O mea culpa do FMI e a canonização de Dominique

Bom artigo de Mike Whitney publicado nas páginas de Information Clearing House.

Whitney parte duma simples consideração: nos 455 artigos que é possível encontrar no Google News e que têm como tema central o mea culpa do Fundo Monetário Internacional (FMI), nunca aparece o nome de Dominique Strauss-Kahn.

Esquisito? Sim, muito.

O FMI está arrependido. Admite que estava errado em 2010-2011, quando recomendou a austeridade para resolver os problemas económico-finenceiros. Admite que deveria ter esperado, pois as economias ocidentais ainda não estavam prontas para medidas de “lágrimas e sangue”, antes deveriam der dado pelo menos alguns sinais de retoma.

De acordo com o relatório publicado pela Divisão de Investigação do Gabinete de Avaliação Independente do FMI:

As recomendações do FMI sobre a consolidação fiscal provaram ser prematuras para todas as principais economias avançadas, como também é provado terem sido optimistas todas as suas projecções de crescimento […] A combinação dessas políticas não só provou não ser totalmente eficaz na promoção da recuperação, mas também exacerbou os efeitos negativos.

Wow…foram precisos 3 anos mas afinal o FMI concorda com o blog: retirar sangue a quem sofre de hemorragia não é o melhor dos tratamentos. Nobel da Economia para o Max? Não, porque não era apenas Informação Incorrecta a dizer estas coisas, havia outros: Leitores, blogues, sites, economistas, políticos… então como é que o FMI ignorou todos os avisos e continuou com a política suicida?

Simples: porque a política suicida era o verdadeiro objectivo.
E a admissão tardia do FMI é falsa, apenas uma maneira de fazer saber ao público que não era aquele o caminho. Fica sempre bem, sobretudo quando as previsões para os próximos tempos não são as melhores e o ranger do prédio começa a ser audível.

Tentamos ser sérios: mas alguém pensa que ninguém no FMI tinha previsto o actual cenário? Centenas de economistas não tinham intuído que empobrecer economias já empobrecidas teria dado torto?

Na verdade alguém do FMI tinha imaginado isso e costumava definir os apologistas da austeridade como furieux fous, loucos furioso. Este alguém era o Director do FMI em 2011: Dominique Strauss Khan.

Do ponto de vista dele, as medidas de choque impostas à
Grécia e a outros Países europeus (Portugal!) com a crise da dívida soberana só iam provocar uma grave recessão económica e agitação social.

Foi exactamente o que aconteceu. Mas este foi apenas uma das consequências, como veremos mais à frente.

Sabemos o que aconteceu a Strauss Khan. Sabemos que foi preciso tempo para perceber exactamente o que estava em causa (eu, na altura, não vi nada de estranho nas acusações, considerando os gostos do simpático Dominique). Sabemos também que a procuradoria de New York arquivou definitivamente o caso contra ele. Mas já Strauss Khan não era Director do FMI, substituído por Christine Lagarde, casualmente apoiante da austeridade. E só a seguir tornou-se claro qual o novo rumo escolhido pela instituição.

Mas voltamos ao mea culpa do FMI. A instituição sabia exactamente quais teriam sido os efeitos da política que recomendou, e graças a essas recomendações os efeitos negativos da crise não apenas não foram bloqueados mas até pioraram.

Por qual razão? Quem ganhou com isso?
Eis um gráfico que responde bem à pergunta:

Nos Estados Unidos, 1% da população, os mais ricos, aumentaram os seus rendimentos; o resto da população viu os rendimentos cair de forma abrupta.
Muito simples.

As privatizações, os despedimentos, os jogos da Alta Finança tiveram este efeito, amplamente previsível e previsto. Nisso o FMI tem tido um papel fundamental, recomendando a redução dos gastos, o aumento dos impostos, enquanto os bancos centrais inundavam os mercados financeiros com liquidez (Quantitative Easing) que nunca atingiram a maior parte dos cidadãos ou das empresas.

Tudo isso não teria sido possível sem o apoio do FMI.

Eis alguns excertos do discurso de Dominique Strauss Kahn de Abril de 2011, um mês antes do escândalo do Hotel Sofitel de New York. Foi o discurso no Brookings Institution, think tank baseado em Washington:

As falhas mais evidentes da sociedade económica em que vivemos são o seu fracasso em proporcionar o pleno emprego e a sua distribuição arbitrária e desigual da riqueza e dos rendimentos. […] Nem todos vão concordar com esta afirmação, na íntegra, mas o que aprendemos ao longo do tempo é que o desemprego e a desigualdade podem minar as conquistas da economia de mercado, espalhando as sementes da instabilidade.

O FMI não pode ficar indiferente aos problemas da distribuição.

Hoje, precisamos de uma força de resposta que possa empurrar nessa direcção para garantir a recuperação e isso não significa apenas trabalho para uma recuperação sustentável e equilibrada entre os países, mas também uma política que traga emprego e uma distribuição equitativa.

Mas o crescimento por si só não é suficiente. Precisamos de políticas directas para o mercado de trabalho.

Deixe-me falar um pouco sobre o segundo pulmão da crise social: a desigualdade. As pesquisas do FMI mostram que o crescimento sustentável ao longo do tempo também traz uma distribuição mais equitativa dos rendimentos.

Precisamos de políticas para reduzir as desigualdades e garantir uma distribuição mais equitativa das oportunidades e dos recursos. Fortes redes de segurança social, conjugadas com a tributação progressiva podem diminuir as desigualdades que orientam o mercado. Os investimentos na saúde e na educação são fundamentais. O direito à negociação colectiva é importante, especialmente num contexto de estagnação dos salários reais. A parceria social é um instrumento útil, pois permite não só os lucros do crescimento, mas também que os sofrimentos sejam limitados e divididos de forma bastante equilibrada.

Em última análise, o emprego e a equidade são os blocos fundamentais para a estabilidade e a prosperidade económica, a estabilidade política e a paz. Esta é a essência do mandato do FMI e deve ser colocada na agenda política. Muito obrigado.

“Tributação progressiva”, “direitos colectivos”, “proteger os instrumentos de segurança social”, “políticas para o mercado do trabalho”, “impostos sobre as actividades financeiras”: na prática, Strauss Khan tinha acabado de enforcar-se.

O simpático Dominique não é um santo (tarado sexual é mesmo), longe disso: nenhum santo chega a ser Director duma instituição como o FMI. Mas tinha percebido qual a única estrada que poderia ter permitido uma recuperação económica e um futuro mais sustentável.

Infelizmente, estes não eram e ainda não são os planos dos donos do FMI.

(ao ponto em que chegamos: temos que reabilitar Dominique Strauss Khan…)

Ipse dixit.

Fontes: International Clearing House, NPR, FMI – Sustaining the Recovery through Employment and Equitable Growth

8 Replies to “O mea culpa do FMI e a canonização de Dominique”

    1. Muito bom artigo, obrigado Ricardo.

      Não acaso é publicado num diário inglês: sabemos que o Reino Unido está cada vez mais longe da Europa e com razão. Pelo que, se a ideia for encontrar notícias "fora do coro" é aí que temos que espreitar.

      Não sei se vai haver um QE à europeia: o BCE já anunciou isso várias vezes e, de facto, algo foi feito mas nem chegou para encher os cofres dos bancos (que parecem não ter fundos). Agora Draghi quer intervir no mercado, nos próximos 15 minutos terá mudado de ideia 3 vezes: na prática, quando a Merkel não ouve Draghi anuncia o QE, quando ela está a ouvir Draghi retira tudo.

      Tarde demais? Não sou eu que posso responder: quando comecei o blog tinha as minhas ideias, que já não eram tão simpáticas em relação ao Euro. Agora pioraram definitivamente, pelo que admito não ser objectivo.

      Acho que nos últimos 10 anos perdemos 2 ou 3 décadas, talvez mais, literalmente atiradas para o lixo. Ao entrar no Zona NEuro, a Italia tinha um forte tecido empresarial, agora está ligada ao oxigénio. Em Portugal foi destruído aquele pouco que havia, não sei se e quando haverá recursos para iniciar outra vez. Para mim, que sou fundamentalmente europeista, é uma derrota que afasta a hipótese duma Europa federativa: uma vez acabado o velório do Euro, acho que as pessoas irão estrangular qualquer indivíduo que diga "União".

      Muito dependerá também de como acabará este cortejo fúnebre: na melhor das hipóteses será um "cada um pelo seu caminho" (imaginem o que isso poderá significar para um País como Portugal…), na pior será uma implosão repentina (o que não acho irá acontecer).

      Em qualquer caso, os tempos serão breves: será suficiente um País sair para acelerar a dissolução da Zona NEuro. E, como vimos, a Italia ou a França parecem as melhores candidatas.

      Voltando ao QE do BCE: ache tarde, muito tarde, demasiado tarde. Melhor do que isso seria um programa de periódica aquisição de Dívida Pública, possivelmente quebrando também, mesmo que de forma temporária, o limite de 3% do PIB por cada País. O que, obviamente, é pura ficção científica (e implicaria problemas não indiferentes, como rever todos os programas de ajustamento, os acordos assinados, etc. etc….).

      Tarde e ridículo: feitas as contas, para um País como a Italia o QE significaria 700 milhões de Euros (os dados difundidos – fala-se de 300 biliões de Euros em QE – têm muitos asteriscos no documento do BCE). Isso é: trocos.

      Sem ultrapassar os limites ditados pelo rácio Dívida/PIB, continuaremos a fazer os mortos de fome, com bancos anémicos, Estados estrangulados e empresas sem investimentos e assumpções.

      Mas neste aspecto a Alemanha é surda. Não admira que o Reino Unido fique de fora: só um kamikaze nesta altura gostaria de entrar neste psicodrama colectivo…

      Abraço!!!!!!!

    2. Já assumi anteriormente a minha posição contra o euro. Neste momento já estou um pouco mais longe. Sou contra o euro e contra a união europeia.
      A UE é uma estrutura tecnocrata e fascista, que descaradamente se assume contra os interesses dos cidadãos da europa, reduzindo as liberdades e impondo indiscriminadamente uma doutrina financeira autoritária.
      Engana os cidadãos com esquemas diabólicos como a fiscalidade verde (na ordem do dia), o TTIP (também na ordem do dia), a privatização da água, a politica de austeridade, a politica do CO2, a destruição dos tecidos produtivos dos países que a compõem e por aí fora.
      Se antes acreditava numa europa unida, hoje não tenho dúvidas que tal não é possível seja qual for a liderança. Estamos nas mãos de um gang!

      Krowler

  1. http://youtu.be/GqgOvzUeiAA
    Se existir em português que venha isto é tão actual como à mais de 50 anos e aplica-se
    ao Dominique S. K. ou seja não deixa de ser um gato.
    Como a política em geral. Na altura chamavam de comunista ou bolchevique…agora populista.
    Em português do br. esta fábula chama-se Ratolandia.
    Qual é o moral desta pequena historieta????
    Nuno

  2. Quem responder primeiro leva um radio de onda curta avariado, queimado, pontapeado e invisível.
    Já que anda por aqui alguém a oferecer Sados e outras maravilhas " ; )"
    Abraços

  3. Errado meu caro Anónimo, ė só chamar a atenção para algo mais grave..
    A perda de valores e humanidade rendida a algo artificial e "sui generis, " o fed.
    Onde está a correspondência ao dinheiro que emitem?
    Alguém viu?
    Se não é ouro ou algo com valor que possa ser quantificado…isso tem um nome: O Ponzi scheme, mais mal feito, se me cheira a esturro,
    imagino chineses e russos.
    A europa não conta para já, mas quando abrirem os olhos?

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