico, além das Colunas de Hércules, que era possível alcançar após de alguns dias de navegação partindo da costa africana. Absurdo? Nem tanto. Os Fenícios eram excelentes marinheiros e foram os primeiros a circum-navegar a África: segundo eles, o nome da terra era Antilla.
O historiador romano Timogeno afirma que os Galos tinham uma tradição acerca de Atlântida (é uma pena o historiador não ter mais material acerca disso).

Os Celtas das ilhas britânicas argumentavam que as origens deles ficavam numa ilha no meio do Oceano: Avalon.

As tribos berberas da África do Norte transmitem a lenda de Attala, actualmente debaixo das águas mas que um dia voltará a emergir.

Os Vikings acreditavam em Atli, uma terra no Mar Ocidental.

Os escritos indianos Purana e Mahabharata (V séc. a.C.) falam de Attala, uma terra muito distante no Oceano Ocidental. E nos mesmos textos aparece o termo Atyantica, utilizado para indicar uma catástrofe final.

Provas? Não: indícios, que como tais devem ser tratados. Indícios interessantes, que merecem um aprofundamento: as lendas, os contos, as tradições orais, sempre foram uma maneira de transmitir uma bagagem feita de conhecimentos, alguns dos quais baseados em factos reais. Só que, do ponto de vista das fontes, não é que haja muito mais do que isso. Escavando é possível encontrar algo, mas não muito. E nunca são testemunhos de primeira mão.

Então voltamos atrás, até Platão.

Fora do Mediterrâneo

O filósofo grego posiciona Atlântida além das Colunas de Hércules. Muitos entre pesquisadores e
cientistas tentaram fazer coincidir Atlântida com alguns acontecimentos estrondoso do Mediterrâneo, nomeadamente com a explosão do vulcão Santorini, na Grécia.

A explosão da ilha foi um algo apocalíptico, provavelmente a maior erupção alguma vez ocorrida na Europa em época histórica. Só que tentar identificar Atlântida com Santorini é simplesmente absurdo.

Platão é claro: não diz “mais ou menos, parece-me, se calhar foi antes das Colunas de Hércules, aliás, pensando bem foi mesmo aqui perto”. Segundo Platão Atlântida ficava além de Gibraltar e ponto final: estamos a falar dum dos Titãs do pensamento ocidental, não dum fulano que nem sabia distinguir o Norte do Sul.

Depois, Platão coloca os acontecimentos finais de Atlântida 9.000 anos antes de Solón (que tinha vivido um par de séculos antes dele; e estas datas têm a sua importância como veremos mais adiante), enquanto a erupção de Santorini foi no 1627 a.C. (isso é, XVII séc. a.C.). Dado que Platão viveu por volta do 400 a.C., refere-se a acontecimentos de 12 séculos antes. Não é poucos, mas 1200 anos antes é bem diferente do que 10.000 anos antes.

Se Atlântida existiu, ficava fora do Mediterrâneo, aí onde todas as tradições a posicionam: no oceano Atlântico.

Terremoto?

Aqui começam os problemas sérios.
Os nossos conhecimentos acerca do funcionamento da Terra não permitem que um continente desapareça dum dia para outro, como quer a tradição atlantidea. Podem surgir ilhas no prazo de poucos dias, podem desaparecer de forma igualmente rápida, mas inteiros continentes não.

Porque não? Isso tem a ver com a maneira que os continentes utilizam para “mexer-se”. Estamos habituados a considerar a terra como “firme”, mas na verdade firme não é: move-se continuamente, só que com um ritmo bem inferior aos da vida dos seres humanos. No passado houve continentes que apareceram, outros que desapareceram e assim será no futuro também: mas tudo sempre segundo os ritmos ditados pela Terra, que são mais lentos do que os nossos.

Nos últimos 3.000 anos o Homem foi testemunho de terremotos espantosos, que mudaram o aspecto de regiões, mas que nunca puseram em perigo um continente. E até prova contrária, isso nunca aconteceu: talvez amanhã possa haver um terremoto que faça desaparecer a Austrália, então a História e boa parte das teorias geológicas terão de ser rescritas, mas é extremamente improvável que isso aconteça.

Se aceitarmos esta ideia de que nenhum terremoto tem tido até hoje a força suficiente para provocar o desaparecimento de Atlântida, então temos que procurar em qualquer outro lado. E se o Leitor ficou decepcionado com a geologia, pode consolar-se pensando que talvez a Ciência possa fornecer uma outra explicação para o desaparecimento de Atlântida.

Mas isso é assunto para a segunda parte.

Ipse dixit.

Fontes: no último capítulo.